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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Eu e Tu

Breve ensaio sobre a obra de Martin Buber

Tem gente que passa pela vida colecionando contatos; outras, colecionam encontros. A diferença parece sutil, mas é o que separa uma vida superficial de uma vida profunda. Martin Buber, filósofo austríaco-judeu, entendeu isso como poucos. Em Eu e Tu (1923), sua obra mais conhecida e comentada, ele nos convida a repensar a forma como nos relacionamos — não só com os outros, mas com o mundo, com a natureza, com Deus e até conosco.

Uma filosofia do encontro

Em Eu e Tu, Buber propõe que a existência humana se estrutura a partir de dois modos fundamentais de relação: o Eu-Isso e o Eu-Tu.

  • Eu-Isso é o modo como tratamos as coisas, os objetos, o que usamos e manipulamos. Nessa relação, o outro (ou aquilo) é uma função, um instrumento, um dado a ser compreendido ou analisado. É a linguagem da ciência, da técnica, das rotinas funcionais da vida.
  • Eu-Tu, por outro lado, é o espaço do encontro verdadeiro. Quando dizemos “Tu”, não há distanciamento, não há separação entre sujeito e objeto — há presença. Não se trata de conhecer o outro, mas de estar diante dele com inteireza. Um olhar demorado, um gesto silencioso, uma escuta profunda — aí mora o Tu.

Quantas vezes por dia você trata as pessoas como um “Isso”?

Seja sincero: quando foi a última vez que você ouviu alguém sem pensar na resposta? Que olhou para um amigo, ou mesmo para uma árvore, sem pressa, sem intenção, apenas presente? Será que estamos mesmo vivendo — ou apenas gerenciando funções?

Buber não está dizendo que o mundo do “Isso” é ruim ou desnecessário — afinal, vivemos nele o tempo todo. Mas sem a experiência do “Tu”, a vida se esvazia. Tornamo-nos engrenagens, vozes automatizadas, seres que falam mas não se encontram.

Um livro pequeno com um abismo dentro

Apesar de ter pouco mais de cem páginas, Eu e Tu é um livro denso, quase poético. Buber não escreve como um professor que explica, mas como alguém que tenta nos acordar para algo que já sabemos — só esquecemos. Ele nos lembra que a relação Eu-Tu não pode ser planejada nem forçada; ela acontece, nos atravessa e nos transforma.

Você ainda acredita que é possível encontrar alguém de verdade — sem máscaras, sem filtros, sem medo?

Será que conseguimos, em meio a tantas distrações, permitir que algo nos toque de forma tão real que até o tempo pare por um momento? Quantas relações você vive apenas no piloto automático?

Ao final, Buber aponta que é justamente no “Tu absoluto” — Deus — que todas as relações Eu-Tu encontram sua origem e plenitude. Não um Deus conceito, mas um Deus que se revela no encontro, na reciprocidade, na presença.

E se Deus estiver em tudo aquilo que olhamos de verdade, mas ignoramos por hábito?
Será que a espiritualidade não mora justamente na qualidade da atenção que damos às coisas simples?

Para os dias de hoje

Num mundo de redes sociais, curtidas e mensagens instantâneas, Eu e Tu soa como um convite contracorrente. Será que ainda sabemos dizer “Tu” com o coração inteiro? Será que conseguimos olhar alguém — ou algo — sem imediatamente classificá-lo, julgá-lo ou usá-lo?

Martin Buber não oferece respostas prontas, mas oferece uma chave para a experiência. E talvez essa chave seja tudo o que precisamos para abrir a porta de uma vida mais humana, mais presente e mais real.


domingo, 29 de junho de 2025

Novas Subjetividades

Acorda, toma café, põe o óculos de realidade virtual, entra numa sala com outras pessoas que também estão em casa, sozinhas — mas todas juntas, com corpos escolhidos, vozes filtradas, rostos recriados. É uma reunião de trabalho? Uma conversa entre amigos? Um jogo? Ou tudo isso ao mesmo tempo?

Vivemos um tempo curioso: o corpo está aqui, mas o "eu" parece expandido — ou, talvez, fragmentado. A realidade virtual (RV) não é apenas uma tecnologia: é um novo campo de experiência do eu, um laboratório de subjetividades.

Dia destes estava ouvindo nossa filósofa Marilena Chauí falando sobre o tema, realmente temos de pensar a respeito, ela alerta para este mundo novo que já faz parte de nossas vidas.

Mas afinal o que é subjetividade?

Subjetividade é o conjunto de experiências internas e singulares que compõem o modo como alguém percebe o mundo, a si mesmo e os outros. É uma construção histórica, social e afetiva — não nasce pronta, mas se forma a partir de vivências, relações, discursos e tecnologias.

Como explica Michel Foucault, o sujeito não é um ponto fixo de origem, mas o efeito de práticas discursivas e sociais. Já para Maurice Merleau-Ponty, a subjetividade está encarnada: não somos pura mente ou consciência, mas um corpo-sujeito que percebe e age no mundo.

Portanto, falar de subjetividade é falar da maneira como nos tornamos alguém, como experienciamos o que somos — e como isso pode mudar.

Quando o sujeito se descentra

A subjetividade moderna, desde Descartes, se ancorava em um "eu penso, logo existo" — racional, centrado, individual. Com Freud, esse "eu" começou a tremer: há desejos inconscientes, pulsões, zonas obscuras. Com a pós-modernidade, o sujeito se liquefaz, como apontou Zygmunt Bauman, e agora, com a realidade virtual, ele talvez se disperse em identidades múltiplas, performáticas e temporárias.

O sujeito não é mais uno: ele é "loginável", programável, personalizável.

Num ambiente virtual, alguém pode viver como um guerreiro viking, um gato falante ou um avatar neutro, sem gênero definido. E, às vezes, se sente mais verdadeiro assim. O "real" deixa de ser o critério da autenticidade. Como já dizia Jean Baudrillard, o simulacro ultrapassa o original — o virtual se torna mais significativo do que o real.

Cotidianos que nos escapam pelas telas

Quantas vezes você entrou numa sala virtual para uma reunião e sentiu que o ambiente — os olhares, os gestos, o tempo — não seguia mais as mesmas regras da vida física? Ali, a subjetividade é outra: somos falas, expressões faciais artificiais, reações digitadas. E mesmo assim, sentimos. Rimos. Ficamos tensos. Temos vergonha. A subjetividade se adapta.

Exemplo: uma criança de nove anos, tímida na escola, descobre-se desinibida num jogo em RV. Ela cria um personagem falante, criativo e ousado. Seus pais a observam e se perguntam: "é ela mesma ou uma outra pessoa?"

O corpo como memória virtual

Mesmo quando a realidade é virtual, o corpo reage. O coração acelera. A mão sua. Os músculos se contraem. A filosofia do corpo, como nos lembra Maurice Merleau-Ponty, insiste: não temos um corpo — somos um corpo. E esse corpo, mesmo imerso em bits e avatares, continua sendo nosso ponto de contato com o mundo.

Mas agora é um corpo intermediado, reconfigurado — que sente, mas não se mostra por inteiro. A nova subjetividade é um jogo entre o que se quer mostrar e o que se deseja esconder.

A subjetividade como performance

A filósofa Judith Butler trouxe a ideia de que a identidade é performativa — ou seja, ela se constrói na repetição de atos. Na RV, isso é ainda mais literal. A cada login, a cada escolha de avatar, a cada gesto encenado num mundo virtual, o sujeito se constitui. Não por essência, mas por performance em rede.

Somos aquilo que repetimos: o modo como clicamos, falamos, gesticulamos — mesmo no ambiente simulado.

E afinal, quem somos?

O que muda com tudo isso? Talvez não sejamos mais sujeitos estáveis, como se acreditava. Somos experiências conectadas, em constante mutação, criando realidades internas e externas ao mesmo tempo. A realidade virtual não cria só um outro mundo — ela recria o eu.

O filósofo brasileiro José Gil, ao falar sobre o corpo e a imagem, nos lembra que a subjetividade não está presa ao corpo, mas se expande em zonas de visibilidade e presença. Com a RV, ganhamos novas zonas. Novos rostos. Novas máscaras. E, talvez, novos espelhos.

Em tempo: talvez estejamos todos nos tornando um pouco mais plurais, um pouco menos fixos. O mundo virtual não é um escape da realidade — é uma realidade a mais, onde a subjetividade se torna múltipla, instável, e, quem sabe, mais verdadeira em sua própria inconstância.


segunda-feira, 19 de maio de 2025

Estética na Educação

Quando o aprender encontra o belo...

Dizem que estudar é chato, que escola é lugar de prova, e que aprender dói. Mas será mesmo que a educação precisa ser tão árida, tão sem cor? Às vezes me pego pensando: e se houvesse mais beleza no processo de aprender? Não falo de enfeites, cartazes coloridos ou apresentações de PowerPoint com transições dramáticas. Falo de estética no sentido mais profundo — como forma sensível de perceber, viver e significar o mundo. Será que o que falta à educação não é conteúdo, mas encanto?

No fundo, todo conhecimento começa com um gesto estético: o olhar curioso da criança que se encanta com uma folha caída, o silêncio atento diante de uma história bem contada, ou o arrepio ao ouvir uma música que traduz algo que sentíamos sem saber nomear. Antes de sabermos, sentimos. E talvez o erro da educação moderna tenha sido inverter essa ordem.

O erro da abstração prematura

Na ânsia de preparar para o mercado, muitas escolas encurtam o tempo da contemplação. Tudo precisa ter um objetivo prático, uma utilidade mensurável. A estética, nesse modelo, é vista como distração. Mas como dizia Friedrich Schiller em suas Cartas sobre a Educação Estética do Homem, sem beleza, o ser humano não se desenvolve integralmente. Ele acreditava que a estética não é mero adorno, mas uma ponte entre a razão e o sentimento — um caminho para a liberdade interior.

Quando uma criança aprende geometria desenhando mandalas, ou história lendo romances, ou ciências observando nuvens, algo se transforma. O conteúdo não é apenas assimilado — é experienciado. Ele toca, ressoa, envolve. A educação deixa de ser uma corrida por notas e se torna um processo de formação da sensibilidade.

Como ensinar o bom e o belo

É aqui que entra uma pergunta antiga e sempre urgente: como ensinar o bom e o belo ao mesmo tempo? A ética e a estética não são caminhos separados. Quando ensinamos com beleza, educamos também o olhar para o que é justo, harmonioso, verdadeiro. E vice-versa: ensinar o que é bom — com respeito, diálogo e empatia — é um gesto profundamente estético.

Um exemplo simples: ensinar uma criança a cuidar de uma planta. Há ali o gesto do cultivo (o bom), mas também a percepção da forma, da cor, do ritmo da natureza (o belo). Ou ainda: quando promovemos rodas de conversa em que cada um escuta e fala com tempo e cuidado, estamos ensinando ética através de uma estética da convivência.

A professora que entra em sala com ternura no olhar, o professor que constrói as aulas com ritmo e pausa, como se fossem cenas de um teatro sensível — ambos estão ensinando mais do que o conteúdo. Estão mostrando que o bom e o belo são formas de estar no mundo.

A estética como forma de ver o outro

Há ainda uma dimensão ética na estética. O filósofo brasileiro Jorge Larrosa sugere que o ato de ensinar deveria ser, antes de tudo, um convite à escuta, à presença, à hospitalidade. E esses gestos são estéticos: envolvem ritmo, tom, pausa, gesto, espaço. Um professor pode repetir o mesmo conteúdo todos os anos, mas a forma como ele olha para a turma, como organiza as palavras, como responde às perguntas — isso é arte viva.

Educar esteticamente é ensinar o olhar. É fazer com que o aluno perceba nuances, reconheça formas, e aprenda a habitar o mundo com mais atenção. Um exercício de leitura pode ser uma coreografia entre olhos e mente; uma discussão pode ter o ritmo de uma partitura. Quando tudo se reduz a certo ou errado, perde-se a chance de formar sujeitos sensíveis à ambiguidade, à complexidade, ao inacabado — ou seja, à própria vida.

O mundo como sala de aula

A educação estética rompe os muros da escola. Um passeio por uma praça pode ensinar mais sobre proporção, ecologia e política do que uma aula expositiva. Observar a arquitetura de um bairro, os silêncios de uma conversa, os traços de um grafite, são formas de estudar o mundo como quem contempla uma obra aberta, cheia de camadas.

O filósofo francês Gaston Bachelard dizia que precisamos sonhar o mundo para compreendê-lo. E o sonho é um território estético. Uma educação sem sonho é uma educação que forma para o funcionamento, não para a criação.

O que Paulo Freire teria a dizer

Na Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire nos convida a pensar a educação não apenas como um ato técnico, mas como um gesto profundamente ético e estético. Para ele, ensinar exige respeito à autonomia do outro, o que implica um compromisso ético com a dignidade humana. A ética em Freire está ligada à responsabilidade do educador em não manipular, em não doutrinar, mas em criar condições para que o educando se torne sujeito de sua própria história. Ao mesmo tempo, há uma dimensão estética presente quando ele fala da alegria de ensinar, do cuidado com a linguagem e da sensibilidade para perceber a beleza no processo de aprendizagem. A ética e a estética se entrelaçam quando educar é também um ato de amor, generosidade e criatividade.

Freire compreende que a prática educativa deve ser bela no sentido de ser coerente com a esperança e a possibilidade de transformação. Ele recusa uma educação feia, autoritária, bancária, que apenas deposita informações. A estética, portanto, não está separada do conteúdo, mas atravessa o modo como o conhecimento é construído com o outro. Quando o educador respeita o tempo do aluno, escuta sua vivência e compartilha saberes, realiza um ato estético, porque cultiva a harmonia do diálogo e da construção conjunta. A ética garante o compromisso com a justiça e a liberdade; a estética revela-se no modo como essa relação é tecida com sensibilidade, beleza e presença. Em Freire, educar é um ato artístico e ético, profundamente humanizador.

Para encerrar (ou começar)

Talvez o grande desafio seja esse: transformar a educação de um mecanismo em uma experiência estética. Isso não significa abandonar o rigor, mas reencantar o processo. Fazer com que o saber vibre, emocione, seduza. Um bom professor é também um artista — alguém que conhece o valor do silêncio, do tempo certo, do gesto inesperado.

Se a estética é o campo do sensível, então educar esteticamente é lembrar que aprender é, antes de tudo, sentir. E sentir é o primeiro passo para pensar diferente. Ensinar o bom e o belo não é impor padrões, mas cultivar olhares. E onde há beleza, há possibilidade de transformação.

No fim, talvez devêssemos reaprender com as crianças: o mundo é mais bonito quando olhado com olhos curiosos — e toda educação que vale a pena começa com esse olhar.


sábado, 3 de maio de 2025

Amor Filosófico

Dizem que o amor cega, mas talvez ele apenas abra os olhos para um mundo que não se encaixa nas categorias rígidas da razão. Numa conversa de bar ou numa caminhada solitária, ele pode surgir como um problema filosófico: o que é o amor? Sentimento? Escolha? Ilusão? Ou uma estrutura profunda que sustenta a própria experiência de existir?

O amor filosófico não é apenas um conceito abstrato dos livros, mas uma força que molda nossa relação com a verdade, a ética e a própria identidade. Platão, por exemplo, em "O Banquete", descreve o amor como um desejo de alcançar o Belo e o Bem, uma escada que leva da paixão carnal à contemplação do divino. Spinoza, por outro lado, vê o amor como um caminho para a liberdade, pois amar é compreender, e compreender é dissolver as correntes do medo e da ignorância.

Mas o amor filosófico não precisa ser apenas uma busca transcendente. Ele pode ser um método de viver. Nietzsche provocaria: e se amássemos sem querer domesticar o outro? Sem projetar nele nossas carências e expectativas? Hannah Arendt talvez nos lembrasse que o amor tem um caráter político: ele constrói laços, mas também pode destruir, afastando-nos do espaço público e nos encerrando numa bolha subjetiva.

Hoje, vivemos em tempos onde o amor se tornou um mercado de performances. Persegue-se a compatibilidade algorítmica, romantiza-se a ideia de "alma gêmea", mas teme-se o compromisso real, que exige trabalho e transformação. Talvez seja hora de resgatar o amor como um ato filosófico, onde amar não é consumir o outro, mas criar junto com ele um mundo que antes não existia.

Se o amor cega, que seja apenas para que possamos enxergar além das aparências, além da superfície das convenções e das fórmulas prontas. Um amor filosófico é aquele que pergunta, que se inquieta, que não se contenta com a resposta fácil. Talvez, no fim das contas, amar seja uma forma de filosofar – e filosofar, a mais intensa forma de amar.

 


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Inteligência Difusa

O Mundo como Mente Expandida

Vi um garoto na praça abraçando uma árvore. Não tinha celular, não falava com ninguém, só encostava o rosto no tronco e fechava os olhos, como se estivesse ouvindo alguma coisa que a gente não escuta. Aquilo me paralisou por uns segundos. Parecia um gesto antigo, mas ao mesmo tempo novo — como se o menino tivesse descoberto um jeito de conversar com o mundo.

Fiquei ali, observando. E me perguntei: será que aquela árvore estava pensando junto com ele? Não no sentido humano de raciocínio, mas num tipo de inteligência que escapa ao que a gente costuma chamar de mente. Uma inteligência que circula entre as coisas, que pulsa nos espaços, nos seres, nos códigos e nos encontros.

Há um pressuposto antigo, cada vez mais redescoberto, de que a inteligência não está confinada ao crânio humano, nem aos algoritmos sofisticados que fabricamos. Ela pulsa em toda parte, como um campo invisível que permeia o real. Os estoicos chamavam isso de Logos, uma razão universal que organiza o mundo. Spinoza, por sua vez, via Deus em tudo — não como um velhinho julgador nos céus, mas como a substância infinita que se expressa em todas as coisas.

A ideia, embora antiga, continua escandalosa para o pensamento moderno, que ainda insiste em separar mente e matéria, humano e natureza, sujeito e objeto. Mas e se estivermos cercados por uma rede de inteligência silenciosa, paciente, que não precisa se manifestar em linguagem articulada para existir? E se a intuição, o pressentimento, o insight repentino, forem modos de conexão com essa teia maior?

Resolvi trocar uma ideia com um dos meus filósofos favoritos, trouxe Wittgenstein para dialogar e logo pensei: É aí que Wittgenstein entra na conversa. Em sua primeira fase, no Tractatus Logico-Philosophicus, ele afirmou que "os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo". Ou seja, só podemos pensar e compreender aquilo que conseguimos nomear. Mas, paradoxalmente, ele termina a obra dizendo que "sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar". De certa forma, ele reconhecia que havia algo para além da linguagem — algo essencial, porém indizível. O silêncio, então, não era ausência de sentido, mas talvez sua plenitude.

Mais tarde, nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein muda de rota e passa a ver a linguagem como algo vivo, ligado aos jogos da vida, aos contextos, aos usos múltiplos. Isso abre uma brecha ainda maior para pensarmos que a inteligência está não só nas palavras, mas no gesto, no olhar, no ritual silencioso do cotidiano. Um jogo de linguagem pode ser o jeito que uma mãe embala um filho, ou o modo como alguém encosta a mão numa árvore e sente algo sem saber dizer o quê.

Uma citação marcante de Wittgenstein que expressa bem essa visão mais ampla e viva da linguagem, presente nas Investigações Filosóficas, é:

“Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem.”
(Tractatus Logico-Philosophicus)

Mais tarde, nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein muda de rota e passa a ver a linguagem como algo vivo, ligado aos jogos da vida, aos contextos, aos usos múltiplos. Ele escreve:

“Falar uma linguagem é participar de uma forma de vida.”
Isso redefine de forma profunda o que entendemos por comunicação. A linguagem deixa de ser apenas um código racional para transmitir informações e passa a ser uma prática encarnada, vivida, compartilhada no cotidiano. Comunicação não é só o que dizemos, mas o que fazemos com o que dizemos — e até com o que não dizemos.

Quando alguém consola em silêncio, quando um cão abana o rabo, quando duas pessoas se olham e entendem algo sem trocar palavras — tudo isso são jogos de linguagem, no sentido amplo que Wittgenstein propõe. Não existe uma linguagem única; existem muitas, tantas quantas forem as formas de vida possíveis. O gesto, o som, o ritmo, o afeto, o cheiro, o tom — tudo comunica.

Essa visão desestabiliza a ideia de que só é válido o que é lógico, explícito, verbalizado. Ela convida a reconhecer a inteligência que opera nas entrelinhas, nas vibrações sutis, nos modos de estar no mundo. O próprio fato de uma criança falar com uma árvore, como na cena inicial, deixa de ser visto como delírio ou imaginação infantil e passa a ser um outro tipo de comunicação — uma participação em uma forma de vida diferente da nossa, mas nem por isso inferior.

Se aceitamos essa pluralidade da linguagem, então também ampliamos a noção de inteligência: deixamos de restringi-la à lógica formal e passamos a vê-la nos saberes do corpo, nos rituais cotidianos, nos conhecimentos ancestrais, nas emoções que movem decisões sem que saibamos explicar como ou por quê.

E, nesse sentido, conectar-se com a inteligência que está em todos os lugares é também reconhecer que estamos sempre nos comunicando com o mundo — mesmo quando calamos. A folha que cai e nos distrai, o cheiro do café que nos lembra alguém, o toque de uma mão que não diz, mas cura — tudo isso são falas, mensagens, presenças.

Wittgenstein, ao tirar a linguagem de um trono lógico e trazê-la para o chão da vida, nos convida a escutar de um outro jeito. E talvez, ao escutar melhor o mundo, descubramos que ele sempre nos respondeu — só que com outro vocabulário.

Já a física quântica sugere que partículas se entrelaçam a distâncias imensas, como se houvesse um tipo de consciência coordenando o todo. Algumas tradições indígenas falam com as montanhas, escutam os rios, pedem licença às pedras. Não por misticismo puro, mas por reconhecer que há ali uma presença, uma sabedoria que não se expressa como a nossa, mas nem por isso é menor.

A dificuldade está em aceitar que essa inteligência não tem um rosto, nem uma assinatura. Ela não se impõe; ela se insinua. Está na coincidência que parecia acaso, mas era recado. Está na pausa antes de tomar uma decisão, quando algo em você diz “espera mais um pouco”. Está no modo como um animal te olha e parece saber exatamente quem você é, sem que você diga nada.

Talvez o maior desafio não seja encontrar essa inteligência, mas desaprender o ruído que nos impede de reconhecê-la. A pressa, o julgamento imediato, o excesso de racionalização — tudo isso nos desconecta. O retorno à escuta profunda, ao olhar desarmado, ao silêncio fecundo, nos aproxima. Não é preciso fazer muito. Às vezes, basta andar devagar, olhar para o céu como quem pergunta e aguarda, ou conversar com uma árvore sem achar que é loucura.

Wittgenstein diria que certos sentidos não cabem na linguagem, mas ainda assim nos atravessam. Talvez a inteligência que está em todos os lugares seja uma dessas experiências inomináveis, que só se entende quando se vive. O que está fora das palavras, muitas vezes, é exatamente o que dá sentido à vida. Ele nos faz um convite à criatividade comunicacional. 

Talvez seja necessário criar pontes, gestos, rituais, novas formas simbólicas. Wittgenstein, nesse ponto, nos convida menos a uma teoria e mais a uma prática ética da atenção ao outro. Wittgenstein parece sugerir que o entendimento é possível quando há sobreposição suficiente entre formas de vida. Ou seja, comunicação existe, mas não como tradução perfeita — e sim como aproximação sensível, como quando aprendemos um novo idioma “por imersão”.


quinta-feira, 27 de março de 2025

Além da Subjetividade

Eu estava caminhando pela praça quando me dei conta de uma cena banal: um cachorro cheirando uma árvore com total concentração, como se decifrasse um livro invisível. Parei para observar. Ali, naquele instante, percebi algo desconcertante: aquele animal não precisava de linguagem, símbolos ou conceitos para existir plenamente naquele momento. Sua experiência não era mediada por interpretações, desejos ocultos ou dilemas existenciais. Apenas estava. E então me perguntei: o que existe além da subjetividade humana?

A subjetividade sempre foi o epicentro da filosofia moderna. Descartes inaugurou uma tradição que coloca o "eu penso" como fundamento de toda certeza, e Kant nos trancou em uma estrutura cognitiva que molda nossa experiência do mundo. Tudo o que conhecemos parece passar por essa mediação subjetiva. Mas será que essa perspectiva esgota todas as formas de existência e de conhecimento?

Ao longo da história, algumas tradições filosóficas buscaram escapar da bolha da subjetividade. O zen-budismo, por exemplo, propõe um estado de consciência não dualista, onde a separação entre sujeito e objeto se dissolve. A fenomenologia de Merleau-Ponty também questiona essa divisão rígida, apontando para um entrelaçamento entre corpo e mundo, onde a percepção não é um ato puramente interno, mas uma abertura para a alteridade.

No campo da ciência, neurocientistas e biólogos investigam formas de cognição não humanas. Polvos, por exemplo, possuem um sistema nervoso distribuído, onde a inteligência não está centralizada em um "eu" pensante, mas espalhada pelo corpo. Isso desafia nossa concepção tradicional de consciência e nos força a reconsiderar se o humano é, de fato, o modelo universal de percepção e compreensão.

E se, em vez de nos limitarmos ao nosso próprio esquema mental, tentássemos acessar outras formas de ser? E se o real não precisasse ser sempre filtrado pela interpretação humana? Talvez haja uma realidade vibrante que escapa ao nosso olhar subjetivo, uma riqueza de presenças que não precisam ser nomeadas para existirem plenamente. A experiência direta, sem as camadas de mediação conceitual, pode ser um caminho para vislumbrar esse "além".

Uma possível experiência humana que poderia transcender a subjetividade é o estado de fluxo absoluto, onde a consciência se dissolve na própria ação. Um exemplo disso pode ser encontrado em dançarinos, músicos ou atletas que atingem um momento de pura imersão, onde não há mais distinção entre aquele que age e a ação em si. O corpo se move sem uma intenção consciente, sem um "eu" que comanda cada gesto. É uma entrega total ao presente, onde a experiência se torna um fluxo contínuo, livre das amarras da interpretação pessoal.

Houve um instante, enquanto pescava solitário, frente à imensidão do mar, em que tudo desapareceu: o tempo, os pensamentos, até mesmo a consciência de estar ali. O movimento das ondas parecia me integrar a algo maior, como se eu já não fosse um observador, mas parte da própria respiração do oceano. O fio da linha era uma extensão de mim, e a espera pelo peixe deixou de ser espera – era apenas um instante sem começo nem fim. Quando senti o puxão e recobrei a percepção de mim mesmo, foi como emergir de um mundo sem palavras, onde a existência era pura e indissolúvel.

No fim das contas, talvez a subjetividade humana seja menos uma prisão e mais um convite: um convite para sair de si e perceber que há um mundo pulsante que nunca dependeu de nossa interpretação para existir.


sábado, 22 de março de 2025

Fantasma na Maquina

Outro dia, enquanto observava um amigo lutando com um novo celular, fiquei pensando: por que ainda insistimos na ideia de que mente e corpo são entidades separadas? Meu amigo praguejava contra a tecnologia, mas ao mesmo tempo parecia quase esperar que o aparelho entendesse seu desespero. Ali, naquele embate entre homem e máquina, vi um reflexo do que Gilbert Ryle chamaria de "o erro categorial" – a velha crença no fantasma na máquina.

Ryle, em sua crítica ao dualismo cartesiano, nos alerta contra a ilusão de que a mente seja uma substância distinta do corpo, um fantasma controlando uma engrenagem. Para ele, essa separação é um mal-entendido filosófico, uma confusão semelhante a tentar encontrar a "universidade" ao olhar apenas para os edifícios, salas e corredores de um campus. A mente não é um lugar escondido dentro do corpo; ela se manifesta nas próprias ações e comportamentos de um indivíduo.

Tomemos, por exemplo, o caso de alguém jogando xadrez. Para um dualista, há um "pensador" interno elaborando as jogadas e depois ordenando as mãos a moverem as peças. Para Ryle, isso é um absurdo: a inteligência não está dentro da cabeça como um pequeno ser estrategista, mas sim na própria prática do jogo, nas habilidades demonstradas ao longo das partidas. A mente é comportamento, não uma substância invisível manipulando cordas.

Isso tem implicações profundas para como encaramos a consciência, a identidade e até a inteligência artificial. Quando falamos em "mentes" de robôs ou "consciência" de inteligências artificiais, talvez estejamos apenas projetando a velha crença dualista. Um algoritmo pode exibir comportamento inteligente, mas isso significa que pensa? Ou estamos, mais uma vez, vendo fantasmas onde há apenas engrenagens simbólicas?

A beleza da proposta de Ryle é que ela nos convida a repensar a forma como descrevemos a experiência humana. Em vez de nos preocuparmos em localizar a mente em algum "lugar secreto", talvez devamos prestar mais atenção às expressões, gestos e atitudes que fazem de cada um de nós quem somos. E, se olharmos bem, veremos que nunca houve um fantasma na máquina – apenas a própria máquina, vivendo e se expressando de forma incrivelmente complexa.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Tabula Rasa - Inquietante

Certa manhã, ao atravessar a cidade ainda despertando, vi um homem caminhando com o olhar perdido, como se estivesse preso em um sonho do qual não conseguia acordar. Não era um caso clínico de sonambulismo, mas algo mais sutil: uma forma de existir no mundo sem realmente estar nele. Era como se sua mente fosse uma folha em branco sobre a qual nunca escreveram nada, ou pior, um quadro que alguém insiste em apagar todos os dias.

A metáfora da "tábula rasa" percorre a história da filosofia há séculos. Da concepção aristotélica, passando por John Locke, até as críticas contemporâneas, a ideia de que nascemos como uma página em branco sobre a qual a experiência escreve é, ao mesmo tempo, libertadora e inquietante. Se somos apenas o resultado das influências externas, então onde está nossa autonomia? E se, ao invés de protagonistas, fôssemos apenas sonâmbulos perambulando por narrativas que nunca escolhemos?

O mundo moderno, saturado de informações, paradoxalmente não nos desperta, mas nos mantém em um estado de sonambulismo existencial. Movemo-nos pelas ruas, ocupamos funções, consumimos conteúdos, mas muitas vezes sem verdadeira reflexão. A tábula rasa não é mais aquela superfície pura e receptiva, mas uma lousa onde os algoritmos, a publicidade e as pressões sociais apagam e reescrevem incessantemente o que acreditamos ser. Quem somos, afinal, quando tudo ao redor dita o que devemos desejar, temer e amar?

A teoria da tábula rasa foi frequentemente criticada por sugerir uma maleabilidade extrema da mente humana, como se fôssemos meros recipientes esperando ser preenchidos. Steven Pinker, por exemplo, argumenta que a neurociência e a genética desmontam essa visão simplista: não somos apenas moldados pelo ambiente, há predisposições inatas que influenciam nossa forma de agir e pensar. Mas mesmo que admitamos essa mistura de biologia e experiência, a questão persiste: o quanto de nossas vidas é vivido conscientemente e o quanto é apenas repetição de padrões introjetados?

Talvez o problema não seja apenas a tábula rasa, mas o estado sonâmbulo em que nos encontramos. É fácil aceitar as estruturas impostas quando se está entorpecido, quando não se faz perguntas. O filósofo Theodor Adorno criticava essa passividade ao afirmar que a indústria cultural transforma indivíduos em consumidores dóceis, incapazes de resistência crítica. E se nossa apatia não fosse uma escolha, mas o efeito de uma programação constante, como um quadro negro apagado antes que qualquer pensamento se torne permanente?

Despertar desse estado exige esforço, exige perguntar-se sobre o que realmente se pensa e por quê. Requer coragem para desafiar as histórias que nos contam sobre nós mesmos e para reivindicar a autoria da própria existência. Talvez nunca sejamos páginas totalmente em branco, mas também não precisamos aceitar que sejam outros a escrever por nós. O desafio é sair desse sonambulismo e aprender a empunhar a própria pena.


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Forma Evocativa

A "forma evocativa" é como a arte de provocar uma reação profunda, algo que vai além do que se vê à primeira vista. No sentido filosófico, isso nos leva a pensar não apenas na superfície das coisas, mas nas camadas mais profundas que despertam sentimentos, reflexões e conexões.

No nosso cotidiano agitado, estamos cercados por exemplos dessa forma evocativa. Pense naquela música que toca na rádio e imediatamente te transporta para um momento especial da sua vida, evocando sentimentos de nostalgia ou alegria intensa. A música é mais do que uma sucessão de notas; ela é capaz de nos conectar com memórias e emoções de forma poderosa.

Da mesma forma, um filme pode não ser apenas uma sequência de imagens em movimento, mas uma história que nos faz refletir sobre questões universais da condição humana. O diretor usa a forma cinematográfica não apenas para entreter, mas para provocar uma profunda introspecção sobre temas como amor, perda, esperança e redenção.

A literatura também é mestra na forma evocativa. Um simples livro pode nos transportar para mundos imaginários, nos fazer sentir como se estivéssemos na pele de personagens fictícios, e nos fazer questionar nossas próprias convicções e ideias sobre a vida.

No entanto, a forma evocativa não se limita apenas às artes. No nosso dia a dia, encontramos momentos que nos surpreendem e nos tocam profundamente. Pode ser um gesto de bondade inesperado de um estranho, que nos lembra da compaixão humana em meio às dificuldades da vida. Ou um pôr do sol que nos faz parar por um momento e contemplar a beleza efêmera da natureza.

Filosoficamente falando, a forma evocativa nos lembra da capacidade do ser humano de transcender o ordinário e buscar significado em nossas experiências. Ela nos desafia a não nos contentarmos com o superficial, mas a explorar as camadas mais profundas das nossas interações, das nossas criações e do nosso próprio entendimento sobre o mundo. 

Portanto, que possamos todos cultivar uma apreciação maior pela forma evocativa ao nosso redor. Que possamos estar abertos não apenas ao que vemos e ouvimos, mas também ao que sentimos e compreendemos de forma intuitiva e emocional. Pois é nesses momentos de conexão genuína que encontramos verdadeiro significado e enriquecemos nossa jornada humana. 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Antigo Eu

Quando chegamos principalmente num estágio avançado de nossa vida olhamos para trás no tempo e vemos nosso “antigo eu” se movimentando até chegar onde estamos hoje. Então porque não explorar o tema do "antigo eu", penso que seja essencial para compreender a trajetória de nossas vidas, pois nos permite refletir sobre as mudanças e evoluções que moldam nossa identidade ao longo do tempo. Ao analisar nossas experiências passadas, interações e valores, podemos reconhecer nossos progressos, aprender com os erros e aceitar a pessoa que fomos, tudo isso contribuindo para um crescimento pessoal contínuo e um maior autoconhecimento. Essa introspecção não só nos ajuda a apreciar o quanto já conquistamos, mas também nos prepara para enfrentar o futuro com uma perspectiva mais consciente e enriquecida.

Ao longo da vida, cada um de nós experimenta uma série de transformações que moldam nossa identidade e nos ajudam a crescer. Este artigo explora as diferentes maneiras pelas quais mudamos, introduzindo situações cotidianas que ilustram essa fascinante jornada do "antigo eu" ao "novo eu".

Mudanças Através das Experiências de Vida

Educação e Aprendizado: Lembra daquela vez em que você entrou na sala de aula pela primeira vez, com uma mistura de nervosismo e empolgação? Ou quando começou um novo curso, talvez de culinária ou fotografia? Cada aula, cada novo conhecimento adquirido, acrescenta camadas à nossa identidade. Aquele "antigo eu" que não sabia fritar um ovo agora faz pratos dignos de um chef!

Relações e Interações: Pense em seus amigos de infância e compare-os com as pessoas de quem você é próximo hoje. A cada nova amizade ou relacionamento, somos expostos a novas perspectivas e influências. Talvez o "antigo eu" fosse tímido e reservado, mas graças à influência de amigos extrovertidos, agora você é a vida da festa (ou não).

Eventos Significativos: Momentos marcantes, como o primeiro emprego, a mudança para uma nova cidade, ou até mesmo a superação de um desafio pessoal, são pontos de inflexão. Lembra da primeira vez que você foi morar sozinho? O "antigo eu" dependia dos pais para tudo; o novo você sabe fazer compras, pagar contas e consertar uma torneira que pinga.

Desenvolvimento Pessoal e Emocional

Maturidade: A adolescência pode ser um turbilhão de emoções, mas à medida que envelhecemos, ganhamos maturidade e perspectiva. Aquele "antigo eu" que explodia por qualquer coisa, hoje sabe respirar fundo e contar até dez antes de reagir. Experiências acumuladas e lições aprendidas nos ajudam a lidar melhor com as adversidades da vida.

Valores e Crenças: Mudanças nos valores e crenças são comuns. Talvez o "antigo eu" valorizasse mais o sucesso material, mas agora você encontra maior satisfação em contribuir para a comunidade. Esta mudança pode ser fruto de reflexões profundas ou de experiências que abriram seus olhos para novas realidades.

A Variabilidade na Percepção da Mudança

Resistência à Mudança: Nem todos mudam da mesma forma ou na mesma velocidade. Conhece aquela pessoa que sempre vai ao mesmo restaurante e pede o mesmo prato há anos? Ela pode ter uma resistência maior a mudanças. Isso não significa que ela não mude, mas sim que as mudanças podem ser mais sutis e menos frequentes.

Autopercepção: Às vezes, a mudança é evidente para os outros, mas não para nós mesmos. Alguém pode olhar para você e ver uma pessoa completamente diferente de quem você era há cinco anos, mas, na sua mente, você ainda se sente a mesma pessoa. A autopercepção é subjetiva e pode ser influenciada por vários fatores, incluindo nossa própria autocrítica ou falta de reflexão.

Exceções e Especificidades

Pessoas com Condições Especiais: Algumas condições de saúde mental podem afetar a capacidade de uma pessoa de mudar ou refletir sobre seu antigo eu. Por exemplo, transtornos de personalidade podem fazer com que alguém mantenha padrões de comportamento consistentes ao longo do tempo.

Ambientes Estagnantes: Em ambientes extremamente controlados ou isolados, as oportunidades de mudança podem ser limitadas. Pense em alguém que viveu a vida inteira em uma comunidade muito fechada, com poucas influências externas. A exposição limitada a novas ideias e experiências pode resultar em menos mudanças perceptíveis.

A jornada do "antigo eu" ao "novo eu" é única para cada pessoa. Cada um de nós tem a capacidade de mudar, seja através de grandes eventos de vida, interações diárias, ou momentos de introspecção. Aqui estão algumas maneiras de refletir sobre sua própria jornada:

Reconhecimento de Mudanças Positivas: Olhe para trás e veja o quanto você cresceu. Talvez você tenha superado um medo antigo ou aprendido uma nova habilidade. Celebrar essas conquistas pode ser uma forma poderosa de reconhecer seu progresso.

Aprendizado com Erros: Todos cometemos erros, mas é importante aprender com eles. O "antigo eu" pode ter tomado decisões impensadas, mas essas experiências são oportunidades de aprendizado que moldam quem somos hoje.

Aceitação e Perdão: Aceitar e perdoar o antigo eu por quaisquer falhas ou arrependimentos é crucial para seguir em frente. Todos nós mudamos e crescemos, e é importante reconhecer que a pessoa que éramos fez o melhor que podia com o que sabia na época.

Exemplos do Cotidiano

Mudança de Perspectiva: Talvez você fosse cético em relação a certas ideias, como a importância da meditação. Depois de experimentar por um tempo, você percebe os benefícios e se torna um defensor. O "antigo eu" que zombava da prática agora a considera essencial.

Comportamento: Alguém que era impulsivo na juventude pode desenvolver maior autocontrole com o tempo. Lembra daquela vez em que você gastou todo o salário em algo impulsivamente? Agora, o novo você faz um orçamento cuidadoso e pensa duas vezes antes de gastar.

Valores: Os valores e prioridades mudam ao longo do tempo. Talvez o "antigo eu" priorizasse a carreira acima de tudo, mas depois de se tornar pai ou mãe, a família passou a ser o foco principal. Essa mudança reflete um profundo crescimento e reavaliação do que é mais importante na vida.

A mudança é uma parte inevitável e essencial da vida. Cada experiência, relacionamento e reflexão contribui para a nossa evolução. Seja através de pequenas adaptações diárias ou grandes transformações, todos nós temos um "antigo eu" que nos ajuda a apreciar o quão longe chegamos. Celebrar essas mudanças, aprender com o passado e olhar com esperança para o futuro nos permite continuar nossa jornada de autodescoberta e crescimento contínuo. 

sábado, 13 de abril de 2024

Tabula Rasa

Você já parou para pensar como tudo que você sabe hoje foi um dia apenas um vazio esperando para ser preenchido? Parece meio maluco, né? Mas é isso que a teoria da tabula rasa nos diz. Imagine sua mente como uma lousa em branco, pronta para ser preenchida com todas as cores e formas do mundo ao seu redor. É essa a ideia que tem intrigado filósofos, psicólogos e até mesmo nós, seres comuns, há séculos.

A história dessa ideia remonta a nomes famosos como o filósofo britânico John Locke, que lá no século XVII lançou a bomba: nós nascemos sem saber de nada! Nenhuma pista, nenhum conhecimento prévio. É como se estivéssemos todos começando o jogo do zero.

E não é difícil de acreditar, certo? Pense nas crianças ao seu redor. Elas estão constantemente absorvendo informações, aprendendo palavras novas, descobrindo o mundo ao seu redor. Não é à toa que dizem que a infância é a fase mais importante da vida, quando estamos mais abertos a absorver tudo quase como uma esponjinha.

Mas vamos dar uma olhada em como isso funciona no dia a dia. Imagine um bebê. Ele nasce sem saber o que é um cachorro, uma árvore, ou até mesmo o próprio rosto. Mas aos poucos, vai reconhecendo essas coisas através da experiência sensorial: sentindo o cheiro do cachorro, tocando a textura da árvore, vendo seu próprio reflexo no espelho. É assim que a lousa vai sendo preenchida, uma experiência de cada vez.

A tabula rasa também tem suas ramificações na educação. Pense nos professores como os artistas que ajudam a preencher essa lousa. Eles têm o desafio de tornar o aprendizado divertido e envolvente, porque estão lidando com mentes em branco sedentas por conhecimento. Eles precisam encontrar maneiras criativas de ensinar, de fazer com que cada lição seja uma nova pincelada no quadro da mente.

Mas, é claro, nem todo mundo concorda com essa ideia. Alguns argumentam que há certas coisas que já nascemos sabendo, como instintos básicos de sobrevivência, ou até mesmo predisposições genéticas para certos talentos. Eles apontam para estudos que mostram que, mesmo desde muito jovens, os seres humanos parecem ter uma compreensão intuitiva de certos conceitos.

No fim das contas, a tabula rasa é mais do que apenas uma teoria acadêmica. É uma ideia que nos faz refletir sobre a natureza da mente humana, sobre como aprendemos e nos desenvolvemos ao longo da vida. Então, da próxima vez que olhar para uma criança brincando inocentemente, lembre-se: ela está construindo seu próprio mundo, um traço de cada vez, em uma lousa em branco chamada mente humana.

Uma situação adicional em que podemos mencionar a tabula rasa é ao discutir a formação de opiniões e crenças ao longo da vida. Assim como nossa mente é uma lousa em branco no nascimento, nossa visão de mundo também pode ser considerada inicialmente como uma "tábula rasa", esperando para ser preenchida com ideias, valores e crenças.

Pense em alguém que está sendo exposto a diferentes pontos de vista sobre um determinado assunto, como política, religião ou meio ambiente. Inicialmente, essa pessoa pode não ter uma opinião formada sobre o tema e está aberta a aprender e absorver informações.

Conforme ela é exposta a diferentes perspectivas, argumentos e experiências, sua mente começa a processar essas informações e a formar suas próprias opiniões e crenças. Cada nova informação recebida é como uma peça de quebra-cabeça sendo colocada na lousa em branco da mente, contribuindo para a formação de uma visão mais completa e complexa do mundo.

Essa ideia da mente como uma "tábula rasa" na formação de opiniões também pode ser aplicada em debates contemporâneos sobre polarização política e tribalismo. Às vezes, as pessoas podem ficar presas em bolhas sociais ou filtrar informações de acordo com suas crenças preexistentes, impedindo-as de ver a "tábula rasa" como uma oportunidade para aprender e crescer através da exposição a diferentes perspectivas.

Ao discutir como formamos nossas opiniões e crenças ao longo da vida, podemos mencionar a tabula rasa como uma metáfora poderosa para ilustrar a mente como um receptáculo inicialmente vazio, pronto para ser preenchido com as experiências e influências do mundo ao nosso redor.