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terça-feira, 14 de setembro de 2021

Resenha do livro A Cor Purpura de Alice Walker

A primeira vez que tive contato com esta história foi a muitos anos atrás quando assisti ao filme “A Cor Púrpura” de Steven Spielberg, um dos filmes mais aclamados nos anos 80, estrelado por Whoopie Goldberg, Danny Glover e Oprah Winfrey, foi inspirado no livro de Alice Walker, muitos anos depois li o livro pela primeira vez e a poucos dias reli o livro, a história é tocante e ao mesmo tempo violenta, mostra a realidade de muitas mulheres abusadas em seu ambiente familiar, independentemente da cor da pele, infelizmente a história se repete anos após ano como uma praga mesmo com a existência da importantíssima Lei da Maria da Penha estabelecendo limites e penalidades dirigidos aos monstros que habitam muitos lares, a questão é saber se o monstro por ser monstro ciente da lei o impediria de fazer o que faz, mas ai já é outro papo. Voltemos ao livro.

 

Tanto o filme como o livro, ambos conseguem emocionar quem vê ou lê, quem lê tem a vantagem da imaginação, a história terá um colorido particular, a sensibilidade de cada um dará profundidade a luta uma constante e recorrente, seja ela física, moral ou espiritual.

Ao mesmo tempo a história é portadora de ternura, de amor e de personagens que demonstram sua capacidade de reinvenção e, sobretudo, de muito afeto, a vida de cada personagem está entrelaçada, tendo as mulheres personalidades de superação e luta, lutando cada uma a sua maneira evoluindo à medida que a vida vai lhes proporcionando vivencias e experiências que as tornaram resilientes e maduras.

 

Em 2016, o selo José Olympio republicou “A cor púrpura” de Alice Walker – um livro que marcou época quando foi publicado originalmente, na década de 80. A história foi ambientada no sul dos Estados Unidos antes da Segunda Guerra (e antes do movimento pelos direitos civis), a obra nos apresenta a vida das pessoas negras que viviam no limbo entre a escravidão e a liberdade, um povo sem terra e sem pátria, seja na África, onde nasceram e de onde vieram, seja nos Estados Unidos, onde eram considerados cidadãos de segunda classe, situação que para nós brasileiros é fato histórico bastante conhecido, infelizmente ainda há o repugnante preconceito racial.

 

A história possui pontos cruciais que a elevam de algo simples e triste a uma análise de uma época onde explicitam o feminismo intrínseco, o racismo histórico, questionamento sobre religião, gênero e o papel das mulheres na sociedade, é um retrato que traz à baila muitos aspectos até hoje alvos de lutas sociais.

 

“Celie, fala a verdade, você alguma vez encontrou Deus na igreja? Eu nunca. Eu só encontrei um bando de gente esperando ele aparecer. Se alguma vez eu senti Deus na igreja foi o Deus queu já tinha levado comigo. E eu acho que todo o pessoal também. Eles vão pra igreja para repartir Deus, não para achar Deus.”

 

O livro é um compilado de várias cartas, a maioria escrita por Celie. Celie a personagem principal endereça as cartas, no começo, para o “Querido Deus” – a única “pessoa” que ela acredita que a escutaria, escreve a Ele somente para desabafar, não pede clemencia, inclusive diz que Ele, “talvez estivesse dormindo” por não ver tudo o que estava acontecendo. É nessas cartas e em suas próprias palavras mal escritas (já que ela é semianalfabeta e escreve com dificuldade) que descobrimos que a vida de Celie, desde muito cedo, foi de tristeza e sofrimento, no decorrer da trama vai se construindo uma forte empatia com a anfitriã e muita aversão as situações de sofrimento que envolve aquelas mulheres. Celie é a mais velha entre vários irmãos, órfã de mãe, ela é constantemente estuprada pelo pai e engravida duas vezes. As duas crianças desaparecem e ela acredita que o pai matou o filho e deu a menina para alguém.

 

Celie na tentativa de proteger a irmã mais nova, sofreu constantes abusos sexuais do pai, quando sua mãe morre, o pai decide tirá-la terminantemente de casa, na tentativa de afastá-la da irmã mais nova, Nessie, dando-a em casamento para Albert, um fazendeiro da região que também cortejava sua irmã, que decide fugir em busca de uma vida diferente.

 

Celie é obrigada pelo pai a casar com o seu vizinho fazendeiro Albert, ele é um homem violento e bate nela para que ela “o obedeça”, a trata como um animal desobediente. Isso acontece até aparecer a amante que irá morar com eles, Shug Avery – uma cantora de má reputação que fica doente. O marido de Celie, Albert, é apaixonado por Shug e eles tiveram um caso e três filhos antes dele ser forçado pelo pai a casar com uma “moça de família” que é Celie. Ele traz Shug Avery para casa para que possa cuidar dela.

 

Celie tem dificuldade de reagir a esta nova situação, entre os abusos do pai e os maus tratos do marido, ela afunda na depressão, concentrada em trabalhar na roça e cuidar dos filhos do primeiro casamento de Albert, segue assim neste sofrimento, suas palavras resumem seu sentimento:

“Mas eu num sei como brigar. Tudo o queu sei fazer é cuntinuar viva.”

A situação e reação de Celie surpreendentemente começam a mudar com a chegada de Avery Shug, a amante de Albert. No começo, as duas se estranham. Avery diz para Celie que “ela é mesmo feia”, e Celie se sente pouco à vontade em sua insignificância perto da exuberância de Shug, que emana rebeldia, alta autoestima, segurança e decisão, ela representa tudo que Celie não é.

A relação entre as duas se torna mais próxima, inclusive se tornam amigas, uma se apoia na outra, Shug vai contribuir para a reviravolta na vida de Celie, lhe garantindo autonomia e independência, esse caminho tortuoso, torna a leitura mais empolgante a cada passo dado por Celie em direção à autonomia e liberdade, felicidade é outra coisa que levará muito tempo para ela conquistar, pois as marcas em sua vida são muito profundas, vem desde sua infância até a idade adulta.

 

Ela falou, Dona Celie, é melhor você falar baixo. Deus pode escutar você. Deixa ele escutar, eu falei. Se ele alguma vez escutasse uma pobre mulher negra o mundo seria um lugar bem diferente, eu posso garantir.

 

Toda minha vida eu tive que brigar. Eu tive que brigar com meu pai. Tive que brigar com meus irmão. Tive que brigar com meus primo e meus tio. Uma criança mulher num tá sigura numa família de homem. Mas eu nunca pensei que ia ter que brigar na minha própria casa.” (Celie transcrevendo fala de Sofia)

 

Os demais personagens também são importantes contam boas histórias, simbolizando cada um a embates específicos. Em seu entorno, os negros também sofrem preconceito de raça. Aqueles que ousam se levantar, como Sofia, a esposa de um dos filhos de Albert, acabam tendo um destino ainda pior. Sofia, que não aceitou as agressões gratuitas da esposa do prefeito e a agrediu, acabou atrás das grades, em uma prisão de condições subumanas, que quase a mataram, ficando com graves sequelas.

Trata-se de uma leitura cativante e emocionante, o que fica ao final é uma lição de amor, e também uma sensação de mais narrativas de momentos de felicidade na vida Celie, pois é muito tempo narrando sofrimento, no entanto os sofrimentos foram duras lições na vida de Celie, que aprende a amar a si mesma e aos outros, como após o aprendizado tivesse uma segunda chance, numa outra caminhada, até mesmo Albert tem uma segunda chance, quando fica sozinho e tem que aprender, aos trancos e barrancos, como se cuidar.

 

Fonte:

Walker, Alice. A cor púrpura; tradução Betúlia Machado , Maria José Silveira, Peg Bodelson. - 1. ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2016.