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quinta-feira, 24 de junho de 2021

Resenha do Livro Memorial do Convento de José Saramago

 


O livro é uma obra prima de José Saramago, é um dos livros mais lido e apreciado em Portugal, local de nascimento de Saramago. Saramago é um autor autodidata, desde cedo demonstrava interesse pelos estudos e pela cultura, por dificuldades econômicas impediram José Saramago de fazer os estudos liceais, que o levariam a frequentar a universidade. Formou-se numa escola técnica e teve o seu primeiro emprego como serralheiro mecânico, a própria história de Saramago por si só é inspiradora.

Aqui no Brasil uma das obras mais conhecidas escritas por Saramago foi o “Ensaio Sobre a Cegueira”, adaptado para o cinema, talvez por seu viés distópico mais a ver como nossa realidade brasileira, labiríntica, urbana, alienada, obrigando as pessoas a viverem de formas fora do comum, diante da Sodoma e Gomorra que viraram a política e a justiça brasileira, mas aí já é outra história.

Memorial do Convento é um romance histórico de um realismo maravilhoso envolvendo a figura de uma mulher exótica “Blimunda Sete Luas”, trata de uma história que se passa em Portugal, no começo do século XVIII, reinado do rei D. João V, período em que Portugal conseguiu se organizar graças a exploração das minas de ouro no Brasil, daqui foram levadas toneladas de ouro, durante seu reinado a produção de ouro no Brasil atingiu seu ápice, o rei português pensava que eram minas inesgotáveis, pensando assim gastou a torto e a direito em muitas obras e edificações, o ouro que foi obtido na colônia não foi aproveitado de forma a fomentar um estado de facto próspero.

A riqueza proveniente do Brasil, foi muito utilizada em construções de prédios e monumentos, tais como o Convento de Mafra ou Palácio de Mafra localizado em Lisboa.

Foi lá que D. João V investiu muito da riqueza explorada do Brasil colônia, o projeto incluía espaço para só casa para freiras e padres, incluía um palácio nacional, hospital, biblioteca, basílica e escritórios administrativos do império português.

João V teve os cognomes de “O Magnânimo” e “O Rei-Sol Português”, e alguns historiadores recordam-no também como “O Freirático”. “O Magnânimo”, dada a generosidade com que abriu mão de enormes fortunas, tanto para engrandecer a coroa como para satisfazer os seus caprichos pessoais. D. João V era tão esbanjador que um dia mandou fazer uma banheira em Inglaterra para oferecer a uma das suas amantes. A banheira pesava 100 kg, era dourada, tinha pés em forma de golfinhos e sereias, e um enorme Netuno com um tridente na mão à cabeceira. Custou 3500 guinéus (equivalente a 4200 euros atuais).

Diz a lenda e o livro que a construção do Convento de Mafra se deu devido a uma promessa feita aos padres franciscanos, D. João V construiria um grande convento caso sua esposa Mariana engravidasse, tudo em agradecimento a Deus. Ciente que tal obra devido a sua magnitude levaria muitos anos para ser edificada, então não poupou esforços nem recursos, tinha pressa na execução, nem se preocupou se as reservas de ouro oriundas do Brasil fossem acabar, e foi o que aconteceu, as reservas minguaram levando Portugal a enfrentar dificuldades financeiras, então os portugueses entenderam que D. João V desperdiçou recursos que de fato vieram a faltar.

Saramago que também era um crítico social não poupou críticas a ideia megalomaníaca do rei português, a edificação consumiu muito da riqueza portuguesas, utilizou mão de obra de milhares de pessoas, que sofreram muito com as péssimas condições no período da obra, foi uma exploração calcada na necessidade dos mais necessitados.

O personagem Padre Bartolomeu de Gusmão, um brasileiro que nasceu em Santos, tinha espirito de cientista e inventor, brilhante por sua memória e capacidade de raciocínio, foi estudar com bolsa na Universidade Coimbra, impressionou o rei por suas habilidades, conseguindo autorização para construir a ambiciosa máquina de voar, aeróstato ou como chamamos balão, este personagem de fato existiu, Saramago de fato se aproveitou de uma lenda que o próprio padre ajudou a explorar, uma lenda onde havia um projeto da criação da máquina de voar chamada passarola, nada mais que uma brincadeira criada pelo padre.

O padre voador contrata o casal Baltazar Sete sois e Blimunda Sete Luas, são desafiados e provocados, na quinta do duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira, o ajudar a construir a sua passarola, Baltazar tido como “o braço direito do Voador”, revela-se de fundamental importância não apenas para a consecução do projeto, porque “há coisas que um gancho faz melhor do que a mão completa, um gancho não sente dores se tiver de segurar um arame ou um ferro, nem se corta, nem se queima”.

Baltasar Mateus, ou Sete-Sóis, conhecido como o maneta, ele que participou da Guerra da Sucessão Espanhola retornou para casa sem o braço esquerdo, que substitui por um gancho e/ou por um espigão. É na capital portuguesa que Baltazar conhece o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão e a sua companheira, Blimunda Sete-Luas, no auto-de-fé em que a mãe desta, Sebastiana Maria de Jesus, é condenada por feitiçaria e degredada para Angola.

Blimunda sete luas (foi uma personagem criada por Saramago inspirado numa vidente e descrita por historiadores e viajantes do sec. XVIII, uma mulher que tinha poderes extraordinários, tinha a capacidade de enxergar através das vontades das pessoas e dos objetos), o casal ajuda o padre na construção da passarola e ao mesmo tempo vivem uma história amorosa que faz do jogo afetivo que vivem uma das mais belas e encantadoras histórias de amor da literatura em língua portuguesa, é uma história de amor, liberdade de amor, intelectual, e critica a tirania a arbitrariedades num período mais absolutista no século da inquisição.

O livro é fantástico, tem possibilidade a uma infinidade de interpretações, é de fato uma obra prima de Saramago, com seu olhar crítico e criatividade ele consegue preencher brechas que foram deixadas pela história, Blimunda é uma das personagens femininas pertencente a linhagem caprichosa saramaguiana, Saramago estabelece um tipo de dialética na figura da mulher, ela através do diálogo estabelece um contato entre o sagrado e o profano, em sua ficção aquela figura da mulher profana tem papel de destaque exercendo liderança sobre o sagrado, alguns até criticaram esta ascendência como uma heresia, no entanto a literatura como a sexta arte é mais uma vez iluminada pela riqueza das ideias da mente genial de Saramago.

 

Trechos:

Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra. (SARAMAGO, 2013: 57)

 

Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu, e como Blimunda já tinha dito que sim antes de perguntada, Então declaro-vos casados. O padre Bartolomeu Lourenço esperou que Blimunda acabasse de comer da panela as sopas que sobejavam, deitou-lhe a benção, com ela cobrindo a pessoa, a comida e a colher, o regaço, o lume na lareira, a candeia, a esteira no chão, o punho cortado de Baltasar. Depois saiu. (SARAMAGO, 2013: 58)

 

Vão as formigas ao mel, ao açúcar derramado, ao maná que cai do céu, são quê, quantas, talvez umas vinte mil, todas para o mesmo lado viradas, como certas aves marinhas que às centenas se reúnem nas praias para adorar o sol, tanto faz que o vento lhes dê de rabo, ao arrepio das penas, o que lhes importa é seguir o olho viajante do céu, e em carreirinhas curtas vão passando à frente umas das outras, até que se acaba a praia ou o sol se esconde, amanhã voltaremos a este mesmo lugar, se não viermos nós, nossos filhos virão. Dos vinte mil, quase todos são homens, as poucas mulheres ficam na periferia do ajuntamento, não tanto por causa do costume de se separarem os sexos na missa, mas porque, perdendo-se elas no meio da multidão, vivas, sim, talvez saíssem, mas violadas, como hoje diríamos, não tentarás o Senhor teu Deus, e se o tentares não venhas depois queixar-te de que ficaste grávida. (SARAMAGO, 2013: 254)

 

Fontes:

Saramago, José. Memorial do convento: romance. 1ªed – São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

https://www.vortexmag.net/historia-insolita-de-portugal-o-rei-que-morreu-por-excesso-de-afrodisiacos/

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