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sábado, 26 de março de 2022

Rainer Maria Rilke, Alguns Poemas

 

 


Rainer Maria Rilke, Quem é?

Rainer Maria Rilke (1875-1926), poeta nascido em Praga, é um dos autores de língua alemã mais conhecidos no Brasil. Suas obras, que tiveram grande influência sobre mais de uma geração de poetas, vêm sendo publicadas há várias décadas e sempre despertaram muito interesse. Existem, por exemplo, traduções excelentes de textos seus feitos por alguns dos maiores nomes da poesia brasileira, como a versão de Manuel Bandeira para “Torso arcaico de Apolo”, ou de Cecília Meireles para “A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke”, ou as várias versões feitas por Augusto de Campos, que em 1994 publicou uma coletânea de vinte poemas de Rilke e, em 2001, um novo livro no qual acrescentou mais quarenta poemas traduzidos.

(https://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805135&SecaoID=0&SubsecaoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=817463)

 

Amo as horas nocturnas

 

Amo as horas nocturnas do meu ser

Em que se me aprofundam os sentidos;

Nelas fui eu achar, como em cartas velhíssimas,

Já vivida a vida dos meus dias

e como lenda longínqua e superada.

 

Delas eu aprendi que tenho espaço

Para uma segunda vida, vasta e sem tempo.

 

E por vezes me sinto como a arvore

que, madura e rumorosa, sobre uma campa

realiza o sonho que o menino foi

(em volta do qual apertam suas raízes quentes)

e perdeu em tristezas e canções.

 

(In = Poemas as Elegias de Duíno Sonetos a Orfeu=,

Tradução de Paulo Quintela, Edições Asa, 2001)

 

 

Cair da noite

 

Cai a noite a mudar devagar os vestidos

que uma franja de arvores velhas lhe segura;

olhas: e separam-se de ti as terras:

uma que vai para o céu, outra que cai;

 

e deixam-te sem pertences de todo a qualquer delas,

não tão escuro como a casa silenciosa,

não tão seguro a evocar o eterno

como a que cada noite se faz estrela e sobe;

 

e deixam-te (indizível de desenredar!)

a tua vida, angustiada, gigantesca, a amadurar,

tal que, ora limitada ora compreensiva,

alterna em ti – ou pedra ou astro.

 

 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Rilke num romance único: Prosa, Poesia e Filosofia

 


Rainer Maria Rilke foi um poeta de língua alemã do século XX mais conhecido no Brasil, é um poeta que exerceu forte influência sobre diversos autores e, inclusive, filósofos como Jean-Paul Sartre. O único romance escrito pelo poeta são “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, são reconhecidos por muitos como uma das inspirações para o movimento existencialista e expressionista.

Para quem leu Nietzsche sabe o quanto ele influenciou a obra de Rilke, inclusive eles tiveram uma mesma musa como amor em suas vidas: Lou Salomé, uma jovem mulher com pensamentos de vanguarda, uma mulher que viveu sua vida com extrema liberdade, além do que era comum na época; ela foi um ícone para a mulher livre do século XX; ela também conheceu Freud e imediatamente se viciou em psicanálise; através destes relacionamentos ela se tornou psicanalista e seu pensamento combinou psicanálise freudiana com a filosofia de Nietzsche, mas aqui já é outra história.

O livro é uma mistura heterogênea de prosa, poesia, filosofia, com conteúdo denso, para quem já leu algo de Sartre como A náusea terá maior desenvoltura na leitura. Sua escrita parece fluir dentro de um fluxo mental, discorrendo diálogos com os personagens sem prévia apresentação dos mesmos, pois a construção tem sua força nas reflexões filosóficas complexas tais como: a busca pela sua individualidade, o que é a vida, a morte, a capacidade de enxergar seus sofrimentos e angustias – contem também metáforas instigantes.

O livro é um romance autobiográfico, escrito num período que ele viveu na bela Paris, descreve cenas com beleza e sensibilidade de um poeta, vale a pena, é um livro curto, porem sua densidade nos exige uma leitura atenta. Ele deixa claro sua paixão pela leitura e escrita, não tem como não ficar impressionado com a apologia pela escrita.

Trechos do livro:

"[...] não temos o direito de abrir um livro se não nos comprometemos a ler todos. A cada linha tirávamos um pedaço do mundo. Antes dos livros ele estava intacto, e talvez esteja inteiro outra vez depois deles.

– Na vida não há classes para iniciantes; o que se exige de uma pessoa logo é sempre o mais difícil.

Quando se fala do solitário, sempre se pressupõe demais. Acredita-se que as pessoas saibam do que se trata. Não, não sabem. Nunca viram um solitário, apenas o odiaram sem conhecê-lo. Elas foram os vizinhos que o irritaram e as vozes no quarto ao lado que o tentaram. Açularam os objetos contra ele para que fizessem barulho e falassem mais alto que ele. As crianças se aliaram contra ele quando era delicado e criança e, à medida que crescia, crescia contra os adultos. Farejaram-no em seu esconderijo como se ele fosse um animal que pode ser caçado, e durante sua longa juventude não houve período em que a caça fosse proibida. E quando não se deixava esgotar e fugia, elas gritavam contra aquilo que provinha dele e diziam que era feio e suspeito. E se não dava ouvidos, elas se tornavam mais claras e comiam sua comida, esgotavam seu ar, cuspiam na sua pobreza para que se tornasse repulsiva para ele. Elas o difamavam como a um ser contagioso e atiravam pedras atrás dele para que se afastasse mais depressa. E o velho instinto delas tinha razão: pois ele era realmente seu inimigo. Quando, porém, ele não levantava os olhos, elas refletiam. Suspeitavam que faziam a sua vontade ao fazer tudo aquilo; que o fortaleciam em sua solidão e o ajudavam a separar-se delas para sempre. E então mudavam de atitude e empregavam o último recurso, o mais extremo, a outra resistência: a fama. E com um barulho desses, quase qualquer pessoa levanta os olhos e se distrai.

Rilke é o mesmo autor de Cartas a Um Jovem Poeta, um livro pequeno muito interessante, também vale a pena ler.

Fonte:

Rilke, Rainer Maria, 1875-1926. Os cadernos de Malte Laurids Brigge; tradução e notas de Renato Zwick – Porto Alegre, RS: L&PM, 2010 208p