Há muita beleza na
literatura, cabe a cada um de nós buscar esta beleza, melhor falando “resgatar
esta beleza aprisionada” ao encontra-la é importante tentar mantê-la próxima de
nossa mente. Na pré-história no tempo em que vivíamos em cavernas antes mesmo
das inscrições rupestres e das escritas cuneiformes, ela já existia em sua
forma oral, era em seu princípio o conhecimento era transmitido através da
palavra falada a impressão ficava e era transmitido carregado de emoções. Ora e
na palavra escrita também está carregada de emoções, quem já não se espantou
com as diferentes formas de ver a vida?
Conforme
Edival Lourenço, o registro literário desde a escrita rupestre, passando pela
escrita cuneiforme, pelo papiro, pelo pergaminho, pelos incunábulos dos
escribas dos mosteiros medievais, sempre permeou a vida da humanidade. Mas só o
suporte de papel, em um chumaço impresso e encadernado, numa técnica
desenvolvida por Gutenberg, no século 15, vulgarmente conhecido como livro,
permitiu a disseminação massiva dos conteúdos literários.
Querem sentir uma
angustia? Visitem um sebo e analisem as prateleiras, encontrarão cada livro
velho e surrado, comprimido entre tantos outros livros, tanta coisa escrita,
tanto trabalho impresso, tanto conhecimento oprimido e deixado nas prateleiras
do esquecimento, a beleza e o espanto ainda estão presentes em cada livro,
resgatar um deles é trazer a vida um moribundo, extraindo da caverna onde foram
enclausurados.
Para quem é
apaixonado pela literatura, lêr desde os castelos da imaginação de Santo
Agostinho, a Filosofia dos Toltecas com sua filosofia da Magia Negra e Branca e
digam quem não a praticou ou pratica a Magia Negra e Branca? A Flores do Mal de
Baudelaire, As cartas de um poeta de Rilke, A Filosofia da Matemática de
Russell, Lógica Booleana de Boole, A Republica de Platão, A Paideia de Jaeger,
A liquidez de Baumann, O Príncipe de Maquiavel, A Crítica da Razão Pura de
Kant, Para Alem do Bem e do Mal de Nietzche, A Angustia da Influência de Harold
Bloom, Ser e Tempo de Heidegger, O Mundo Como Vontade e Representação de
Schopenhauer, Tratado Sobre a Tolerância de Voltaire, A Tabula Rasa de Locke,
Leviatã de Hobbes, Emilio de Rousseau, Discurso sobre o Método de Descartes, Novum
Organum de Bacon, O argumento cético de Hume, o existencialismo sartriano, enfim, me perdoem os demais pensadores se não
os menciono, pois é quase um número infinito de pensamentos e obras. Tais obras
foram desenvolvidas ao longo dos séculos, os pensamentos que o ser humano procurou
registrar a sua maneira de ver o mundo, seu pensamento na sua medida permeados
pelas experiências do convívio, pela abstração do possivel e do impossivel, o
conhecimento é poder que ninguém nos tira, é a alteridade, ler a todos é
impossível, mas inevitável manter um contato com eles, pelos menos com alguns
deles.
O resgate da
literatura é extrai-la do submundo a que foi relegada quando do abandono da
maioria das pessoas do hábito da leitura, que dizem ter preguiça de ler, que
tem preguiça de pensar, que tem preguiça de escrever corretamente, que tem
preguiça de falar de forma correta, logo resgatar a literatura é resgatar o ser
humano do abandono a que se entregou, preferindo a alegria do consumo, a
satisfação da ilusão do ter em detrimento da completude do ser, o abandono da
ideia da inutilidade do que é e sempre será útil, respondendo a pergunta de
para que serve mesmo a literatura? Afinal inventamos a literatura, resultado do
desenvolvimento cultural no processo civilizatório.
Seja como for,
valendo-me inclusive de um ensaio de Umberto Eco, aí vão alguns exemplos de
utilidade da Literatura que consegui elencar:
1º — A Literatura contribui para a
formação, estabilização e desenvolvimento de uma língua, como patrimônio
coletivo. O que seria da língua portuguesa sem Luís de Camões? O que seria do
Italiano sem Dante Alighieri? O que seria do Espanhol sem Cervantes? O que
seria do Inglês sem Shakespeare? O que seria da Civilização e da língua grega
sem Homero? O que seria da língua russa sem Puchkin? É bom lembrar que impérios
que não tiveram uma Literatura que sobressaísse entraram em decadência sem
alcançar o apogeu, como o vasto império Mongol de Genghis Khan, o maior em
extensão territorial da história.
2º — A Literatura mantém o
exercício, o arejamento, o frescor da língua, que é o principal fator de
criação de identidade, de noção de comunidade, do sentimento de pátria e
pertencimento a uma placenta cultural que nos acolhe e nos dá sentido à vida
tanto individual quanto coletivamente.
3º — A Literatura proporciona o
aprendizado, de uma forma lúdica e segura, ao mesmo tempo em que permite o
acesso das novas gerações aos valores acumulados pelo processo civilizatório e
universalmente aceitos como válidos, como a honestidade, o respeito ao próximo,
a importância da cultura, enfim a transmissão de valores morais, bons ou ruins
e o senso crítico de escolha dentre eles ou até de rejeitá-los.
4º — A Literatura expande a rede neural
do leitor, possibilitando a diversidade das ideias, a capacidade de reflexão, a
noção de flexibilidade e a tolerância para com o diferente, proporciona a
empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro — pré-condição para a
existência da ética na sociedade), prevenindo as pessoas contra o sectarismo
político, ao fanatismo, à submissão cega a líderes maliciosos, a ideologias e a
religiões.
5º — A Literatura enseja o surgimento e
a disseminação de valores estéticos, aguça a sensibilidade, introduzindo na vida
das pessoas o verdadeiro sentido do belo, distinguindo-nos da fauna geral, onde
gosto não se discute.
6º — A confabulação da literatura nem
sempre segue o caminho retilíneo desejado pelo leitor, possibilitando a ele
entrar em contado com a frustração ficcional, como exercício de amadurecimento
para o enfrentamento das frustrações reais impostas pela vida de fato, às quais
é bom que resista e supere.
7º — A Literatura, como toda arte,
estimula o cruzamento de informações, possibilita a sinergia do pensamento,
amplia a visão da realidade e até cria realidade nova.
8° — Pelo que foi listado, a Literatura
não é uma panaceia — remédio para todos os males —, mas a base, a plataforma de
lançamento de cidadãos melhores, numa sociedade portadora de um clima onde pessoas
de boa vontade possam ver implantados seus ideais de paz, respeito, leveza,
cordialidade, lisura, honestidade, preservação e desenvolvimento sustentado.
Certamente
o leitor verá na Literatura “utilidades” diferentes ou mesmo complementares a
estas.
A
literatura também traz a sensação de fuga do para a frente, quem sabe é quem
lê, estes usufruem de breves momentos do tempo que não passa, de sensações que
ficarão e quem sabe no futuro retornarão à lembrança do que foi vivido através
das linhas escritas por algum escritor em seus momentos de devaneio e solidão
ou conforme “Fite”, enquanto momento de pura visão não passaria de um
evanescente “flash” intuitivo que depois se transformaria em linguagem, uma
forma petrificada, e por ser uma visão do sublime não possuiria nenhum tipo de
referente, senão o seu desejo de ser algo mais. (FITE, 1985, p.17).
Então,
vão desperdiçar a oportunidade de resgatar o conhecimento? Abrir um livro é
sair da caverna, a sensação é de estar saindo aos poucos, tateando como alguém
que ficou muito tempo na escuridão e agora cego pela claridade do sol, com o
tempo os olhos acostumam, sabemos disso quando desenvolvemos o hábito de ler, a
princípio não seja crítico e quando mais maduro não seja tão crítico,
liberte-se do preconceito deste ou daquele autor ou daquele assunto, afinal a
literatura também carrega seu aspecto socializante.
A
literatura exerce o que se chama de “influere”, fluir para dentro a influência
da literatura nas nossas emoções, a “influere” em sua
origem assenta -se no sentido utilizado pelos astrólogos medievais, isto é, a
ação dos astros sobre as emoções humanas.
Com o tempo desenvolveremos a capacidade de
perceber o influxo, a fusão de conhecimentos e conexões da ideia de um escritor
influenciando outro em uma linha causal de dependências, assim como influenciarão
em nossa forma de pensar e quiçá de agir, influenciando na formação do
indivíduo.
Quanto ao significado, conforme Castro o leitor não
deve buscar um significado escondido, uma compreensão das relações ocultas na
literatura, porque estas não existem. A linguagem é uma construção arbitrária,
e segundo Bloom, dependente da imaginação do ser humano.
A imaginação é a força autoritária e prioritária
sobre a linguagem. Não há uma gramática capaz de explicar os escritores, são
estes que com suas obras estabelecem as gramáticas.
Assim, cabe ao leitor produzir o sentido com seu
poder imaginativo. Como ele mesmo argumenta no livro “Como e Porque ler?”
citando o filósofo transcendentalista Ralph Waldo Emerson: Recorro, novamente,
a Emerson para definir o quarto princípio da leitura: Para ler bem é preciso
ser inventor. O que, para Emerson, seria “leitura criativa” foi por mim chamado
de “leitura equivocada”, Expressão que levou meus adversários a crer que eu
sofresse de dislexia. O fracasso, ou o branco, que tais indivíduos veem quando
se deparam com um poema está em seus próprios olhos. Autoconfiança não é dom,
mas o Renascimento da mente, o que só ocorre após anos de muita leitura.
(BLOOM, 1998, p. 21)
Ainda Castro, o poder da desleitura é ao mesmo
tempo fonte de liberdade e exigência criativa. As análises do crítico podem ir
muito além das barreiras da poesia. Entrar no jogo da angústia da influência é
travar uma luta entre anterioridade e posteridade. O leitor deseja afastar-se
do que lê, mesmo que esteja enredado pelo passado. A angústia da influência é
uma teoria da leitura, metacrítica literária, estratégia de literatura
comparada, filosofia estética, intertextualidade poética, psicologia e
sociologia da arte. Sua complexidade aparece na sua capacidade de estabelecer
relações. Talvez seja importante constar que Harold Bloom não defende uma
leitura relativista independente de autores. São os autores, com seu poder
retórico -cognitivo-estético que provocam as leituras criativas, entre textos e
autores.
Castro afirma que Bloom defende que são sempre
relações hierárquicas, mas não que sejam estáveis ou caducas. Sua visão permite
uma metamorfose constante, contanto que não se perca de vista a luta necessária
para a transformação. A literatura é vontade de potência e criatividade. Onde houver
imaginação haverá luta, haverá complexidade, haverá influência.
O sentido que o leitor encontra no texto não é o
mesmo sentido que o texto quer transmitir, o sentido para o leitor é aquele de
fluência da desleitura que este fez e procurou o encaixe no seu quebra-cabeças
emocional, no seu sentido próprio, tal como ferramentas que agem na metamorfose
do indivíduo, a imaginação alimenta a luta, a influência e inevitável, a
leitura requer muitas o distanciamento necessário para analisar os vários
vieses.
Enfim, a literatura é apaixonante e bela, vamos
abrir nossos olhos, abrir um livro e se deixar contagiar pela magia das
palavras, vamos dar sentido e vibrar com a angustia de chegar ao final de um
livro, quem sabe não relemos e relemos, sempre querendo ficar com o gostinho na
boca.
Fontes:
http://www.revistabula.com/4209-a-literatura-e-o-unico-instrumento-realmente-capaz-de-mudar-o-homem/
BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Rio de
Janeiro:Imago,1995.
_____________.
A angústia da influência: uma teoria da poesia. Rio
de Janeiro:Imago,1991.
_____________.
Cabala e crítica. Rio de Janeiro:Imago,1991.
CASTRO, Daniel Fraga de. A complexidade da angústia
da influência de harold bloom, Paper
FITE, David. Harold Bloom: The rhetoric of romantic
vision. Boston: The University of Massachussets press, 1985.