Eu estava caminhando pela praça quando me dei conta de uma cena banal: um cachorro cheirando uma árvore com total concentração, como se decifrasse um livro invisível. Parei para observar. Ali, naquele instante, percebi algo desconcertante: aquele animal não precisava de linguagem, símbolos ou conceitos para existir plenamente naquele momento. Sua experiência não era mediada por interpretações, desejos ocultos ou dilemas existenciais. Apenas estava. E então me perguntei: o que existe além da subjetividade humana?
A
subjetividade sempre foi o epicentro da filosofia moderna. Descartes inaugurou
uma tradição que coloca o "eu penso" como fundamento de toda certeza,
e Kant nos trancou em uma estrutura cognitiva que molda nossa experiência do
mundo. Tudo o que conhecemos parece passar por essa mediação subjetiva. Mas
será que essa perspectiva esgota todas as formas de existência e de
conhecimento?
Ao
longo da história, algumas tradições filosóficas buscaram escapar da bolha da
subjetividade. O zen-budismo, por exemplo, propõe um estado de consciência não
dualista, onde a separação entre sujeito e objeto se dissolve. A fenomenologia
de Merleau-Ponty também questiona essa divisão rígida, apontando para um
entrelaçamento entre corpo e mundo, onde a percepção não é um ato puramente
interno, mas uma abertura para a alteridade.
No
campo da ciência, neurocientistas e biólogos investigam formas de cognição não
humanas. Polvos, por exemplo, possuem um sistema nervoso distribuído, onde a
inteligência não está centralizada em um "eu" pensante, mas espalhada
pelo corpo. Isso desafia nossa concepção tradicional de consciência e nos força
a reconsiderar se o humano é, de fato, o modelo universal de percepção e
compreensão.
E
se, em vez de nos limitarmos ao nosso próprio esquema mental, tentássemos
acessar outras formas de ser? E se o real não precisasse ser sempre filtrado
pela interpretação humana? Talvez haja uma realidade vibrante que escapa ao
nosso olhar subjetivo, uma riqueza de presenças que não precisam ser nomeadas
para existirem plenamente. A experiência direta, sem as camadas de mediação
conceitual, pode ser um caminho para vislumbrar esse "além".
Uma
possível experiência humana que poderia transcender a subjetividade é o estado
de fluxo absoluto, onde a consciência se dissolve na própria ação. Um exemplo
disso pode ser encontrado em dançarinos, músicos ou atletas que atingem um
momento de pura imersão, onde não há mais distinção entre aquele que age e a
ação em si. O corpo se move sem uma intenção consciente, sem um "eu"
que comanda cada gesto. É uma entrega total ao presente, onde a experiência se
torna um fluxo contínuo, livre das amarras da interpretação pessoal.
Houve
um instante, enquanto pescava solitário, frente à imensidão do mar, em que tudo
desapareceu: o tempo, os pensamentos, até mesmo a consciência de estar ali. O movimento
das ondas parecia me integrar a algo maior, como se eu já não fosse um
observador, mas parte da própria respiração do oceano. O fio da linha era uma
extensão de mim, e a espera pelo peixe deixou de ser espera – era apenas um
instante sem começo nem fim. Quando senti o puxão e recobrei a percepção de mim
mesmo, foi como emergir de um mundo sem palavras, onde a existência era pura e
indissolúvel.
No
fim das contas, talvez a subjetividade humana seja menos uma prisão e mais um
convite: um convite para sair de si e perceber que há um mundo pulsante que
nunca dependeu de nossa interpretação para existir.