Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador Tempo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Tempo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Ser e Tempo

Não é sempre que a gente se pergunta “o que é o ser?”, e talvez por isso mesmo seja uma pergunta tão esquecida. Martin Heidegger, em sua obra Ser e Tempo (Sein und Zeit, 1927), faz justamente isso: resgata essa pergunta esquecida que está, no fundo, por trás de todas as outras. Não é "o que são as coisas", mas o que é o próprio ser das coisas — e principalmente o nosso.

Mas calma, não precisa já puxar o dicionário de filosofia. Vamos sentar, tomar um cafezinho e ver como isso aparece na nossa vida comum.

1. Dasein: o ser que se pergunta sobre o ser

Heidegger não usa "ser humano". Ele prefere a palavra Dasein, que em alemão quer dizer algo como “ser-aí” — o ser que está lançado no mundo e que tem consciência da própria existência.

Um exemplo simples: você está na fila do supermercado, olhando para o teto, e do nada te vem a pergunta: “O que eu tô fazendo com a minha vida?”

Esse momento de desconforto, em que o mundo perde um pouco do automático, é o Dasein sentindo que há algo mais fundamental em jogo. Não é só pagar as compras — é perceber que se está existindo.

2. Ser-no-mundo: não somos coisas isoladas

Para Heidegger, a gente nunca é um ser fechado em si. A gente é ser-no-mundo: sempre em relação com outras pessoas, objetos, tarefas. Você não é você sozinho, mas você com seu celular, com seu trabalho, com seus afetos, com o alarme que tocou hoje cedo.

Por exemplo: um marceneiro não vê um martelo como um objeto teórico, mas como uma extensão do seu fazer. É assim que vivemos o mundo — em uso, em relação, em prática. Só quando algo quebra (como o Wi-Fi que cai no meio da reunião) é que percebemos que estávamos fluindo com as coisas.

3. A queda no cotidiano e o impessoal

No cotidiano, a gente vive no "se":

"Se faz assim."

"Se trabalha demais."

"Se casa antes dos trinta."

É o que Heidegger chama de queda no impessoal. A gente vive como “todo mundo vive”, sem se perguntar se aquilo faz sentido para a gente.

É como entrar no ônibus errado porque todo mundo estava entrando — e depois perceber que você nem sabia pra onde queria ir.

4. Angústia e autenticidade

Quando tudo vai bem, vivemos como se a vida fosse eterna. Mas às vezes, bate a angústia — não medo de algo específico, mas aquela sensação de que tudo perdeu o sentido. É como se a vida mostrasse: “Ei, você vai morrer. E só você pode viver a sua vida.”

Essa angústia, segundo Heidegger, pode ser um presente: ela revela a possibilidade de viver de forma autêntica, ou seja, assumindo o próprio destino, e não só seguindo o fluxo do “se”.

5. Ser-para-a-morte: a finitude como chave

A gente vive fingindo que a morte é dos outros. Mas Heidegger insiste: somos seres-para-a-morte. Isso não é pessimismo — é clareza.

Saber que vamos morrer dá peso e liberdade às escolhas. A vida não é um ensaio. Cada manhã é um palco real.

Exemplo? Aquela conversa que você não teve, aquele curso que você adiou, aquele perdão que nunca deu. Tudo isso se torna mais urgente quando você lembra que o tempo escorre.

Vamos Finalizando com o cafezinho e a conversa: não é sobre saber mais, mas sobre ser melhor

Ser e Tempo não quer te dar respostas, mas te provocar. Heidegger não ensina fórmulas de sucesso, mas mostra que viver exige coragem para perguntar o que se é — e o que se quer ser.

E talvez, só talvez, ao fazer isso, a gente aprenda a viver de um modo mais verdadeiro. Nem que seja começando pelo café de amanhã — tomado não por hábito, mas por escolha.


sexta-feira, 2 de maio de 2025

Portais Sutis

 


Lugares onde o tempo dobra devagar

Neste feriado de primeiro de maio passeamos no Vale dos Vinhedos em Bento Gonçalves e experenciamos uma viagem a portais sutis presentes em cada visada naquelas belíssimas paisagens. Tem lugares que não se explicam, só se sentem. Pode ser a sala da avó com cheiro de bolo e móveis antigos, um corredor mal iluminado onde o silêncio parece suspenso, ou aquele trecho de estrada cercado por árvores que sempre faz a gente respirar mais fundo. A gente passa, e algo muda — como se o tempo ficasse líquido e a alma mais leve. Não há placa, não há senha, mas quem já passou por um desses sabe: são portais sutis.

Não falo aqui de buracos de minhoca nem de ficção científica (apesar de adorar). Falo de momentos e lugares em que o cotidiano escorrega, e a realidade parece... porosa. Como se uma fresta abrisse na parede da rotina, deixando escapar outro tipo de percepção — um convite ao invisível.

O tempo se dobra no ordinário

Você já teve a sensação de estar fora do tempo? Em geral, isso acontece quando estamos profundamente presentes — algo raro. Pode ser olhando o mar, escutando alguém que fala com a alma ou até lavando a louça com uma música boa no fundo. De repente, o relógio perde a importância, e entra-se num outro tipo de tempo, mais interno, quase sagrado.

O filósofo francês Henri Bergson dizia que existe um tempo mensurável (cronológico), mas também existe um tempo vivido — a duração, onde o passado e o presente se misturam e criam qualidade, não quantidade. Os portais sutis seriam então pequenas brechas onde a duração se impõe: momentos em que o tempo não é medido, mas sentido.

O lugar como espelho de dentro

Alguns lugares têm uma energia estranha. Não necessariamente boa ou ruim — densa, diferente, cheia de memória. Pode ser um templo, um jardim abandonado, uma sala de aula vazia. A psicologia junguiana diria que esses lugares são ativadores de arquétipos, símbolos que dormem na nossa psique e despertam ao menor toque. A mística antiga chamaria de lugares de poder. Mas mesmo quem nunca ouviu falar em Jung ou xamanismo percebe: há lugares onde o invisível encosta.

A arquitetura, o cheiro, a luz filtrada por uma janela em ângulo esquisito — tudo colabora para criar uma espécie de dobra entre o mundo interno e o externo. Nesses lugares, ficamos mais sensíveis, mais conectados, às vezes até mais vulneráveis. São portais que não se atravessam com os pés, mas com a alma.

O invisível na rotina: é preciso perceber

Portais sutis não precisam ser místicos nem distantes. Eles podem estar no banco do ônibus onde você se emociona com uma música, no banheiro do escritório onde você respira fundo e se reencontra por um segundo, ou naquele instante em que uma criança te olha e você sente que ela te viu de verdade. São como notas dissonantes no acorde da realidade: pequenas pausas que despertam algo que estava adormecido.

O problema é que vivemos correndo. E portais sutis são delicados. Eles não se abrem com força — eles se revelam no silêncio, na pausa, no vazio. É preciso cultivar uma escuta fina, quase meditativa, para notar quando o mundo te chama para dentro dele com mais gentileza do que barulho.

Como reconhecer um portal?

Talvez não seja algo que se possa buscar. Mas pode-se estar disponível. A sensibilidade é o que detecta o que a lógica ignora. O filósofo Gaston Bachelard falava da "poética do espaço": como a casa, o canto, o armário ou a escada podem carregar uma dimensão existencial e simbólica que nos transforma. Talvez, cada pessoa tenha seus próprios portais favoritos — lugares onde se reencontra com o que é essencial, sem esforço, sem teoria, só estando.

Atravessar ou ficar?

Às vezes, passar por um desses portais muda o dia. Às vezes, muda a vida. Um encontro que parecia pequeno. Uma frase ouvida ao acaso. Um café tomado devagar num lugar qualquer. O mundo parece igual depois, mas algo dentro mudou de lugar. É como se o mundo tivesse te sussurrado algo — e você tivesse ouvido.

Epílogo com um sussurro filosófico

“O essencial é invisível aos olhos.”

Antoine de Saint-Exupéry

Talvez os portais sutis estejam por toda parte. Não para nos levar a outro mundo, mas para nos lembrar que este mundo tem muitas camadas. E que às vezes, sem aviso, uma delas se abre — só para dizer: "Ei, você ainda está vivo. Sinta."

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Em hibernação

 

Hoje acordei com aquela sensação de não ter acordado. O corpo já estava de pé, o café já estava feito, os compromissos chamavam pelo nome, mas alguma parte de mim permanecia deitada — num lugar sem tempo, onde nada acontece e tudo apenas espera. Foi aí que me ocorreu: será que a alma também hiberna?

Hibernar não é dormir. É algo mais profundo, mais existencial. É como se uma parte da vida entrasse em modo de espera, enquanto o resto continua fingindo movimento. Vemos isso em animais — ursos, sapos, marmotas — que se enterram no silêncio frio para economizar energia e atravessar o inverno. Mas e nós? O que fazemos quando o inverno não está do lado de fora, mas dentro da gente?

Em muitos momentos da vida, entramos num tipo de hibernação psíquica. Quando perdemos alguém, quando o mundo pesa demais, quando o entusiasmo que nos movia parece ter sumido por motivos que nem conseguimos nomear. Continuamos indo ao trabalho, postando nas redes, respondendo mensagens — mas algo essencial entrou em pausa. A filosofia tradicional chamaria isso de acídia, os existencialistas talvez falassem em angústia. Mas talvez seja mais simples (e mais honesto) admitir: estamos apenas hibernando.

O filósofo romeno Emil Cioran, mestre em sentir a paralisia do espírito, escreveu que “o fato de existir é uma indiscrição imperdoável”. Ele percebia o fardo de estar acordado demais, consciente demais. Talvez hibernar seja, então, uma forma de proteção contra esse excesso — um jeito de salvar algo em nós do desgaste permanente do estar no mundo.

Mas o curioso da hibernação é que ela não é um fim. É uma suspensão, sim, mas que guarda em si a possibilidade do retorno. A semente que não germinou no outono não está morta. Está esperando o momento certo. E talvez essa seja a sabedoria secreta de hibernar: entender que parar não é fracassar, que se recolher não é se render.

Hoje, mais do que nunca, somos pressionados a estar sempre ativos, sempre visíveis, sempre produtivos. Hibernar vira quase um pecado capital. Mas talvez seja uma forma de resistência. De cuidado. De escuta interior. Quando tudo diz “acelere”, hibernar pode ser uma maneira de ouvir o que ainda não está pronto para ser dito.

Então, se você sentir que está num tempo estranho, em que nada floresce e tudo parece em suspensão, não se desespere. Não tente forçar o desabrochar. Pode ser que seu inverno seja justamente o tempo mais precioso — aquele em que a alma se refaz, em silêncio, preparando-se para um novo ciclo.

Talvez hibernar seja, no fim, uma das formas mais elegantes de sabedoria: saber quando parar, confiar no invisível, e permitir que a vida nos transforme no escuro.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Momento a Momento

“Meu ensaio de hoje é sobre o tempo que não se acumula, mas quando olho para ampulheta, penso que aquele montinho de areia em cima é o tempo acumulado que ainda tenho para viver e na parte de baixo é o meu tempo que já passou"

Outro dia, parado num ponto de ônibus com o celular sem bateria e nenhuma alma por perto, percebi algo curioso: o tempo não faz barulho. Ele passa, silencioso, como um gato preguiçoso atravessando a sala. E nesse silêncio, comecei a pensar sobre esse tal de “momento a momento” — uma expressão que parece óbvia, mas talvez esconda um universo inteiro atrás de sua simplicidade.

A gente vive como se a vida fosse uma escada rolante, e cada degrau fosse um momento nos levando a algum lugar importante. Mas será que é assim mesmo? E se, na verdade, não houvesse escada, nem direção, nem meta? Só o passo de agora, seguido por outro passo de agora, e outro. Sem acúmulo. Sem saldo no banco do tempo.

A ilusão da continuidade

Desde pequenos, nos ensinam a pensar no tempo como uma linha: começo, meio e fim. Aniversário de um ano, formatura, casamento, aposentadoria. Tudo tão organizadinho como capítulos de uma série. Mas viver momento a momento é reconhecer que essa linearidade é mais uma invenção nossa do que uma estrutura real.

O filósofo francês Henri Bergson já dizia que o tempo vivido, o durée, não é o mesmo tempo dos relógios. O tempo da experiência é feito de fluxo, de intensidade, não de minutos. Quando estamos apaixonados, uma hora passa voando. Na fila do banco, dez minutos parecem uma eternidade. Viver momento a momento é estar nesse tempo interior, não no tempo do calendário.

O peso que não precisa ser carregado

Quando vivemos pensando no passado ou no que pode acontecer daqui a cinco anos, acumulamos peso. Cada escolha vira um fantasma ou uma dívida. Mas o instante presente não exige justificativa. Ele simplesmente é.

É como o voo de um pássaro: ele não pensa no próximo galho, ele voa. Pensar demais em para onde estamos indo faz com que a gente esqueça que já estamos indo, já estamos no meio do caminho, e o agora — esse agora em que você está lendo essa linha — já está acontecendo. E já passou. E já virou outro.

A prática do instante

Na vida real, isso aparece nas pequenas coisas. Quando alguém te pergunta "tá tudo bem?" e você, por um segundo, realmente para para pensar se está. Ou quando você olha para um cachorro atravessando a rua e percebe que ele está ali, sem passado nem futuro, só farejando o momento.

A filosofia oriental, especialmente nas tradições zen, insiste muito nisso: o agora é tudo o que existe. O monge Thich Nhat Hanh dizia que “o milagre não é caminhar sobre as águas, mas caminhar sobre a Terra no momento presente”. A maioria de nós está sempre meio fora de si, pensando no que ainda não chegou ou no que já foi. O desafio é ancorar-se no instante.

O momento como território

Se o momento é tudo o que há, então ele é também um lugar. Um território que precisa ser explorado com olhos novos. Há paisagens inteiras no silêncio de um café, na respiração de alguém adormecido ao nosso lado, no cheiro da chuva quando ela começa a cair.

Viver momento a momento não é esquecer o passado nem ignorar o futuro. É dar ao agora a dignidade que ele merece. É permitir-se não saber para onde vai, mas seguir com atenção, com presença, com espanto.

Talvez o segredo da vida não esteja em grandes planos nem em marcos épicos, mas na coragem de estar inteiro no agora. O agora que não volta, que não se repete, que nem sempre brilha — mas que é real. Momento a momento, vamos esculpindo a única coisa que realmente temos: a nossa presença no tempo que não se acumula.

E se o ônibus não vier, tudo bem. Enquanto isso, o tempo segue passando, silencioso, e talvez seja esse o som mais profundo que existe.


quarta-feira, 26 de março de 2025

Parar o Tempo

Outro dia, olhando para o relógio, me peguei naquele pensamento meio tolo, meio profundo: e se eu pudesse parar o tempo? Não no sentido dramático de um filme de ficção científica, onde tudo congela enquanto eu caminho soberano entre figuras estáticas. Mas no sentido real: deter o fluxo que me arrasta, interromper a marcha silenciosa que transforma agora em ontem e futuro em passado.

A ideia de parar o tempo é quase um reflexo de nossa angústia existencial. Queremos segurar os instantes de felicidade, prolongar a juventude, esticar os momentos em que nos sentimos vivos. Mas também queremos parar o tempo quando estamos diante da dor, quando precisamos de um intervalo entre um golpe e outro da vida.

Filosoficamente, o tempo sempre foi um enigma. Santo Agostinho já dizia: "Se ninguém me pergunta o que é o tempo, eu sei; mas se me perguntam e tento explicar, já não sei mais." Ele parece óbvio na experiência, mas escapa na tentativa de definição. Bergson o diferenciava entre o tempo da ciência, que mede, e o tempo da consciência, que flui. O primeiro é externo e objetivo; o segundo, interno e subjetivo. E é justamente nesse segundo tempo que talvez possamos encontrar a resposta para a nossa busca de pausa.

No entanto, o desejo de parar o tempo pode ser ilusório, pois ele é a própria substância da vida. Como apontou McTaggart, em sua teoria sobre a irrealidade do tempo, a percepção temporal pode ser uma construção da mente, uma forma de organizar eventos em sequência. Se o tempo é uma ilusão, então o que chamamos de "parar" pode ser apenas uma mudança na forma como o experienciamos. Isso explicaria por que momentos de grande intensidade emocional parecem se alongar, enquanto a rotina diária escorre velozmente pelos dias.

Nietzsche, por sua vez, propôs uma maneira radical de encarar o tempo com sua ideia do eterno retorno. Se cada momento da vida estivesse fadado a se repetir infinitamente, como reagiríamos? Fugiríamos do tempo, ansiando por sua interrupção, ou aprenderíamos a abraçá-lo, desejando que cada instante fosse digno de ser vivido eternamente? Para Nietzsche, parar o tempo seria uma ilusão própria dos fracos; o verdadeiro desafio seria vivê-lo de tal maneira que pudéssemos desejar sua repetição eterna sem arrependimentos.

Na contemporaneidade, a tecnologia nos oferece novas perspectivas sobre parar o tempo. O conceito de slow living, por exemplo, propõe uma desaceleração intencional da vida em resposta à cultura da hiperprodutividade. Carl Honoré, em In Praise of Slow, argumenta que parar o tempo não é um ato literal, mas sim uma escolha consciente de vivenciar cada momento sem a pressa imposta pelo ritmo frenético da modernidade. Redes sociais, notificações constantes e a pressão por eficiência fazem o tempo parecer escapar mais rápido. O verdadeiro desafio contemporâneo não é parar o tempo fisicamente, mas sim resgatar a profundidade da experiência cotidiana, aprendendo a saborear o presente sem ansiedade pelo próximo instante.

Se parar o tempo significa interromper sua contagem, é impossível. Mas se significa vivê-lo de maneira plena, absorver cada instante sem deixá-lo escapar por entre os dedos, então talvez seja viável. Os místicos fazem isso na contemplação. Os amantes, no abraço que suspende o mundo ao redor. O artista, no instante em que a inspiração o arrebata.

N. Sri Ram dizia que o tempo não é um inimigo, mas uma dimensão da experiência. Ele pode ser sentido de forma diferente dependendo de como nos relacionamos com ele. Quando nos prendemos ao passado ou nos angustiamos com o futuro, ele nos escraviza. Quando vivemos intensamente o presente, ele parece se dilatar.

Talvez, então, parar o tempo não seja uma questão de detê-lo, mas de mergulhar nele. Não tentar segurá-lo com força, mas flutuar em sua corrente com leveza. No final, parar o tempo pode ser menos sobre segurá-lo e mais sobre aprender a estar nele sem pressa.


sábado, 11 de janeiro de 2025

Confinada Infinitude

Há um paradoxo fascinante na ideia de "confinada infinitude": algo vasto, ilimitado e eterno sendo contido dentro de fronteiras, sejam elas físicas, mentais ou emocionais. Esse tema nos conduz a reflexões profundas sobre a condição humana, pois vivemos como seres infinitos em potencial, mas confinados pelas limitações do corpo, do tempo e da cultura.

Pensemos no céu noturno, um vasto campo de estrelas que parece se estender para sempre. No entanto, ao olhá-lo através da janela, vemos apenas uma moldura limitada por paredes, prédios e horizontes. Essa é a metáfora perfeita para a existência humana: carregamos dentro de nós o desejo de transcendência, de tocar o eterno, mas estamos restritos ao espaço e ao momento em que nos encontramos.

O Paradoxo da Consciência

Jean-Paul Sartre dizia que a consciência é liberdade, mas também um fardo. Somos capazes de imaginar infinitas possibilidades, mas constantemente nos deparamos com os limites impostos pela nossa situação concreta. Quero viajar pelo mundo inteiro, mas estou preso ao emprego, às contas e às minhas próprias inseguranças. Quero escrever um livro que transcenda eras, mas sou escravo do tempo e da mortalidade.

Essa dualidade é refletida no mito de Sísifo, tão bem explorado por Albert Camus. Sísifo, condenado a empurrar uma pedra eternamente, é a imagem da infinitude confinada. O esforço repetitivo, porém, não nega a liberdade de Sísifo; pelo contrário, é na aceitação dessa condição que ele encontra significado.

No Cotidiano, a Infinitude Esconde-se no Ordinário

No dia a dia, nossa infinitude aparece em gestos pequenos. É no sorriso que damos a um estranho ou na profundidade de um pensamento aparentemente fugaz. É o instante em que a música nos transporta para outro lugar, mesmo que estejamos sentados em um ônibus lotado.

Mas, ao mesmo tempo, somos confinados por rotinas que parecem sufocar essa grandeza. Acordamos, trabalhamos, voltamos para casa. Repetimos. Há dias em que tudo parece uma gaiola, mas, talvez, as asas da infinitude não estejam na fuga, e sim na forma como percebemos o que já está ao nosso alcance.

Filosofia e Confinamento

Martin Heidegger explorou como o ser humano é "lançado" no mundo, forçado a viver dentro de um contexto que não escolheu. Estamos confinados por circunstâncias, mas somos capazes de encontrar significado no ser, no agora. Essa infinitude confinada é um convite para a autenticidade: não é o tamanho do espaço que importa, mas a profundidade com que o habitamos.

Link de Musicas Clássicas:

https://www.youtube.com/watch?v=nPffL3cNGrs

Outro exemplo pode ser encontrado no poeta Fernando Pessoa, que em seu heterônimo Alberto Caeiro disse:

"O que vejo cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Repara que nasceu deveras..."

Aqui, a infinitude está contida no ato de ver, de sentir, de reconhecer o momento presente como único e absoluto.

O Que Fazemos com a Confinada Infinitude?

Talvez a resposta não esteja em escapar do confinamento, mas em aceitá-lo como parte do que somos. O poeta Rainer Maria Rilke escreveu que é dentro dos limites que a vida encontra sua intensidade:

"Eis que viver é ser intenso."

Nossa infinitude se revela nos limites: no amor que sentimos por alguém que não pode durar para sempre, na arte que criamos para desafiar o tempo, nos sonhos que alimentamos mesmo sabendo que alguns nunca serão realizados.

Assim, a confinada infinitude não é um fardo, mas uma dança. O finito e o infinito, o temporal e o eterno, movem-se juntos, criando a beleza singular da existência humana. Abraçá-los é viver plenamente.


sábado, 21 de dezembro de 2024

Massa de Quimera

A ideia de "massa de quimera" evoca uma imagem poderosa: algo moldável, imaginativo, mas que também se dissolve facilmente ao toque da realidade. Como um mito da Grécia Antiga, a quimera é um ser híbrido e impossível, uma junção de partes que não deveriam coexistir. A quimera é um ser híbrido com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente ou dragão, que tem a capacidade de lançar fogo pelas narinas. A palavra vem do grego khímaira,as e significa "monstro extraordinário". 

Transportando essa metáfora para o campo filosófico, podemos refletir sobre como lidamos com nossos sonhos, criações e aspirações que, muitas vezes, parecem igualmente híbridas e inalcançáveis.

O Sonho Como Construção

Desde a infância, somos mestres em criar quimeras internas. Montamos nossos desejos como escultores de barro, com pedaços de histórias, influências culturais e sentimentos. A "massa de quimera" simboliza essa capacidade de imaginar o impossível, de projetar mundos que desafiam a lógica. Mas, como Platão já sugeriu em seu "Mito da Caverna", nem tudo que imaginamos é real, e as sombras que criamos podem ser enganosas.

Por outro lado, a imaginação também é um motor criativo. Sem ela, não haveria avanços na ciência, na arte ou mesmo no cotidiano. Construímos "massas de quimera" para depois tentar dar-lhes forma mais sólida, algo que toque a realidade e se torne significativo.

A Fragilidade do Irreal

Se tudo o que moldamos é feito de uma massa maleável e indefinida, surge a questão: até onde podemos confiar em nossas criações? O filósofo brasileiro Vilém Flusser, ao refletir sobre as imagens técnicas, alerta para o perigo de confundirmos o símbolo com o real. Para Flusser, a tecnologia e a cultura contemporânea criaram uma realidade cada vez mais "quimérica", onde a ficção muitas vezes suplanta a verdade.

Da mesma forma, no nível individual, há sonhos que, quando confrontados com a realidade, desmoronam como castelos de areia. É um lembrete de que nem todas as quimeras são destinadas a sobreviver fora do mundo da imaginação.

A Utilidade do Impossível

Porém, seria um erro descartar a "massa de quimera" como inútil. Se os sonhos são frágeis, também são transformadores. Simone Weil, filósofa francesa, certa vez disse que "o impossível é o único caminho para o possível." A construção de sonhos aparentemente inalcançáveis é o que nos impulsiona a transcender nossos próprios limites.

A massa de quimera, mesmo sendo instável, nos obriga a experimentar, a esculpir e a refazer incessantemente. É uma metáfora para o processo humano de tentativa e erro, para a criação de sentido em um mundo frequentemente caótico.

No Cotidiano: Nossas Pequenas Quimeras

No dia a dia, as quimeras se manifestam em situações triviais. Planejamos uma viagem que nunca acontece, idealizamos relações que não correspondem à realidade, ou até imaginamos versões melhores de nós mesmos que, por vezes, nos escapam. A quimera é tanto uma aspiração quanto uma frustração.

Mas essas pequenas quimeras não são inúteis. Elas dão cor à vida, servindo como faróis que iluminam caminhos, mesmo que nunca os sigamos por completo. Elas nos fazem sonhar, e sonhar é o primeiro passo para criar.

O Equilíbrio Entre Realidade e Ilusão

A "massa de quimera" nos ensina que a vida é feita de paradoxos. Precisamos do impossível para dar sentido ao possível, da imaginação para alimentar a realidade. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer a fragilidade de nossas criações, para não nos perdermos nelas.

Assim como o escultor que trabalha com argila, moldamos nossas quimeras sabendo que nem todas resistirão ao tempo. Mas, ao final, o que importa não é apenas o produto final, mas o ato de moldar, de criar e de sonhar. Afinal, como já dizia Fernando Pessoa, "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce." A massa de quimera, por mais efêmera que seja, é parte essencial dessa jornada.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Sancionado pelo Tempo

Há algo profundamente enigmático na ideia de ser sancionado pelo tempo. O tempo não é uma entidade visível, não o tocamos nem o vemos, mas ele se manifesta em todas as coisas, marcando o que permanece, o que se desgasta e o que se transforma. Ser sancionado pelo tempo sugere um julgamento silencioso, como se as coisas, os valores e as ações precisassem passar pela prova invisível da duração para conquistar seu significado ou validar sua existência.

Imagine um banco de madeira em uma praça antiga. Ele carrega as marcas de incontáveis momentos: casais que ali se encontraram, crianças que brincaram ao redor, folhas secas do outono que caíram sobre ele. O banco, corroído pelo tempo, é mais que um objeto funcional; tornou-se testemunha de histórias. Por outro lado, uma cadeira moderna, recém-saída de uma loja, parece ainda desprovida de identidade. O tempo não a sancionou, ainda não a gravou com os vestígios de relevância.

O Tempo como Testemunha

O filósofo alemão Walter Benjamin descreveu o "aura" das coisas, um brilho intangível que emerge de sua história única. Ser sancionado pelo tempo é adquirir essa aura, tornar-se parte de uma narrativa que transcende o imediato. Não se trata apenas de envelhecer, mas de resistir ao desgaste, de ser transformado sem ser apagado.

Na vida cotidiana, também somos sancionados pelo tempo em nossas relações e escolhas. Amizades que atravessam décadas parecem mais sólidas porque sobreviveram a tempestades. Ideias que persistem nos livros e nas mentes se tornam pilares culturais, sancionadas pelo tempo como verdades duradouras.

A Fragilidade da Modernidade

Vivemos, no entanto, numa era onde o tempo parece comprimido. O novo é exaltado, e o que é descartável domina o cotidiano. Uma roupa da moda, um celular de última geração, uma série de streaming — tudo parece nascer com uma data de expiração intrínseca. O que não resiste ao tempo permanece na periferia do significado, apagando-se antes de ser sancionado.

Nesse sentido, o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos poderia sugerir que o tempo, ao sancionar, confere uma essência às coisas. O descartável, o passageiro, talvez careça de essência por não se submeter a essa prova. Como ele mesmo defendia em suas reflexões sobre a "filosofia concreta," aquilo que permanece é o que verdadeiramente participa da realidade.

Ser sancionado pelo tempo não é meramente sobreviver a ele; é encontrar um significado que resista à erosão do instante. Isso vale para objetos, ideias, relações e até para nós mesmos. Assim como o banco da praça, somos moldados pelo que suportamos, pelas histórias que acumulamos e pelo valor que conferimos ao que permanece.

E talvez essa seja a lição mais profunda: aquilo que o tempo sanciona não é apenas o que resiste, mas o que nos ensina a respeitar a duração, a memória e a persistência. Ao contemplarmos o que o tempo preserva, talvez descubramos não apenas o que importa, mas também quem somos.


terça-feira, 26 de novembro de 2024

Anjo e Demônio

O tempo, esse anjo invisível que nos acompanha constantemente, é uma força poderosa que molda nossas vidas de maneiras sutis e profundas. Embora não possamos vê-lo ou tocá-lo, suas marcas são inegáveis em cada aspecto do nosso cotidiano. Vamos pensar sobre como o tempo atua em nossas vidas diárias e refletir sobre a sabedoria que ele nos oferece.

O Tempo e a Rotina Matinal

Cada manhã, ao despertar, somos lembrados da passagem do tempo. O sol nasce, iluminando o início de um novo dia, e com ele vem a nossa rotina matinal. Levantar da cama, tomar um café e se preparar para as atividades do dia são pequenos rituais que nos conectam ao fluxo contínuo do tempo.

Esses momentos matinais, por mais simples que pareçam, são oportunidades para refletir sobre como escolhemos gastar nosso tempo. Será que estamos dedicando tempo suficiente para cuidar de nós mesmos e de nossos entes queridos?

O Tempo e as Relações

Nossas relações pessoais também são moldadas pelo tempo. Pense nas amizades que resistiram ao teste do tempo, enriquecendo-se com cada ano que passa. Esses relacionamentos se aprofundam e se fortalecem à medida que compartilhamos experiências, superamos desafios e criamos memórias juntos.

Por outro lado, o tempo também pode revelar a fragilidade de certas conexões. Amizades que se enfraquecem ou amores que se desvanecem mostram como o tempo pode ser tanto um construtor quanto um destruidor. Ao valorizar o tempo que passamos com aqueles que amamos, estamos reconhecendo sua importância em nossa jornada emocional.

O Tempo e o Trabalho

No ambiente de trabalho, o tempo é um recurso precioso. Prazos, reuniões e metas estabelecem um ritmo que devemos seguir. A gestão do tempo se torna essencial para equilibrar produtividade e bem-estar.

Mas além das tarefas e compromissos, o tempo no trabalho também nos ensina paciência e perseverança. Projetos longos e complexos exigem dedicação contínua e uma visão a longo prazo. O tempo nos ajuda a entender que grandes realizações raramente acontecem da noite para o dia.

O Tempo e o Crescimento Pessoal

Nosso crescimento pessoal é talvez onde o impacto do tempo é mais evidente. Desde a infância até a idade adulta, o tempo nos transforma, trazendo aprendizado, experiência e sabedoria. A cada ano, nos tornamos versões mais complexas e enriquecidas de nós mesmos.

Essa evolução contínua é um lembrete de que o tempo, embora invisível, está sempre presente, guiando nosso desenvolvimento e nos incentivando a aproveitar cada momento para crescer e aprender.

O Tempo: Anjo e Demônio

No entanto, o tempo também pode ser visto como um demônio, especialmente quando se trata da nossa identidade. À medida que envelhecemos, o tempo tende a subverter quem pensamos ser. Nossas crenças, valores e até a nossa aparência podem mudar, muitas vezes de maneiras que não esperamos ou desejamos.

Essa subversão da identidade pode ser desafiadora. Imagine alguém que, ao longo dos anos, se vê afastado dos seus sonhos de juventude, assumindo papéis e responsabilidades que nunca imaginou. Ou alguém que, ao envelhecer, se sente desconectado de sua aparência jovem e vital. Essas mudanças forçadas pelo tempo podem causar um sentimento de perda e alienação.

O Filósofo Fala: Henri Bergson e a Duração

Henri Bergson, um filósofo francês, explorou profundamente a natureza do tempo. Ele introduziu o conceito de "duração" (durée), que se refere à experiência subjetiva do tempo, diferente do tempo cronológico medido pelos relógios. Para Bergson, a duração é o tempo vivido, o fluxo contínuo e indivisível de nossas experiências internas.

O anjo invisível chamado tempo é um companheiro constante e silencioso que nos guia através das muitas fases da vida. Seja na rotina matinal, nas relações, no trabalho ou no crescimento pessoal, o tempo está sempre presente, moldando nossas experiências e ensinando-nos valiosas lições.

Mas é crucial reconhecer que o tempo também tem um lado sombrio. Ele pode subverter nossa identidade e forçar mudanças que não esperávamos.

Ao reconhecer e valorizar o papel multifacetado do tempo em nossas vidas, podemos viver de maneira mais consciente e plena, apreciando cada momento e enfrentando as mudanças com resiliência. Afinal, é através desse anjo invisível que encontramos o ritmo e o significado de nossa existência, aceitando tanto suas bênçãos quanto seus desafios.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Palco do Tempo

Estava ouvindo a música “Sob o Sol” de Marcos Viana, Malu Aires & Transfônica Orkestra, ouvindo me deixei levar por sua intensidade, deixei a música falar a mente e ao coração, permiti ser conduzido por ela em minhas reflexões.

"Somos atores no palco do tempo" é uma metáfora que nos coloca diante de um cenário onde a vida se desenrola como uma peça de teatro. Cada um de nós tem seu papel, sua entrada em cena e seu tempo de permanência. O palco, contudo, é o tempo — implacável, fluido, sempre em movimento. O interessante dessa visão é que nos faz refletir sobre a impermanência e o caráter dinâmico da existência.

Link Musica para Reflexão:

https://www.youtube.com/watch?v=Z3AJFx6-vUA&list=RDZ3AJFx6-vUA&start_radio=1

Quando nos imaginamos como atores, surge a pergunta: quão conscientes estamos de nosso papel? Muitos de nós caminhamos pela vida como se estivéssemos apenas repetindo linhas de um roteiro, sem perceber a profundidade daquilo que estamos vivendo. Todos os dias levantamos, trabalhamos, nos relacionamos, mas quanto disso fazemos de forma realmente autêntica? Será que vivemos conscientemente cada ato, ou apenas seguimos as direções que o mundo nos impõe?

Essa noção de tempo como palco traz um ponto interessante: diferente de uma peça tradicional, não temos ensaios. O tempo não permite a repetição ou a correção do passado. Cada cena é única, irrepetível, e qualquer tentativa de recriá-la já é um ato novo. Essa fluidez exige de nós uma presença intensa no momento, como um ator de improviso que precisa estar atento ao mínimo sinal do cenário, da plateia e de seus próprios colegas em cena.

Há um conceito filosófico de que o tempo, sendo ele linear para nós mortais, nos empurra para frente, sem misericórdia. Nietzsche, por exemplo, fala sobre o eterno retorno, mas não no sentido literal de revivermos cada momento — isso seria impossível. É mais uma provocação sobre como agimos se soubéssemos que cada escolha, cada palavra, poderia ser revivida eternamente. Se somos, então, os atores nesse palco do tempo, cabe a nós a responsabilidade de encarar cada momento com a consciência de que não há uma segunda chance para aquela cena específica.

Por outro lado, o palco do tempo é democrático. Cada um tem sua oportunidade de brilhar, de contribuir para a grande narrativa da humanidade. O problema é que muitas vezes nos esquecemos de que estamos em cena, distraídos pelas luzes ou pela plateia, ou até pelo medo do improviso. E aí entra a necessidade de nos reconciliarmos com a passagem do tempo, de aceitarmos que o palco não é infinito para nós, e que há valor em cada pequeno gesto. Como Fernando Pessoa escreveu: “Entre o que sou e o que suponho estar há um abismo.”

No cotidiano, podemos ver essa metáfora viva em diversos momentos. Quantas vezes nos pegamos olhando para o relógio, contando as horas, e esquecemos que o tempo está passando enquanto fazemos isso? No trabalho, na vida social, no amor, muitas vezes encenamos os papéis que esperam de nós, e não aqueles que gostaríamos de interpretar. Na peça da vida, somos nós os roteiristas, mas a caneta frequentemente nos escapa das mãos. Talvez porque, ao contrário de uma peça que conhecemos de cor, viver exige mais coragem e improviso, nela também somos os atores.

No final das contas, a questão é: estamos dispostos a viver plenamente no palco do tempo, ou preferimos ficar nos bastidores, com medo de errar as falas? No fundo ninguém pensa nisto, simplesmente segue o caminho do jeito que dá, não é mesmo? O mundo está muito louco, está difícil para todos, agradeço ao deitar e agradeço ao acordar por mais uma oportunidade de viver, um dia de cada vez, que não é pouco! 

domingo, 13 de outubro de 2024

Efeito Retardado

Há algo fascinante nas intervenções de efeito retardado. Muitas vezes, vivemos em uma cultura que valoriza o imediato, o impacto rápido e as soluções instantâneas. É como se cada ação devesse produzir um resultado tangível e imediato para que tenha valor. No entanto, algumas das intervenções mais transformadoras nascem exatamente da paciência e do tempo, agindo em camadas profundas, como sementes plantadas que, aparentemente adormecidas, um dia florescem em um contexto inesperado.

Imagine uma conversa casual entre amigos. Alguém menciona algo que parece irrelevante ou fora de contexto. Talvez uma ideia filosófica, um conselho de vida ou uma observação pessoal que, naquele momento, não pareça ter muita relevância. Mas, dias, meses ou até anos depois, em um cenário diferente, algo estala. Aquela frase, aquela intervenção aparentemente inofensiva, ganha sentido e ressignifica uma situação inteira. Como se, no momento certo, uma peça encaixasse, e a mente se expandisse. É isso que caracteriza uma intervenção de efeito retardado: ela age quando menos esperamos, quando estamos prontos para entendê-la.

Pense na educação. Um professor pode passar anos ensinando a mesma matéria, sem notar mudanças significativas em seus alunos. Eles podem parecer desinteressados, talvez até esquecidos do que foi dito. Mas, ao longo da vida, quando esses mesmos alunos se deparam com desafios, oportunidades ou dilemas, é possível que aquela aula perdida no tempo retorne, trazendo uma compreensão nova ou até uma transformação na maneira como enxergam o mundo. O filósofo Gilles Deleuze dizia que o pensamento verdadeiro ocorre quando algo nos desafia e força a nossa mente a se expandir para além do óbvio. Intervenções de efeito retardado são parte desse desafio.

Em nosso cotidiano, é comum subestimarmos a importância das ações que não geram resultados imediatos. Por exemplo, alguém decide mudar de estilo de vida para cuidar da saúde, mas os primeiros meses são frustrantes. O corpo demora a responder, e os benefícios parecem invisíveis. No entanto, após algum tempo, o efeito acumulado da persistência se manifesta. O mesmo acontece com relações humanas. Pequenos gestos de gentileza, compreensão ou empatia podem parecer despercebidos no momento, mas, com o tempo, constroem uma fundação sólida, transformando uma amizade ou um relacionamento.

O conceito de efeito retardado também se aplica a mudanças sociais e culturais. Muitas vezes, grandes movimentos começam de maneira discreta, quase imperceptível. Uma ideia, uma ação ou um pequeno grupo de pessoas plantam uma semente que só germinará muitos anos depois. Revoluções culturais, como o feminismo, a luta pelos direitos civis ou as transformações ambientais, não surgiram do dia para a noite. Foram o resultado de intervenções sutis e persistentes ao longo do tempo, que gradualmente reconfiguraram a consciência coletiva.

Maurice Halbwachs, ao tratar da memória coletiva, observou que o impacto de certos eventos ou ideias só é totalmente compreendido quando as gerações seguintes reinterpretam e absorvem os acontecimentos. Ou seja, o efeito dessas intervenções só se revela plenamente no futuro, quando o presente estiver distante o suficiente para ser analisado com outros olhos. Essa é uma forma de intervenção de efeito retardado no tempo: a memória, tal como as ações, se molda ao longo dos anos, criando novas camadas de significado.

Então, por que tendemos a valorizar apenas o que é imediato? Talvez porque vivemos imersos na lógica da produtividade, onde o tempo parece uma mercadoria que precisa ser controlada e rentabilizada. Esperamos que cada esforço traga resultados visíveis rapidamente, e qualquer coisa que pareça "demorada" soa como desperdício. Mas isso é uma visão limitada do que significa agir no mundo. Muitas das intervenções mais poderosas, sejam elas intelectuais, emocionais ou físicas, exigem tempo para se enraizar e florescer.

Talvez o segredo esteja em aceitar que nem tudo que é plantado germina de imediato. Algumas intervenções são silenciosas, quase imperceptíveis, mas seu impacto pode ser avassalador no longo prazo. O desafio está em continuar semeando, acreditando que o tempo – esse companheiro invisível – fará o seu trabalho na hora certa.

As intervenções de efeito retardado nos convidam a repensar nossa relação com o tempo, o impacto e as expectativas. Elas nos lembram que, em muitos casos, o que é invisível hoje pode ser o mais transformador amanhã.


quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Matar o Tempo

Sabe aquele momento em que você está à toa, sem nada urgente para fazer, e acaba se perdendo em distrações? Pois é, outro dia me peguei fazendo isso, rolando sem rumo pelas redes sociais, e de repente me veio um estalo: quanto tempo eu já perdi assim, matando o tempo? E aí me bateu uma reflexão mais profunda – a vida é tão curta, e aqui estou eu, desperdiçando minutos preciosos com coisas que não vão me acrescentar nada. Foi esse insight que me fez pensar: por que a gente se permite isso? Afinal, o tempo que gastamos à toa é tempo de vida que não volta. Isso me inspirou a escrever sobre como a dispersão, essa mania de se ocupar com qualquer coisa, pode ser um verdadeiro desperdício daquilo que temos de mais valioso.

"Matando o tempo" é uma expressão que usamos quase sem pensar. Aquele momento em que estamos sem nada para fazer e, ao invés de focarmos em algo produtivo, nos jogamos em qualquer distração disponível. Pegamos o celular, navegamos pelas redes sociais, trocamos mensagens vazias, e, antes que percebamos, horas se foram. A dispersão é o grande vilão aqui: fazer muita coisa, mas nada que realmente importa.

Imagine um dia típico. Você acorda, toma um café rápido e sai para o trabalho. No transporte, ao invés de ler aquele livro que está na prateleira há meses, você decide rolar o feed do Instagram. Chegando ao trabalho, entre uma tarefa e outra, você se pega checando as notícias, respondendo mensagens ou simplesmente olhando para o nada. No final do dia, você se sente exausto, mas ao mesmo tempo com a sensação de que não fez nada de significativo. O tempo passou, mas o que você conquistou?

O filósofo francês Henri Bergson, conhecido por suas reflexões sobre o tempo, falava sobre a importância da "duração" – uma qualidade do tempo que não pode ser medida em minutos ou horas, mas sim pela intensidade das experiências que vivemos. Segundo ele, o tempo vivido, aquele preenchido com sentido e propósito, é o que realmente importa. Quando nos dispersamos, perdemos essa "duração", substituindo-a por um tempo vazio, mecânico.

Voltando ao cotidiano, pense naquelas vezes em que você se sentou para estudar ou trabalhar em algo importante, mas acabou se distraindo com mensagens ou vídeos aleatórios. A sensação de estar ocupado sem realmente estar progredindo é frustrante. Estamos fazendo muitas coisas, mas poucas delas são realmente significativas.

A vida é curta, e cada momento que temos é precioso. Matar o tempo, na verdade, é desperdiçar o pouco tempo de vida que nos foi dado. Cada minuto que passa é uma oportunidade perdida de fazer algo significativo, de criar memórias, de aprender, de crescer. Quando nos permitimos cair na dispersão, deixamos de viver plenamente, trocando momentos que poderiam ser valiosos por atividades vazias e sem propósito. No fim, matar o tempo é, na verdade, matar um pouco da própria vida.

Mas e se, ao invés de simplesmente matar o tempo, começássemos a usá-lo com intenção? Ao invés de gastar horas em redes sociais, poderíamos investir esse tempo em atividades que realmente nos trazem algo de volta – aprender uma nova habilidade, praticar um hobby, ou simplesmente ter uma conversa profunda com alguém querido. Essas são as "coisas certas" que Bergson provavelmente diria que preenchem nosso tempo com verdadeira "duração."

Assim, quando se pegar matando o tempo, pare e reflita: será que isso está realmente adicionando algo à minha vida? Porque, no fim das contas, não é sobre fazer muito, mas sim sobre fazer o que realmente importa. 

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Burburinho Incessante

Vivemos em uma era de constantes burburinhos e pressa desenfreada, onde parece que sempre há algo mais urgente para fazer, alguém mais para ver, uma nova notificação para verificar. Esse turbilhão de atividades, muitas vezes carente de verdadeiro significado, adia a quietude essencial para que nossa alma floresça. Vamos analisar como essa correria afeta nossas vidas cotidianas e refletir sobre como podemos encontrar momentos de paz em meio ao caos, com a ajuda das ideias de pensadores como Henry David Thoreau.

O Turbilhão do Dia a Dia

Pense em um típico dia de trabalho. Você acorda, já correndo contra o relógio, toma um café rápido e sai para enfrentar o trânsito. No escritório, sua caixa de entrada está lotada de e-mails, as reuniões se acumulam e o telefone não para de tocar. No intervalo para o almoço, ao invés de relaxar, você aproveita para adiantar alguma tarefa pendente. Ao fim do dia, volta para casa exausto, mas ainda tem compromissos sociais ou familiares para cumprir. Essa rotina deixa pouco espaço para a introspecção e o descanso.

As Redes Sociais e o Fluxo Constante de Informação

Além das responsabilidades diárias, as redes sociais e o fluxo incessante de informações também contribuem para o estado de constante agitação. A cada momento, novas atualizações, notícias e mensagens exigem nossa atenção. Estamos sempre conectados, mas raramente presentes. Essa conectividade superficial muitas vezes substitui interações significativas e momentos de solitude necessários para nosso bem-estar emocional.

Thoreau e a Busca pela Simplicidade

Henry David Thoreau, um pensador americano do século XIX, defendeu a importância de simplificar a vida e encontrar tempo para a reflexão. Em seu livro "Walden", ele relata sua experiência vivendo em uma cabana isolada na floresta, onde buscou se desconectar das distrações da sociedade para se conectar com a natureza e consigo mesmo. Thoreau acreditava que a simplicidade e a contemplação eram essenciais para a realização pessoal e a verdadeira felicidade.

Situações Cotidianas e Reflexão

Pausa para o Café: Em vez de tomar o café da manhã correndo, reserve alguns minutos para saborear a bebida calmamente. Use esse tempo para refletir sobre o dia que está por vir, sem pressa.

Desconectar-se: Experimente ficar offline por algumas horas todos os dias. Desligue as notificações do celular e permita-se um tempo livre de distrações digitais. Aproveite esse momento para ler um livro, meditar ou simplesmente observar o mundo ao seu redor.

Caminhadas Solitárias: Assim como Thoreau, uma caminhada em um parque ou em um local tranquilo pode ser uma ótima forma de se reconectar consigo mesmo. Use esse tempo para pensar, respirar profundamente e apreciar a natureza.

Ritual Noturno: Estabeleça um ritual de relaxamento antes de dormir. Pode ser uma prática de ioga, leitura de um livro ou ouvir música suave. Isso ajuda a desacelerar a mente e preparar o corpo para um sono reparador.

O burburinho incessante e a pressa constante muitas vezes nos afastam da quietude necessária para que nossa alma floresça. Inspirando-nos em Thoreau, podemos encontrar maneiras de simplificar nossas vidas e buscar momentos de paz em meio ao caos. Ao fazer isso, não apenas melhoramos nosso bem-estar mental e emocional, mas também nos tornamos mais presentes e conscientes em nossas ações diárias. Encontre tempo para a quietude. Desconecte-se do ruído exterior e reconecte-se com seu interior. É nesses momentos de silêncio e reflexão que nossa alma realmente tem a chance de florescer. 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Mais Tempo

 

Tempo, esse conceito intangível que tanto desejamos ter mais. Vivemos em uma era onde a pressa e a falta de tempo se tornaram constantes em nosso dia a dia. Desde o momento em que acordamos até a hora de dormir, estamos sempre correndo contra o relógio, tentando encaixar todas as nossas responsabilidades e desejos pessoais em 24 horas.

Situações do Cotidiano

Acordar e Correr: O alarme toca. Você desperta e já está pensando em todas as coisas que precisa fazer. Um café rápido, um banho apressado e já está na hora de sair. O trânsito, a pressa de chegar ao trabalho. O tempo parece escorrer pelos dedos. Quantas vezes nos pegamos desejando mais alguns minutos de sono?

No Trabalho: Chegamos ao trabalho e a lista de tarefas já está nos esperando. Reuniões, prazos, e-mails. A pressão é constante. Muitas vezes, temos a sensação de que o dia não tem horas suficientes para cumprir todas as demandas. A pausa para o almoço é rápida e, mesmo assim, a mente continua trabalhando. E então, quando chega o fim do expediente, parece que ainda há tanto por fazer.

Tempo com a Família: Chegamos em casa e ainda há tantas coisas para fazer. O jantar, ajudar as crianças com as lições de casa, colocar a conversa em dia com o parceiro. Esses momentos são preciosos, mas frequentemente são roubados pelo cansaço e pela sensação de urgência. Gostaríamos de mais tempo para apreciar a companhia de quem amamos sem a pressão das tarefas inacabadas.

Momentos de Lazer: Finalmente, um pouco de tempo para nós mesmos. Ler um livro, assistir a um filme, praticar um hobby. Mas quanto tempo realmente conseguimos dedicar a essas atividades que nos trazem prazer e relaxamento? Muitas vezes, elas acabam sendo sacrificadas pelas demandas do dia a dia.

Um Pensador sobre o Tema

O filósofo francês Henri Bergson traz uma perspectiva interessante sobre a percepção do tempo. Para Bergson, o tempo que experimentamos não é o tempo linear do relógio, mas um tempo vivido, um "tempo de duração". Ele argumenta que essa duração é subjetiva e pessoal, fluindo de acordo com nossas experiências e emoções.

Em seu livro "Matéria e Memória", Bergson explora a ideia de que o tempo é uma criação do nosso espírito. Ele sugere que, em vez de tentarmos controlar o tempo, deveríamos aprender a vivê-lo mais plenamente. Isso significa estar presente no momento, apreciando cada instante, em vez de nos preocuparmos constantemente com o futuro ou lamentarmos o passado.

A correria do dia a dia nos faz esquecer de uma verdade simples, mas essencial: o tempo é o bem mais precioso que temos. Estamos sempre buscando mais tempo, mas será que estamos realmente aproveitando o que já temos? Imagine se, em vez de correr contra o relógio, pudéssemos parar um pouco e apreciar o momento presente. Henri Bergson nos lembra que o tempo vivido é subjetivo e pessoal, e que a chave para uma vida mais plena pode estar em valorizar cada instante. Talvez seja hora de refletir sobre como estamos gastando nosso tempo e encontrar maneiras de viver mais no presente, aproveitando as pequenas coisas que realmente importam.

Reflexão

A busca por mais tempo é, na verdade, uma busca por uma vida mais equilibrada e significativa. Talvez a solução não esteja em ter mais horas no dia, mas em aprender a valorizar e aproveitar melhor o tempo que temos. Pode ser útil lembrar das palavras de Bergson e tentar viver mais no presente, encontrar prazer nas pequenas coisas do cotidiano e permitir-nos momentos de pausa e reflexão.

Assim, em vez de nos perdermos na corrida contra o relógio, podemos aprender a viver cada momento com mais intensidade e gratidão. Afinal, o tempo, como diz o ditado, é o bem mais precioso que temos.