Sinopse
Mariam tem 33 anos. Sua mãe morreu quando ela tinha 15 anos e Jalil, o homem que deveria ser seu pai, a deu em casamento a Rasheed, um sapateiro de 45 anos. Ela sempre soube que seu destino era servir seu marido e dar-lhe muitos filhos. Mas as pessoas não controlam seu destino. Laila tem 14 anos. É filha de um professor que sempre lhe diz - 'Você pode ser tudo o que quiser'. Ela vai à escola todos os dias, é considerada uma das melhores alunas do colégio e sempre soube que seu destino era muito maior do que casar e ter filhos. Confrontadas pela História, o que parecia impossível acontece - Mariam e Laila se encontram, absolutamente sós. E a partir desse momento, embora a História continue a decidir os destinos, uma outra história começa a ser contada, aquela que ensina que todos nós fazemos parte do 'todo humano', somos iguais na diferença, com nossos pensamentos, sentimentos e mistérios.
Trechos do livro:
— Aprenda isso de uma vez por todas, filha: assim como uma bússola precisa
apontar para o norte, assim também o dedo acusador de um homem sempre
encontra uma mulher a sua frente. Sempre. Pg.12
Nesse verão, Cabul foi tomada pela febre do Titanic. As pessoas contrabandeavam cópias pirata do filme lá do Paquistão, por vezes escondendo-as na roupa de baixo. Depois do toque de recolher, todos trancavam as próprias casas, apagavam as luzes, baixavam ao máximo o volume das televisões e voltavam a chorar por Jack, Rose e os demais passageiros do navio que naufragou. Quando não estava faltando luz, Mariam, Laila e as crianças também viam o filme. Por dez vezes, ou mais, desenterraram a TV lá do quintal, tarde da noite, com a casa toda às escuras e umas mantas penduradas nas janelas.
Vendedores desciam ao leito ressecado do rio Cabul. Em pouco tempo, era possível comprar ali dentro, nos buracos esturricados pelo sol, tapetes e roupasTitanic, que enchiam carrinhos de mão.
Havia desodorante Titanic, pasta de dentes Titanic, perfume Titanic, pakora
Titanic e até mesmo burqas Titanic. Um mendigo particularmente persistente passou a se autodenominar "Pedinte Titanic". Pg. 267
Até que, um belo dia, Rashid declarou que não ia mais levá-la ao orfanato.
— Estou cansado demais de ficar andando pela rua para cima e para baixo, procurando emprego — disse ele.
— Então, vou sozinha — retrucou Laila. — Você não pode me impedir, Rashid.
Esta me ouvindo? Pode me bater o quanto quiser, mas vou continuar indo lá.
— Como quiser. Mas não vai conseguir passar pelos talibãs. Depois, não venha me dizer que não avisei...
— Vou com você — interveio Mariam. Mas Laila não deixou.
— Não. Você tem que ficar em casa com Zalmai. Se formos detidas... não quero que ele veja essa cena. Pg. 282
Tinha sido uma esposa infiel? Foi a pergunta que se fez. Uma esposa complacente? Uma mulher indigna? Infame? Vulgar? Que mal tinha feito, deliberadamente, a esse homem para justificar sua maldade, seus repetidos ataques, o prazer que ele sentia em atormentá-la? Não tinha cuidado dele quando estava doente? Não tinha lhe dado comida, a ele e a seus amigos, e limpado as coisas dele com todo cuidado? Não tinha entregado a sua juventude a esse homem? Por uma única vez que fosse, tinha merecido a sua crueldade?
Ouviu o barulho do cinto caindo no chão quando Rashid o soltou e veio para cima dela.
Algumas tarefas devem ser feitas só com as mãos, foi o que disse aquele ruído. Pg.307
O livro mexe com o psicológico das pessoas, principalmente com o psicológico ocidental, os acontecimentos que por lá acontecem são parte do cotidiano, por aqui seria impensável, podemos ter um vislumbre das imensas diferenças culturais, lembrando que o Afeganistão faz parte do Grande Oriente Médio no mundo islâmico. Este é um livro que traz de perto a história e cultura do Afeganistão; o desenrolar da história das duas mulheres ocorre na época e tem como pano de fundo a Guerra com os soviéticos, a chegada do Talibã, e o regime talibã é exposto em sua brutalidade.
A leitura nos causa impacto a medida que tomamos conhecimento das normas que transformaram a mulher num mero acessório do homem, são como animais de estimação, é chocante e revoltante. Fala da história de um povo, de suas perdas durante aquele período de dificuldades. Muitos são obrigados a fugir do próprio país, e viverem dispersos no mundo como refugiados. No meio disto tudo o livro se torna ainda mais dramático, ele fala de mulheres neste mundo caótico fundamentalista.
A cidade do Sol é um romance envolvente, contado em primeira pessoa, são muitas fotografias de vidas em momentos históricos, ele leva o leitor para a fascinante cultura islâmica com todos os seus contrastes, polêmicas e belezas, o autor conseguiu dar vida as palavras e movimento as suas memórias, é possível que muitas mulheres se vejam nos papéis destas mulheres, sentindo-se num beco sem saída.
O livro é dividido em duas partes. A primeira parte conta a história de Mariam, ela nasceu em 1959, na cidade de Herat, Herat (Herate) é a terceira e mais populosa cidade do Afeganistão. Ela era filha de sua mãe com um homem já casado com três esposas (fato normal naquele lugar e naquela época), portanto, era fruto de um adultério e era nada mais do que uma filha ilegítima.
No decorrer de toda a história, o autor nos coloca em contato com inúmeras palavras e expressões da língua afegã, que podem ser reconhecidas e encaixadas no contexto. Mariam, é descrita como uma ‘’harami’’, que significa filha ilegítima ou bastarda.
Aos quinze anos de idade, após a morte de sua mãe, Mariam é forçada pelo pai Jalil a se casar com Rashid, um sapateiro de Cabul, de quarenta e cinco anos de idade. A partir desse casamento, é que todos os sofrimentos ainda mais horríveis do que os já conhecidos, começam a surgir na vida de Mariam.
A segunda parte do livro conta a história de Laila, ela nasceu em 1978, ou seja, dezenove anos mais velha que Mariam. Laila tinha um amigo desde sua infância chamado Tariq, que estava sempre com ela, a acompanhava em todos os momentos.
Depois de um tempo, com quatorze anos, Laila e Tariq descobrem-se apaixonados um pelo outro. Mas, Tariq chega com a notícia de que precisará ir embora do país, juntamente com seus pais. Laila é convidada, mas é incapaz de deixar os pais. E os dois se entregam um ao outro, mesmo sem casamento e Tariq parte, deixando Laila.
Quando os pais de Laila decidem ir embora do país, a casa é atacada por um bombardeio e a menina fica órfã, ela é a única sobrevivente. Laila recobra os sentidos muito tempo depois e se descobre na casa dos vizinhos, Mariam e Rashid, que a acolheram e cuidaram-na enquanto estava inconsciente. Para autorizar que Laila permaneça na casa, Rashid lhe propõe casamento. A menina que não tem outra alternativa por se tratar de uma norma rígida, aceita, tudo porque estava grávida de outro, ela se torna a segunda esposa de Rashid, após o casamento Rashid diz que o filho é dele. Antes do casamento, Laila já havia recebido a notícia de que Tariq havia falecido por conta da guerra.
Nasce a filha de Laila, Aziza que passa a ser criada pela mãe e por Mariam, esta que nunca conseguiu dar um filho a Rashid. O homem, não gostava da criança, porque sempre desejou ter um filho e ele parecia sempre estar desconfiado de alguma coisa, talvez reflexo da própria vida de absurdos vividos por aquele povo sofrido e sempre envolvido em guerras.
Rashid sempre que podia maltratava as duas mulheres. Tudo era motivo para castigos e espancamentos, ele agia sempre com muita crueldade e agressividade.
E assim foi a rotina dessas duas mulheres, unidas pelo difícil destino e passaram a compartilhar de uma vida igualmente sofrida, mesmo diante de tantas dificuldades estas duas mulheres não perdem a determinação, dignidade e esperança, ensinam o verdadeiro sentido da palavra superação.
São vidas que tiveram um final surpreendente, o final não se conta para não tirar o suspense e a curiosidade.
Super recomendo, é uma história comovente, surpreendente, emocionante e ao mesmo tempo revoltante, é ficção, mas é a realidade de muitas mulheres naquele pais, este é um livro que nos permite viajar sentimental e culturalmente.
Fonte:
Hosseini, Khaled. A cidade do sol; Tradução Maria Helena Rouanet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
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