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quinta-feira, 15 de maio de 2025

Liberdade na Impermanência

 

Vamos pensar como dançar no fluxo da vida

Outro dia, esperando o sinal abrir, vi uma folha seca rodopiar no asfalto. Não seguia em linha reta, tampouco sabia onde iria parar. Mas havia algo belo ali. Não por ser frágil ou por voar, mas pela leveza com que se entregava ao vento. Pensei: talvez isso seja liberdade — não o controle absoluto, mas a entrega consciente ao movimento das coisas.

Somos criados com a ideia de que liberdade é escolher: decidir o curso da vida, traçar objetivos, manter coerência, garantir permanência. Mas, e se estivermos olhando na direção errada? E se a verdadeira liberdade estiver, paradoxalmente, na impermanência — nesse terreno instável onde nada é fixo, tudo escapa e nada nos pertence?

A impermanência é desconfortável. Derruba certezas, desfaz promessas, modifica rotas. Mas também é ela quem nos salva da prisão das repetições, dos papéis sociais eternizados, dos vínculos que já não têm sentido. É na instabilidade que nos abrimos ao novo — e talvez, por isso, sejamos mais livres quando não estamos em controle, mas em presença.

O filósofo coreano Byung-Chul Han, crítico da sociedade da performance, alerta para o esgotamento provocado pelo excesso de liberdade entendida como autonomia produtiva. Segundo ele, tornamo-nos senhores e escravos de nós mesmos. Em contrapartida, talvez a liberdade que nos cura não seja aquela da vontade tirânica, mas a da fluidez — aceitar que tudo muda, inclusive nós.

Na prática cotidiana, quem já não se reinventou após uma perda? Um emprego que acaba, um amor que não continua, um lugar que já não é mais lar. No início, o chão some. Depois, o espaço se abre. A impermanência rasga o véu das ilusões e, com isso, revela outra coisa: que não somos um "eu fixo", mas uma constelação de momentos, gestos, escolhas, arrependimentos e recomeços.

O budismo, milenar nesse saber do efêmero, ensina que tudo o que surge está destinado a desaparecer. E que é justamente esse caráter transitório que deve nos libertar do apego, não por desinteresse, mas por compaixão — porque o que é passageiro merece ser vivido com delicadeza, e não com posse.

Ser livre, então, pode ser menos uma conquista e mais uma postura: dançar com o que vem, em vez de resistir. Permitir que as coisas fluam, inclusive as partes de nós que já não cabem mais. Liberdade, nessa chave, não é um estado estático, mas uma dança silenciosa entre o que somos e o que deixamos de ser.

Assim como a folha que rodopia no ar sem saber onde vai cair, talvez sejamos mais autênticos quando aceitamos o vento. Não como fraqueza, mas como arte de se mover com o mundo. Liberdade na impermanência — uma filosofia que não promete segurança, mas oferece leveza. E, quem sabe, isso já seja o suficiente.