A ideia de que a sociedade atual está emocionalmente menos desenvolvida do que as antigas civilizações pode parecer, à primeira vista, uma crítica exagerada ou nostálgica. Afinal, vivemos em tempos de avanços tecnológicos, de teorias psicológicas sofisticadas e de uma infinidade de recursos para lidar com nossas emoções. Mas será que, no fundo, não nos tornamos menos capazes de lidar com a complexidade emocional e espiritual da vida do que nossos antepassados? Olhando para o cotidiano, as relações humanas e o papel dos pensadores, começamos a perceber que, talvez, algo essencial tenha sido perdido.
Cotidiano e Superficialidade Emocional
Uma cena comum: alguém, ao enfrentar um dia difícil
no trabalho, desconta a frustração com os amigos em uma conversa rápida via
mensagem. Em vez de confrontar o que realmente o incomoda, essa pessoa busca
distrações – uma série na Netflix, horas no Instagram, ou mesmo uma compra
online para aliviar a tensão. Emocionalmente, nos tornamos dependentes de
válvulas de escape que nos oferecem alívio momentâneo, mas que nos distanciam
da verdadeira introspecção e do enfrentamento da raiz dos nossos problemas.
Na Antiguidade, as pessoas também tinham suas
distrações, mas havia um sentido maior nas dificuldades enfrentadas. Os gregos,
por exemplo, acreditavam que o sofrimento e os desafios eram formas de
aprendizado profundo, tal como a prática do estoicismo, uma filosofia que prega
a aceitação da dor como parte natural da vida. Sêneca, um dos grandes
pensadores estóicos, dizia: "O homem que sofre antes de ser necessário
sofre mais do que o necessário." Hoje, ao invés de encararmos nossas dores
de frente, tendemos a antecipá-las e tentar evitá-las, sem absorver as lições
que elas poderiam nos ensinar.
Espiritualidade e Conexão Perdida
No plano espiritual, muitos de nós ainda seguimos
tradições religiosas ou práticas de meditação e mindfulness, mas será que essas
práticas são vividas com profundidade? Muitas vezes, a espiritualidade moderna
parece se reduzir a mais uma tarefa na nossa lista de afazeres – uma meditação
rápida no aplicativo, uma oração para pedir ajuda ou proteção, sem refletir
realmente sobre nosso lugar no universo ou a natureza de nossa existência.
Em comparação, a espiritualidade antiga era
integrada à vida cotidiana. Para os egípcios, gregos e romanos, os rituais
religiosos e filosóficos não eram apenas uma formalidade; eram uma forma de
viver em harmonia com o cosmos. Plotino, um filósofo neoplatônico, acreditava
que o ser humano devia buscar a união com o Uno, uma experiência de
transcendência e harmonia com o todo. Hoje, estamos mais inclinados a buscar
respostas rápidas e consolos instantâneos, muitas vezes desconectados dessa
visão de unidade com o universo.
Relações Humanas e Conflitos Evitados
Em nossas interações cotidianas, a infantilização
emocional é visível na forma como lidamos com os conflitos. Pense naquela
reunião de trabalho onde todos sabem que algo está errado, mas ninguém fala. O
medo de confrontar emoções desconfortáveis e a expectativa de que alguém, ou
algo, resolva o problema, refletem uma incapacidade de assumir o controle da
própria vida emocional.
Antigas sociedades valorizavam a discussão aberta e
o debate. Nas praças gregas, os cidadãos se reuniam para discutir as questões
mais importantes, confrontando opiniões e ideias. Sócrates era mestre em fazer
perguntas desconfortáveis, levando seus interlocutores a confrontarem suas
próprias crenças e, eventualmente, crescerem a partir disso. Hoje, preferimos
evitar essas discussões, buscando zonas de conforto onde nossas opiniões não
sejam desafiadas.
Somos Menos Desenvolvidos?
Pode parecer um paradoxo, mas, em muitos aspectos,
a modernidade nos ofereceu ferramentas que nos tornaram emocionalmente mais
frágeis. As antigas sociedades enfrentavam a vida com uma certa crueza e
realismo que, de certa forma, nos foi retirado. Nossa vida moderna é, em grande
parte, mediada por tecnologias que nos desconectam das experiências brutas da
vida. Um exemplo claro disso é como evitamos o confronto com a morte. Enquanto
antigamente a morte era parte visível e inevitável do ciclo da vida, hoje a
escondemos em hospitais e a tratamos como um tabu.
Pensadores como Byung-Chul Han, filósofo
contemporâneo, argumentam que vivemos em uma sociedade que busca a perfeição e
o desempenho constante, mas que, ao fazê-lo, elimina o espaço para o erro e
para o verdadeiro crescimento emocional. Segundo Han, a constante busca pela
felicidade e pela produtividade cria indivíduos ansiosos, incapazes de lidar
com a frustração e a imperfeição.
Será que somos menos desenvolvidos emocionalmente
do que as sociedades antigas? Talvez não seja uma questão de comparação direta,
mas sim de perceber que, ao longo do tempo, nossa relação com o mundo emocional
e espiritual mudou drasticamente. Em vez de confrontar e aprender com nossas
emoções, tendemos a fugir delas. Em vez de buscar um senso profundo de conexão
com o cosmos, frequentemente reduzimos a espiritualidade a um ritual vazio.
Para reconquistar esse desenvolvimento, é
necessário que voltemos a encarar as dificuldades e frustrações da vida como
oportunidades de crescimento, em vez de obstáculos a serem evitados. É preciso
redescobrir o valor das emoções profundas, da espiritualidade vivida e das
relações humanas autênticas – e talvez, ao fazê-lo, possamos nos reconectar com
uma sabedoria que os antigos já conheciam tão bem.