“Que é a vida? Um frenesí. Que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção, e o maior bem é bisonho: pois toda a vida é sonho, e os sonhos, sonhos são”.
O autor desta bela peça teatral “A
vida é sonho” (La vida es sueño, no original),
é Pedro Calderón de la Barca foi um dramaturgo religioso e poeta espanhol do
século XVII, autor dileto do filósofo Schopenhauer.
O texto narra as aventuras de Segismundo o príncipe, filho renegado de Basílio, rei da Polônia que ao nascer é trancado em uma torre.
Qual o crime de Segismundo?
Mas eu nasci, e compreendo
que o crime foi cometido
pois delito maior
do homem é ter nascido.
A peça marca o renascimento espanhol em forma de peça de teatro lançado em 1635, da idade média, época do questionamento da realidade e embate do profano com o sagrado e do desejo com a razão.
A vida é sonho, utilizando a metáfora do sonho, o texto permite várias abordagens, sejam desdobramentos sociopolíticos, psicológicos e de dignidade humana, traz um enredo muito rico, o autor produziu uma narrativa entre dois reis que tem um filho e há sobre esta criança um vaticínio de que esta criança um menino, no futuro será um rei um tirano, para evitar esta maldição, resolvem criar o menino trancado numa torre sem dizer a ele que é príncipe. O encargo de sua criação ficou aos cuidados de um servo, a atitude dos pais parece desumana.
Decorrido alguns anos, seus pais bolam um plano de tirá-lo da torre e fazer um teste para ver se ele será um tirano, resolvem dopa-lo e ao acordar ele não está mais na torre e encontra-se no palácio, acorda envolvido pela presença de várias pessoas, com todos os luxos e confortos de um príncipe.
No teste constatam que o vaticínio estaria correto, concluem que ele será um tirano, e ficam em dúvida do que fazer a partir disto, a dúvida é se ele se tornou um tirano por ficar preso longe da convivência social e dos pais ou se ele nasceu com esta índole.
Resolvem leva-lo de volta a torre, bolam um expediente que o sedam e o levam de volta, quando acorda seu servo que o criou diz a ele que havia apenas vivido um sonho, que não era príncipe, daí surge o título da peça.
A peça reflete a vida como um sonho cheia de ilusões.
O fato que mais adiante na narrativa o guarda e servo com pena do príncipe fala a ele a verdade, que ele de fato é príncipe, com ajuda do servo sai da torre, retoma seu posto de príncipe, e então percebe que com ajuda da guarda real poderia destronar o rei, no entanto ele volta atrás na ideia e decide não destronar o rei, diz a guarda: vamos deixar como estar e não vamos ferir as ordens políticas estabelecidas, em seguida ele decide levar a julgamento os guardas que queriam destronar o rei, e agiram contra o seu rei.
Segismundo o príncipe, adotando o princípio da realidade, e não apenas guiando-se pelo princípio do prazer e vingança, restabelece o equilíbrio (“Porque espero obter outras grandes vitórias, vou alcançar a mais custosa hoje: vencer-me a mim próprio”): reconcilia-se com o pai, casa Astolfo com Rosaura (e Clotaldo revela ser o pai dela) e ele pede a mão de Estrela.
Claramente o texto trata do respeito das ordens estabelecidas, fala de uma legitima revolta do povo contra o rei que poderia se tornar num tirano, a obra foi feita para as classes populares.
A peça é uma metáfora para reflexão do que se faz: “se vivemos a realidade ou sonho”
O autor busca no mundo diversos personagens, busca nas classes sociais, gênero, (Rei, Formosura, Discrição, Lavrador, Rico, Pobre, Criança, Mulher, Lei) participes para entrarem e saírem de cena da vida. Quando o papel de cada um na vida “acaba”, todos se igualam, para espanto do Rei. Assim, na metáfora do “grande teatro do mundo”, isto é, o rebaixamento da condição humana, seja rei ou plebeu, no final inexorável e natural da vida, todos se igualam pelo destino comum: a morte.
Personagens da peça:
BASÍLIO, Rei da Polônia
SEGISMUNDO, Príncipe
ASTOLFO, Duque de Moscou
CLOTALDO, Velho
CLARIM, gracioso (criado de Rosaura)
ESTRELA, Infanta
ROSAURA, Dama
Além de soldados, guardas, músicos, comitivas, criados e damas.
Cenário: Cenas na corte da Polônia, numa fortaleza pouco distante, e no campo.
Trechos da peça:
"Ai de mim, ai, pobre de mim! Aqui estou, ó Deus, para entender que crime cometi contra Vós.
Mas, se nasci, eu já entendo o crime que cometi.
Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor, porque o crime maior do homem é ter nascido.
Para apurar meus cuidados, só queria saber que outros crimes cometi contra Vós além do crime de nascer. Não nasceram outros também? Pois, se os outros nasceram, que privilégios tiveram que eu jamais gozei? Nasce uma ave e, embelezada por seus ricos enfeites, não passa de flor de plumas, ramalhete alado quando veloz cortando salões aéreos, recusa piedade ao ninho que abandona em paz. E eu, tendo mais instinto, tenho menos liberdade? Nasce uma fera e, com a pele respingada de belas manchas, que lembram estrelas.
Logo, atrevida e feroz, a necessidade humana lhe ensina a crueldade, monstro de seu labirinto.
E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?
Nasce um peixe, aborto de ovas e Iodo e, feito um barco de escamas sobre as ondas, ele gira, gira por toda parte, exibindo a imensa habilidade que lhe dá um coração frio.
E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?
Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores surge de repente e de repente, entre flores se esconde onde músico celebra a piedade das flores que lhe dão um campo aberto sua fuga. E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?
Assim, assim chegando a esta paixão, um vulcão qual o Etna quisera arrancar do peito, pedaços do coração.
Que lei, justiça ou razão pôde recusar aos homens privilégio tão suave, exceção tão única que Deus deu a um cristal, a um peixe, a uma fera e a uma ave?"
… o viver só é sonhar;
e a experiência me ensina
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e vive
com este engano mandando,
dispondo e governando…
Sonha o rico com a sua riqueza,
que mais cuidados lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e sua pobreza…
e neste mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
mesmo que ninguém entenda…
O que é a vida? Um delírio.
O que é a vida? Uma ficção,
uma sombra, uma ilusão,
e o maior bem é pequeno;
que toda a vida é sonho,
e os sonhos, sonhos são.
Neste período de pandemia, período de afastamentos, distanciamentos, estamos como que vivendo numa torre, vivendo não um sonho, mas um pesadelo, viver o sonho será o dia seguinte da libertação deste pesadelo, quando entraremos no sonho de retornarmos a nossa convivência, não será a moda antiga, será de uma forma responsável e madura, o susto pregado na humanidade mostrou-nos que não sairemos, pois a práxis humana neste período se alterará completamente, neste momento em que estamos chegando ao final deste período de confinamentos estamos fazendo um questionamento geral ao que estava estabelecido pré-pandemia. Pode-se ficar cético, cínico, indiferente, mais dogmático, mas não ficaremos imunes, ao que se passou neste período, obrigatoriamente sairemos diferentes daqueles a priori.
No filme brasileiro “Tempos de Paz”, estrelado por Dan Stulbach, Tony Ramos e Daniel Filho. Fazem um show de interpretação traz o monologo de Segismundo: https://youtu.be/zkFF9VltBOc
Fonte:
Barca, Calderon de la. A vida é sonho. São Paulo-SP. Ed. Hedra- 2008