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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Resenha: A vida é sonho, de Calderón de La Barca

 “Que é a vida? Um frenesí. Que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção, e o maior bem é bisonho: pois toda a vida é sonho, e os sonhos, sonhos são”.

O autor desta bela peça teatral “A vida é sonho” (La vida es sueño, no original), é Pedro Calderón de la Barca foi um dramaturgo religioso e poeta espanhol do século XVII, autor dileto do filósofo Schopenhauer.

O texto narra as aventuras de Segismundo o príncipe, filho renegado de Basílio, rei da Polônia que ao nascer é trancado em uma torre.

Qual o crime de Segismundo?

Mas eu nasci, e compreendo

que o crime foi cometido

pois delito maior

do homem é ter nascido.

A peça marca o renascimento espanhol em forma de peça de teatro lançado em 1635, da idade média, época do questionamento da realidade e embate do profano com o sagrado e do desejo com a razão.

A vida é sonho, utilizando a metáfora do sonho, o texto permite várias abordagens, sejam desdobramentos sociopolíticos, psicológicos e de dignidade humana, traz um enredo muito rico, o autor produziu uma narrativa entre dois reis que tem um filho e há sobre esta criança um vaticínio de que esta criança um menino, no futuro será um rei um tirano, para evitar esta maldição, resolvem criar o menino trancado numa torre sem dizer a ele que é príncipe. O encargo de sua criação ficou aos cuidados de um servo, a atitude dos pais parece desumana.

Decorrido alguns anos, seus pais bolam um plano de tirá-lo da torre e fazer um teste para ver se ele será um tirano, resolvem dopa-lo e ao acordar ele não está mais na torre e encontra-se no palácio, acorda envolvido pela presença de várias pessoas, com todos os luxos e confortos de um príncipe.

No teste constatam que o vaticínio estaria correto, concluem que ele será um tirano, e ficam em dúvida do que fazer a partir disto, a dúvida é se ele se tornou um tirano por ficar preso longe da convivência social e dos pais ou se ele nasceu com esta índole.

Resolvem leva-lo de volta a torre, bolam um expediente que o sedam e o levam de volta, quando acorda seu servo que o criou diz a ele que havia apenas vivido um sonho, que não era príncipe, daí surge o título da peça.

A peça reflete a vida como um sonho cheia de ilusões.

O fato que mais adiante na narrativa o guarda e servo com pena do príncipe fala a ele a verdade, que ele de fato é príncipe, com ajuda do servo sai da torre, retoma seu posto de príncipe, e então percebe que com ajuda da guarda real poderia destronar o rei, no entanto ele volta atrás na ideia e decide não destronar o rei, diz a guarda: vamos deixar como estar e não vamos ferir as ordens políticas estabelecidas, em seguida ele decide levar a julgamento os guardas que queriam destronar o rei, e agiram contra o seu rei.

Segismundo o príncipe, adotando o princípio da realidade, e não apenas guiando-se pelo princípio do prazer e vingança, restabelece o equilíbrio (“Porque espero obter outras grandes vitórias, vou alcançar a mais custosa hoje: vencer-me a mim próprio”): reconcilia-se com o pai, casa Astolfo com Rosaura (e Clotaldo revela ser o pai dela) e ele pede a mão de Estrela.

Claramente o texto trata do respeito das ordens estabelecidas, fala de uma legitima revolta do povo contra o rei que poderia se tornar num tirano, a obra foi feita para as classes populares.

A peça é uma metáfora para reflexão do que se faz: “se vivemos a realidade ou sonho”

O autor busca no mundo diversos personagens, busca nas classes sociais, gênero, (Rei, Formosura, Discrição, Lavrador, Rico, Pobre, Criança, Mulher, Lei) participes para entrarem e saírem de cena da vida. Quando o papel de cada um na vida “acaba”, todos se igualam, para espanto do Rei. Assim, na metáfora do “grande teatro do mundo”, isto é, o rebaixamento da condição humana, seja rei ou plebeu, no final inexorável e natural da vida, todos se igualam pelo destino comum: a morte.

Personagens da peça:

BASÍLIO, Rei da Polônia

SEGISMUNDO, Príncipe

ASTOLFO, Duque de Moscou

CLOTALDO, Velho

CLARIM, gracioso (criado de Rosaura)

ESTRELA, Infanta

ROSAURA, Dama

Além de soldados, guardas, músicos, comitivas, criados e damas.

Cenário: Cenas na corte da Polônia, numa fortaleza pouco distante, e no campo.

Trechos da peça:

"Ai de mim, ai, pobre de mim! Aqui estou, ó Deus, para entender que crime cometi contra Vós.

Mas, se nasci, eu já entendo o crime que cometi.

Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor, porque o crime maior do homem é ter nascido.

Para apurar meus cuidados, só queria saber que outros crimes cometi contra Vós além do crime de nascer. Não nasceram outros também? Pois, se os outros nasceram, que privilégios tiveram que eu jamais gozei? Nasce uma ave e, embelezada por seus ricos enfeites, não passa de flor de plumas, ramalhete alado quando veloz cortando salões aéreos, recusa piedade ao ninho que abandona em paz. E eu, tendo mais instinto, tenho menos liberdade? Nasce uma fera e, com a pele respingada de belas manchas, que lembram estrelas.

Logo, atrevida e feroz, a necessidade humana lhe ensina a crueldade, monstro de seu labirinto.

E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?

Nasce um peixe, aborto de ovas e Iodo e, feito um barco de escamas sobre as ondas, ele gira, gira por toda parte, exibindo a imensa habilidade que lhe dá um coração frio.

E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?

Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores surge de repente e de repente, entre flores se esconde onde músico celebra a piedade das flores que lhe dão um campo aberto sua fuga. E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?

Assim, assim chegando a esta paixão, um vulcão qual o Etna quisera arrancar do peito, pedaços do coração.

Que lei, justiça ou razão pôde recusar aos homens privilégio tão suave, exceção tão única que Deus deu a um cristal, a um peixe, a uma fera e a uma ave?"

 

… o viver só é sonhar;

e a experiência me ensina

que o homem que vive, sonha

o que é, até despertar.

Sonha o rei que é rei, e vive

com este engano mandando,

dispondo e governando…

Sonha o rico com a sua riqueza,

que mais cuidados lhe oferece;

sonha o pobre que padece

sua miséria e sua pobreza…

e neste mundo, em conclusão,

todos sonham o que são,

mesmo que ninguém entenda…

O que é a vida? Um delírio.

O que é a vida? Uma ficção,

uma sombra, uma ilusão,

e o maior bem é pequeno;

que toda a vida é sonho,

e os sonhos, sonhos são.

 

Neste período de pandemia, período de afastamentos, distanciamentos, estamos como que vivendo numa torre, vivendo não um sonho, mas um pesadelo, viver o sonho será o dia seguinte da libertação deste pesadelo, quando entraremos no sonho de retornarmos a nossa convivência, não será a moda antiga, será de uma forma responsável e madura, o susto pregado na humanidade mostrou-nos que não sairemos, pois a práxis humana neste período se alterará completamente, neste momento em que estamos chegando ao final deste período de confinamentos estamos fazendo um questionamento geral ao que estava estabelecido pré-pandemia. Pode-se ficar cético, cínico, indiferente, mais dogmático, mas não ficaremos imunes, ao que se passou neste período, obrigatoriamente sairemos diferentes daqueles a priori.

No filme brasileiro “Tempos de Paz”, estrelado por Dan Stulbach, Tony Ramos e Daniel Filho. Fazem um show de interpretação traz o monologo de Segismundo: https://youtu.be/zkFF9VltBOc

Fonte:

Barca, Calderon de la. A vida é sonho. São Paulo-SP.  Ed. Hedra- 2008


segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Os problemas de Arthur Schopenhauer

Pobre Arthur Schopenhauer (1788-1860) filósofo alemão. Por mais que se esforce, ele não consegue se interessar realmente pelos costumeiros “problemas de filosofia”. A única coisa que ele consegue pensar é sexo. Por isso, ele tenta integrá-lo à sua filosofia. “Os órgãos sexuais são o foco da vontade”, rabisca ele no seu pergaminho, e acrescenta, um tanto acidentalmente, que o amor é simplesmente “a expressão da necessidade da espécie de se reproduzir”. E reflui assim que a função genética é cumprida.

Será que isso pode ser verdade?

Arthur observa isso e vê que é bom assim. Todavia, ele acha que ainda não abrange toda a sensibilidade e a sutileza do seu próprio caso e, então, modifica ligeiramente a sua teoria, a fim de permitir a pessoas como ele mesmo, Platão e todos os budistas, que sigam um caminho alternativo, em que seja possível transcender aquela ideia e simplesmente contemplar a realidade, sem empenho e sem sofrimento. “Companhia”, escreve ele, “é um fogo para que nos aqueçamos a distância”.

Uma vida de contemplação solitária é realmente melhor do que a companhia social – até mesmo o amor?

Vamos as respostas aos problemas de Arthur:

Esses dois problemas não são decorosos, e normalmente não são discutidos, claro. Filósofos não gostam de sexo. Afinal de contas, o sexo altamente irracional. Platão (em A Republica, Livro III, 403) fez Sócrates até perguntar a seu amigo Glauco, no seu costumeiro estilo retórico, se “amor tem algo a ver com frenesi ou qualquer forma de excesso”. A resposta de Glauco é, obrigatoriamente: “certamente não”, mas Sócrates, muito inusitadamente, continua a esmiuçar o assunto.

SÓCRATES: O amor verdadeiro não pode ter nenhum contato com esse prazer sexual, e pessoas que se amam, e cujo amor é verdadeiro, não devem ser indulgentes com tal prazer.

GLAUCO: Certamente não devem, Sócrates.

SÓCRATES: Por isso, suponho que tu hás de criar leis, para o Estado que estamos planejando, que permitam a quem ama estar na companhia de um amigo, beijá-lo e tocá-lo, se ele o permitir, como um pai faz com seu filho, e se seus motivos forem bons. Mas deves exigir que sua convivência com qualquer pessoa amiga nunca deixe surgir a menor suspeita de qualquer coisa além disso; senão, ele será considerado um homem de mau gosto e sem educação.

GLAUCO: É assim que deverei legislar.

Mas Arthur Schopenhauer, que realmente existiu, e realmente se chamava Arthur (um nome útil, até cosmopolita, para uma carreira no mundo dos negócios europeus), certamente tem razão. O impulso reprodutivo, seja simplesmente o sexual, seja o mais respeitável procriativo, é tão forte que se torna fundamental, e realmente os filósofos estarão sendo um pouco evasivos se continuarem a discutir a natureza da vida humana sem qualquer referência a ele. Platão valorizou pelo menos uma espécie de amor filial, o amor desde então sempre chamado de “platônico”. Infelizmente, a Igreja cristã ensinou uma versão bastante extremista dessa doutrina, durante a maioria dos séculos entre Sócrates e Schopenhauer, culminando nas atitudes mais bizarras e mais hipócritas com relação ao sexo (esse aspecto foi bem esclarecido pelo filósofo francês contemporâneo Michel Foucault).

Poderíamos dizer que Scopenhauer refletia simplesmente duas experiências infelizes. A primeira foi a de ter sido mandado para o internato em Winbledon, e a outra a de ter dado a sua primeira aula de filosofia na mesma hora que p célebre colega, o professor Hegel. Quase ninguém foi para a palestra de Schopenhauer, e ele ficou tão amargamente ressentido com isso que jurou não dar nunca mais uma aula pública. Portanto, pode ter sido somente uma questão de “uvas verdes”. Contudo, também de uvas verdes faz-se vinagre.

Schopenhauer era um cara pessimista. Pessimista porque no homem, a Vontade é o fundamento do querer viver, do sentimento de posse, do dominar, do afirmar-se: “A vida humana, pois, passa-se toda em querer e em adquirir”, então, se a base de tudo é a Vontade, a vida em si não possui um significado, uma finalidade, e a humanidade não se encaminha em um progresso contínuo, ele ainda entende que o homem não é um ser unificado e racional, que age conforme os interesses, mas um ser fragmentado e passional, que age influenciado por forças que fogem de seu controle, o sexo estaria dentre estar forças que na maioria das vezes fogem de seu controle, o homem possui um corpo com impulsos inconscientes, sendo o principal deles o impulso sexual.

Este é o foco da coisa-em-si do mundo, a Vontade, ímpeto cego desejante que jamais encontra uma satisfação final, logo corpo e sexualidade, assim, têm funções cruciais no pensamento schopenhauereano, no sentido de justificar a sua pretensão de uma metafísica imanente, que enraíza o investigador no mundo por meio das vicissitudes de sua sensibilidade e sentimento, dos quais emerge um tipo de conhecimento acerca do núcleo dos corpos do mundo em analogia com o corpo do investigador, que revela, no núcleo de sua subjetividade, aquilo denominado pelo termo vontade. Ora, nesse horizonte do corpo e da sexualidade como foco da coisa-em-si do mundo, entra em cena o amor.

As reflexões de Schopenhauer sobre o amor entre os sexos, sobre o impulso sexual, levam-no a colocar este como o primeiro motor da ação humana. O fim privilegiado do amor é a cópula. Quando esta não é consumada, há os seus desvios, as suas sublimações. No fundo, é o amor sexual que move a humanidade. Mesmo porque, ele é o “foco” da coisa-em-si, a Vontade. Com isso, o autor abre um horizonte de reflexão que aponta para o irracional como definidor das criaturas (humanas e animais), invertendo, assim, a tradição filosófica, que colocava na razão o princípio do mundo.

Schopenhauer aplica essa inversão de sua obra magna à teoria do amor, pois é exatamente a Vontade como coisa-em-si, “ímpeto cego” do organismo, que é aqui ativa. Ela exige ser obedecida, todo-poderosa que é, e o indivíduo apenas representa a sua natureza que quer viver, porém na espécie, e nesse sentido não chora a morte do indivíduo. Dessa perspectiva explicam-se as mortes de amor, os suicídios relacionados a tal sentimento, as brigas e duelos no mundo humano e animal, pois a espécie tem de triunfar e o indivíduo é um instrumento para a perpetuação dela. Espécie na qual ele, indiretamente, sobrevive.

Outra reflexão que pode ser feita é que o amor, no fundo, quando surge na consciência filosofante e o filósofo medita sobre ele, insere-se na compaixão. O amor move o indivíduo a unir-se com outro porque, como vimos, quer suprir as carências deste, daí a escolhas inconscientes relativas que complementam e equilibram, corrigem as escolhas absolutas. Ou seja, tem-aí um frágil equilíbrio entre espécie e indivíduo, do contrário este não realizaria os desígnios daquela.

O sexo é afirmação da vida, que é essencialmente sofrimento psicológico, mesmo ligado ao prazer, e o sofrimento no qual está falando não está se referindo ao sadismo, é um paradoxo de dicotomia, pois o sexo fica entre o prazer e o sofrimento. Este pessimista metafísico que é Schopenhauer, que não foi nenhum santo em termos de sexo, e teve lá as suas amantes, concluirá que felizes não são os que afirmam a Vontade, mas os que a negam, a começar pelo corpo nas imolações. Daí a imagem dos ascetas felizes, apesar da aparência contrária. Portanto, a filosofia do amor de Schopenhauer aponta que o culto a ele em moldes românticos é coisa de pessoas fracas, que sucumbem à espécie. Forte é o santo, que nega o sexo e seu resultado final, uma nova vida sofredora, retirando-se da existência, retirando-se do teatro do sofrimento da afirmação do querer. A satisfação do amor é paga com a dívida de uma possível criança que, sintomaticamente, nascerá chorando, e que assim assume a dívida dos seus criminosos, os pais. Daí o filósofo citar o poeta Calderon de la Barca: “o maior crime do homem é ter nascido”. A morte se encarrega de liquidar esta dívida, e de punir impiedosamente os criminosos, e é onde todos se igualam sejam reis ou plebeus, é na morte seu destino comum.

Fontes:

Cohen, Martin. 101 problemas de filosofia. Ed. Loyola. São Paulo-SP, 2005

SCHOPENHAUER, A. Metafísica do amor, metafísica da morte. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Artigos

Barboza, Jair. Teoria do amor sexual: uma reflexão em torno de Platão, Schopenhauer e Freud disponível em file:///C:/Users/ADAORO~1/AppData/Local/Temp/1162-1879-1-SM-1.pdf

domingo, 29 de agosto de 2021

Resenha do Livro Dom Casmurro de Machado de Assis

Um ótimo romance, já li três vezes este livro, e ainda não me convenci dos argumentos do protagonista, este é um dos melhores livros da literatura brasileira e mundial, romance psicológico de narrativa em linguagem culta, narrado na visão masculina, ambientado na segunda metade século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, segundo império, dividido em 148 capítulos curtos, com vivencia nas recentes mudanças sócio políticas em nosso pais, crise da monarquia, Abolição da escravatura, proclamação da república, a obra foi publicada em 1899, apenas a uma década da substituição da monarquia escravocrata pela republica.

É uma narrativa comum, carregada das características da fase realista de Machado de Assis, digressão, metalinguagem, ironia, intertextualidade, antirromantismo, objetividade; análise psicológica; crítica à burguesia; valorização do presente; fluxo de consciência; ausência de idealizações; racionalismo e crítica social, ele nascido em família abastada, religiosa e escravocrata, ela (Capitu) é de origem pobre, vizinha de Bentinho desde seus cinco anos de idade. Assis representa as categorias socais mais marginalizadas do Brasil da época: os pobres, as mulheres e a parte a violência do escravismo.

Breve resumo: Bentinho e Capitu são criados juntos e se apaixonam na adolescência. Mas a mãe dele, por força de uma promessa, decide enviá-lo ao seminário para que se torne padre. Lá o garoto conhece Escobar, de quem fica amigo íntimo. Algum tempo depois, tanto um como outro deixam a vida eclesiástica e se casam. Escobar com Sancha, e Bentinho com Capitu. Os dois casais vivem tranquilamente até a morte de Escobar, quando Bentinho começa a desconfiar da fidelidade de sua esposa e percebe a assombrosa semelhança do filho Ezequiel com o ex-companheiro de seminário.

Personagens do romance:

 

Bento Santiago ou Bentinho: narrador da história e protagonista.

Capitolina ou Capitu: esposa de Bentinho.

José Dias: um agregado da família de Bentinho.

D. Maria da Glória Fernandes Santiago ou D. Glória: mãe de Bentinho.

Tio Cosme: irmão de D. Glória.

Pádua: pai de Capitu.

D. Fortunata: esposa de Pádua e mãe de Capitu.

Prima Justina: prima de D. Glória.

Ezequiel de Sousa Escobar ou Escobar: melhor amigo de Bentinho.

Sancha: esposa de Escobar.

Ezequiel A. de Santiago ou Ezequiel: filho de Bentinho e Capitu.

Capituzinha: filha de Escobar e Sancha.

Este romance é narrado em primeira pessoa, por Bento Santiago, ou, como é narrado já no início do livro, Dom Casmurro, cujo nome por conveniência se tornou o título da obra:

 

“Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Também não achei melhor título para minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. ”

 

Narrativas em primeira pessoa partem do ponto de vista daquele que narra, neste caso do Bentinho o protagonista abastado, advogado, de cara ele admite que não tem boa memória, ele como advogado tem o habito do discurso do convencimento, obviamente tem seu teor jurídico, quando narra, já velho, a narração inicia em uma viagem num trem da Central, ele já era formado em direito. Então, provido de cacoetes da profissão, ciumento e possessivo que era, usa de artifícios para colocar em pauta sua insegurança e ciúme relacionados a sua amiga de infância e esposa, Capitu. Assim, desenvolve desde o início do livro, a pergunta que só iria fazer em sua última página, e na qual ronda os pensamentos de Dom Casmurro, se ele teria sido traído por Capitu.

 

“Como vês, Capitu, aos catorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos. ”

A história inicia nas lembranças de sua juventude no sitio de Matacavalos, centro da cidade do Rio de Janeiro, em 1857 Bentinho tinha quinze anos, seu amor nasceu em sua infância e nutre muitos ciúmes, ele descreve Capitu de olhos de cigana, obliqua e dissimulada, olhos misteriosos e muito esperta, astuta, observadora, isto é, tudo baseado na narrativa do bentinho, um homem triste e amargurado, ele pode ter omitido de maneira tendenciosa, ele se dizia ingênuo e ela desde cedo muito esperta. A obra traz em seu bojo também pontos para nossas reflexões acerca das transformações das relações de gênero e sexualidade na cultura brasileira do século XIX.

Capitu o amor de sua vida traiu ou não Bentinho com seu melhor amigo? Se ler atentamente, as pistas que Assis deixou ao longo do livro ajudam a desvendar a dúvida, pessoas ciumentas são teimosas, possessivas, opressoras, tem o outro como propriedade sua, um tipo de relacionamento de senhor e escravo, nada do que o outro diga ou faça é suficiente para resolver a questão intima, ele sim, escravo da dúvida e de sua insegurança, vive em seu mundo fantasiado, sua postura consegue interferir até em sua maneira de relacionar-se com seu filho, pois vê no filho traços que remetem ao amigo morto, no entanto, a dúvida tende a permanecer, ouvimos apenas um lado da história, portanto é parcial.

O ciúme de Bentinho é fundamental na obra de machado, não ao ponto de uma tragédia, mas Machado vai buscar inspiração na tragédia de William Shakespeare, na obra Otelo, através do personagem Otelo em seu amor e ciúme por Desdêmona, sua esposa. Desdêmona por ciúmes é estrangulada pelo marido, que acredita que ela tenha cometido o adultério com seu grande amigo, Cássio. Essa temática shakespeariana é refletida na obra Dom Casmurro, na desconfiança causada pelo ciúme do personagem Bentinho, que acredita que sua esposa Capitu cometeu o adultério com seu amigo, Escobar. Bentinho, após assistir à peça teatral “Otelo”, de Shakespeare, imagina-se no papel de Otelo e Capitu, o da personagem Desdêmona. As menções de Otelo em três capítulos fazem referência direta a obra de Shakespeare, demonstrando uma relação explícita de Otelo em Dom Casmurro, essa relação pode ser explicada pela teoria da intertextualidade, a partir da qual se observa o diálogo entre Dom Casmurro e Otelo, enriquecendo a história criada por Machado, demonstrando profundidade da obra numa rede de conexões.

A obra não se resume ao debate sobre o adultério, e obra repleta de nuances dando um panorama critico de uma sociedade de aparência, envia Capitu e o filho para viverem na Suíça, de maneira a manter as aparências de um casamento, que não existia mais.

Assis apresenta a mulher contrariando a imagem da mulher naquela época numa sociedade totalmente patriarcal, apresenta a personagem Capitu uma mulher de muita força e domínio psicológicos, em vários momentos ele ressalta sua inteligência e esperteza:

Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem”

 

“Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não?”

Ao iniciarmos o livro, somos apresentados por Bento a sua mãe e viúva, Dona Glória; e a sua promessa de tornar seu filho um padre, a qual mais tarde, a promessa é levada a sério, leva o narrador protagonista a frequentar o seminário, deixando para trás uma paixão recém aflorada pela amiga Capitu, que jura esperar pela sua saída para se casarem. No seminário conhece Escobar (desde então seu melhor amigo), ambos conseguem livrar-se do seminário e seguem suas vidas por caminhos diferentes. Entretanto, existem também diversos outros personagens que já no início nos são apresentados, e se tornam importantes para desenvolver o pensamento de nosso narrador no momento em que ele escreveria o livro. Um deles é José Dias, que descreve os olhos de Capitu como sendo de “cigana oblíqua e dissimulada”, característica que vemos citada por Bento em outros momentos ao decorrer da trama.

Este relato é um relato de ciúme devido a sua insegurança e de ressentimento em relação ao passado, neste viés temos a suposta traição de Capitu e a negação da paternidade devido a ser fruto de um relacionamento com outro, ao revolver o passado, ele expressa sua falta de plenitude, sentimento de abandono e solidão, estes seriam exemplos dos motivos condutores do pessimismo de Bento e de seu niilismo, a filosofia schopenhauereana está presente na construção deste e de outros romances no pensamento de Assis.

A obra polêmica bem conhecida, leitura obrigatória para vestibular, já foi adaptada para o cinema, teatro e TV, mas é lendo que você tem acesso a história crua e pode tirar suas próprias conclusões, traiu ou não é fruto dessa insegurança do personagem que mesmo apresentando os fatos do seu ponto de vista não conseguiu me convencer, e será que se convenceu alguém, esse alguém não passa pelos mesmos perrengues e vê na narrativa um pouco de seus fantasmas? Se sim, é melhor buscar ajuda psicológica.

A “chave” da traição de Capitu

O jornal “O Globo” publicou uma breve resenha do livro “Código Machado de Assis — Migalhas Jurídicas” (Editora Migalhas, 592 páginas), do advogado Miguel Matos. O título do texto é “Capitu traiu? Advogado encontra prova jurídica em capítulo de ‘Dom Casmurro”. SERÁ?

Primeiro, Miguel Matos é corajoso ao desafiar a crítica mais categorizada e se mostrar como dono de um código que decifra Machado de Assis e, por extensão, seu romance. Segundo, afirma que encontrou a “prova cabal” da traição de Capitu (frise-se que poucos apontam a “traição” de Escobar, que era amigo do supostamente “traído”). Há uma “senha jurídica” que, sim, “demonstra” o adultério.

O registro de “O Globo, citando Machado de Assis, Bentinho e Miguel Matos: “Certa noite, Bentinho, ele próprio um advogado, vai ao teatro sem Capitu e, ao voltar antes do fim do primeiro ato, encontra Escobar à porta do corredor de sua casa. É uma situação de quase flagrante, que só piora o álibi: o amigo diz que passara por lá para tratar de uma ‘questão de embargos’. Só que, quanto mais Escobar explica o assunto, mais o leitor dotado de um mínimo conhecimento jurídico percebe que o incidente não é importante, observa Matos. Além do mais, Escobar era um veterano negociante, com experiência suficiente para saber disso. Em tempos pré-WhatsApp, ele nunca bateria tarde da noite na casa de alguém se o motivo não fosse relevante. Porém, o mais importante aparece logo no título deste mesmo capítulo. Machado o nomeou ‘Embargos de terceiro’ — uma terminologia jurídica que o autor já havia utilizado no romance ‘A Mão e a Luva’. ‘Machado usa muitas metáforas jurídicas em sua obra’, diz Matos. Em ‘Dom Casmurro’, o termo ‘embargos de terceiro’ é uma metáfora para disputa pela posse. No caso, a ‘posse’ de Capitu. O mesmo aparece em ‘A Mão e Luva’ para falar sobre uma pessoa que quer conquistar a outra. Machado não iria fazer essa associação à toa”.

A argumentação de Miguel Matos certamente será levada em consideração pelos críticos e biógrafos de Machado de Assis. Entretanto, a grande jogada, leitor, é deixar o romance como obra aberta — porque o must do livro de Machado é a incerteza, não a certeza ou certezas. Ao dizer isto não estou sugerindo que os críticos não devam “avançar” nas interpretações, acrescendo novas informações, o que a obra do escritor sempre permite, dadas sua agudeza e sua amplitude. Mas talvez não se deva “forçar” a obra a dizer o que nos convém — aquilo que queremos perceber. Às vezes, a “grande sacada” pode não figurar no romance, mesmo em suas entrelinhas, e sim naquilo que, antes de examinar o fato, já pensamos dele.

 

SERÁ? Prefiro o livro aberto ao pensamento e as hipóteses, a beleza da obra está na dúvida que funciona como um organismo vivo alimentado pela dúvida da infidelidade e até da opção sexual de Bentinho, a história é cativante! Vale a pena ler mais de uma vez, aliás, vale a pena ler mais de uma vez qualquer obra do gênio Machado de Assis!

Fontes:

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 30ª. ed. São Paulo: Ática, 1996.

https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/advogado-diz-que-encontrou-o-codigo-que-prova-que-capitu-traiu-bentinho-352223/

Fonte:

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 30ª. ed. São Paulo: Ática, 1996.