Há algo profundamente enigmático na ideia de ser sancionado pelo tempo. O tempo não é uma entidade visível, não o tocamos nem o vemos, mas ele se manifesta em todas as coisas, marcando o que permanece, o que se desgasta e o que se transforma. Ser sancionado pelo tempo sugere um julgamento silencioso, como se as coisas, os valores e as ações precisassem passar pela prova invisível da duração para conquistar seu significado ou validar sua existência.
Imagine um banco de madeira em uma praça antiga.
Ele carrega as marcas de incontáveis momentos: casais que ali se encontraram,
crianças que brincaram ao redor, folhas secas do outono que caíram sobre ele. O
banco, corroído pelo tempo, é mais que um objeto funcional; tornou-se
testemunha de histórias. Por outro lado, uma cadeira moderna, recém-saída de
uma loja, parece ainda desprovida de identidade. O tempo não a sancionou, ainda
não a gravou com os vestígios de relevância.
O Tempo como Testemunha
O filósofo alemão Walter Benjamin descreveu o
"aura" das coisas, um brilho intangível que emerge de sua história
única. Ser sancionado pelo tempo é adquirir essa aura, tornar-se parte de uma
narrativa que transcende o imediato. Não se trata apenas de envelhecer, mas de
resistir ao desgaste, de ser transformado sem ser apagado.
Na vida cotidiana, também somos sancionados pelo
tempo em nossas relações e escolhas. Amizades que atravessam décadas parecem
mais sólidas porque sobreviveram a tempestades. Ideias que persistem nos livros
e nas mentes se tornam pilares culturais, sancionadas pelo tempo como verdades
duradouras.
A Fragilidade da Modernidade
Vivemos, no entanto, numa era onde o tempo parece
comprimido. O novo é exaltado, e o que é descartável domina o cotidiano. Uma
roupa da moda, um celular de última geração, uma série de streaming — tudo
parece nascer com uma data de expiração intrínseca. O que não resiste ao tempo
permanece na periferia do significado, apagando-se antes de ser sancionado.
Nesse sentido, o filósofo brasileiro Mário Ferreira
dos Santos poderia sugerir que o tempo, ao sancionar, confere uma essência às
coisas. O descartável, o passageiro, talvez careça de essência por não se
submeter a essa prova. Como ele mesmo defendia em suas reflexões sobre a
"filosofia concreta," aquilo que permanece é o que verdadeiramente
participa da realidade.
Ser sancionado pelo tempo não é meramente
sobreviver a ele; é encontrar um significado que resista à erosão do instante.
Isso vale para objetos, ideias, relações e até para nós mesmos. Assim como o
banco da praça, somos moldados pelo que suportamos, pelas histórias que
acumulamos e pelo valor que conferimos ao que permanece.
E talvez essa seja a lição mais profunda: aquilo
que o tempo sanciona não é apenas o que resiste, mas o que nos ensina a
respeitar a duração, a memória e a persistência. Ao contemplarmos o que o tempo
preserva, talvez descubramos não apenas o que importa, mas também quem somos.