Vamos dar uma viajada e falar sobre o paradoxo cotidiano de ser humano!
Viva
a imaginação, o vento que sopra a vela que nos leva mundo a fora!
Outro
dia, parado no trânsito, reparei em um adesivo colado no carro da frente: “Seja
você mesmo!”. Achei tri, nada mais justo, pensei. Mas, dois minutos depois,
o mesmo carro buzinava impacientemente para um idoso atravessar a faixa com
dificuldade. Putz, aquilo me fez rir. E também pensar. Porque, afinal, quem é
esse “você mesmo” que a gente tanto recomenda ser — e que, no minuto seguinte,
desaparece na ansiedade coletiva, na pressa do relógio, nas cobranças sociais?
Vivemos
imersos em contradições. Pedimos empatia, mas rolamos as redes sociais julgando
sem piedade. Pregamos liberdade, mas apontamos o dedo para quem vive fora do
nosso molde. Queremos autenticidade, mas vibramos por curtidas. Esse emaranhado
de contradições, mais do que hipocrisia, talvez seja a nossa condição mais
profunda — e mais esquecida. Vamos por aí, tropeçando em nossas próprias
verdades e mentiras, tentando organizar o caos sem perceber que somos, nós
mesmos, parte dele.
O
corpo dividido: entre o que sentimos e o que mostramos
A
filosofia já alertava: Heráclito dizia que tudo flui, que nunca nos banhamos no
mesmo rio. Mas e quando nem sabemos quem somos ao mergulhar? O “eu” moderno não
é mais uma unidade — ele é um mosaico de pedaços, uma colcha de retalhos feita
de vontades contrárias, desejos conflitantes, máscaras sociais e silêncios
profundos. A sociologia de Erving Goffman já denunciava isso com sua metáfora
do teatro social: todos nós encenamos. O problema é quando a peça se mistura
tanto com a vida que já não sabemos se estamos atuando ou sendo.
Nas
redes, sorrimos para selfies tristes. No trabalho, competimos enquanto falamos
em colaboração. Em casa, desejamos descanso, mas não largamos o celular.
Estamos em um estado permanente de dissonância. E o mais curioso: aprendemos a
chamar isso de normalidade.
As
estruturas que alimentam o paradoxo
Contradições
não nascem só dentro da gente — elas são também fabricadas por sistemas. O
capitalismo, por exemplo, nos vende a ideia de felicidade, mas lucra com nossa
insegurança. “Você é perfeito como é”, diz a propaganda, logo antes de oferecer
a próxima solução para você se melhorar. As instituições reforçam valores que
não praticam: a escola ensina igualdade, mas o vestibular seleciona por classe.
A política defende a justiça, mas negocia privilégios.
Nesse
jogo, cada um de nós vira um campo de batalha. Entre o que somos e o que
deveríamos ser, entre o que sentimos e o que diz o manual da vida moderna. O
resultado? Uma subjetividade esgotada, mas hiperconectada. Perdidos em nós
mesmos, ainda somos cobrados a nos encontrar — rápido, e com estética.
O
paradoxo como matéria-prima da humanidade
E
se a contradição não for um erro a ser corrigido, mas uma característica
essencial da existência? Nietzsche, com sua lucidez cortante, já dizia: “É
preciso ter caos dentro de si para gerar uma estrela dançante.” Talvez
viver bem não seja resolver nossas contradições, mas aprender a dançar com
elas.
A
contradição nos humaniza. Ela mostra que não somos fórmulas fechadas, mas
caminhos em construção. É no conflito entre querer e poder, entre dizer e
fazer, que abrimos espaço para a reflexão — e, quem sabe, para alguma
transformação. Não uma revolução heroica, mas um pequeno ajuste de rota. Um
gesto mais coerente, uma palavra menos automática, um silêncio mais presente.
Aceitar
sem resignar
Estar
imerso em contradições não é um fracasso moral — é um sintoma do tempo e,
talvez, uma oportunidade. Aceitá-las não significa resignar-se. Significa estar
atento. É olhar para si com um pouco mais de gentileza, e para o outro com um
pouco menos de julgamento. Como propôs o sociólogo Zygmunt Bauman, viver hoje é
viver em um mundo líquido, onde certezas escorrem entre os dedos. Mas talvez,
no meio disso tudo, o que nos salva seja exatamente isso: a coragem de
continuar mergulhando — mesmo sem ver o fundo.