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quinta-feira, 27 de março de 2025

Além da Subjetividade

Eu estava caminhando pela praça quando me dei conta de uma cena banal: um cachorro cheirando uma árvore com total concentração, como se decifrasse um livro invisível. Parei para observar. Ali, naquele instante, percebi algo desconcertante: aquele animal não precisava de linguagem, símbolos ou conceitos para existir plenamente naquele momento. Sua experiência não era mediada por interpretações, desejos ocultos ou dilemas existenciais. Apenas estava. E então me perguntei: o que existe além da subjetividade humana?

A subjetividade sempre foi o epicentro da filosofia moderna. Descartes inaugurou uma tradição que coloca o "eu penso" como fundamento de toda certeza, e Kant nos trancou em uma estrutura cognitiva que molda nossa experiência do mundo. Tudo o que conhecemos parece passar por essa mediação subjetiva. Mas será que essa perspectiva esgota todas as formas de existência e de conhecimento?

Ao longo da história, algumas tradições filosóficas buscaram escapar da bolha da subjetividade. O zen-budismo, por exemplo, propõe um estado de consciência não dualista, onde a separação entre sujeito e objeto se dissolve. A fenomenologia de Merleau-Ponty também questiona essa divisão rígida, apontando para um entrelaçamento entre corpo e mundo, onde a percepção não é um ato puramente interno, mas uma abertura para a alteridade.

No campo da ciência, neurocientistas e biólogos investigam formas de cognição não humanas. Polvos, por exemplo, possuem um sistema nervoso distribuído, onde a inteligência não está centralizada em um "eu" pensante, mas espalhada pelo corpo. Isso desafia nossa concepção tradicional de consciência e nos força a reconsiderar se o humano é, de fato, o modelo universal de percepção e compreensão.

E se, em vez de nos limitarmos ao nosso próprio esquema mental, tentássemos acessar outras formas de ser? E se o real não precisasse ser sempre filtrado pela interpretação humana? Talvez haja uma realidade vibrante que escapa ao nosso olhar subjetivo, uma riqueza de presenças que não precisam ser nomeadas para existirem plenamente. A experiência direta, sem as camadas de mediação conceitual, pode ser um caminho para vislumbrar esse "além".

Uma possível experiência humana que poderia transcender a subjetividade é o estado de fluxo absoluto, onde a consciência se dissolve na própria ação. Um exemplo disso pode ser encontrado em dançarinos, músicos ou atletas que atingem um momento de pura imersão, onde não há mais distinção entre aquele que age e a ação em si. O corpo se move sem uma intenção consciente, sem um "eu" que comanda cada gesto. É uma entrega total ao presente, onde a experiência se torna um fluxo contínuo, livre das amarras da interpretação pessoal.

Houve um instante, enquanto pescava solitário, frente à imensidão do mar, em que tudo desapareceu: o tempo, os pensamentos, até mesmo a consciência de estar ali. O movimento das ondas parecia me integrar a algo maior, como se eu já não fosse um observador, mas parte da própria respiração do oceano. O fio da linha era uma extensão de mim, e a espera pelo peixe deixou de ser espera – era apenas um instante sem começo nem fim. Quando senti o puxão e recobrei a percepção de mim mesmo, foi como emergir de um mundo sem palavras, onde a existência era pura e indissolúvel.

No fim das contas, talvez a subjetividade humana seja menos uma prisão e mais um convite: um convite para sair de si e perceber que há um mundo pulsante que nunca dependeu de nossa interpretação para existir.


domingo, 12 de maio de 2024

Dissonância Cognitiva

Sabe aquela sensação desconfortável que surge quando você sabe que deveria fazer algo, mas acaba fazendo o oposto? Ou quando você se pega acreditando em algo, mas suas ações mostram o contrário? Bem-vindo ao mundo da dissonância cognitiva, um daqueles conceitos psicológicos que todos nós vivenciamos, mesmo sem perceber.

Imagine o seguinte cenário: você está determinado a levar uma vida mais saudável. Decidiu que vai cortar o açúcar e fazer exercícios regularmente. No entanto, ao chegar em casa após um longo dia de trabalho, a primeira coisa que você faz é abrir a geladeira e pegar um pedaço de bolo de chocolate. Você se pega pensando: "Por que estou fazendo isso? Eu prometi a mim mesmo que não ia mais comer doces."

Essa é a dissonância cognitiva em ação. Por um lado, você tem a crença de que quer ser saudável, mas por outro, suas ações mostram que você ainda tem dificuldade em resistir às tentações.

Leon Festinger, o cérebro por trás desse conceito, explicou que quando nossas crenças e nossas ações não se alinham, experimentamos um conflito interno que nos deixa desconfortáveis. E é esse desconforto que nos impulsiona a buscar maneiras de resolver essa discrepância.

Pense nisso como uma briga entre o coração e a mente. Seu coração pode desejar uma coisa, como comer aquele bolo delicioso, mas sua mente está lhe dizendo que isso vai contra seus objetivos de saúde. Esse conflito pode deixá-lo em um estado de indecisão e desconforto.

Mas não se preocupe, você não está sozinho nessa. Todos nós passamos por isso em diferentes momentos de nossas vidas. Por exemplo, quando você sabe que deveria estudar para aquela prova importante, mas decide assistir a um episódio a mais da sua série favorita. Ou quando você defende fervorosamente uma opinião, apenas para descobrir evidências que contradizem suas crenças.

Então, como podemos lidar com essa dissonância? Uma abordagem é buscar maneiras de justificar nossas ações. Talvez você diga a si mesmo que um pedaço de bolo não vai fazer mal, ou que pode estudar mais tarde e ainda se sair bem na prova. Outra opção é mudar suas crenças para se alinharem com suas ações, convencendo-se de que o bolo não é tão prejudicial quanto você pensava, ou de que sua série favorita é uma forma válida de relaxamento.

É importante reconhecer que resolver a dissonância cognitiva nem sempre é fácil ou simples. Às vezes, podemos acabar em um ciclo de justificativas e racionalizações que apenas prolongam o conflito interno. A chave é encontrar um equilíbrio saudável entre nossas crenças e nossas ações, e isso pode exigir autoconhecimento, reflexão e, às vezes, até mudanças genuínas em nosso comportamento.

Então, quando você se encontrar em uma situação onde o coração e a mente parecem estar em desacordo, lembre-se da dissonância cognitiva. Reconheça o conflito, aceite-o e busque maneiras saudáveis de resolvê-lo. Afinal, é parte da jornada humana aprender a conviver com nossas contradições internas e crescer a partir delas.