Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador Han. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Han. Mostrar todas as postagens

domingo, 16 de março de 2025

Um Paradoxo Existencial

A Solidão no Mundo Conectado

Se alguém dissesse, há algumas décadas, que no futuro estaríamos todos conectados o tempo inteiro, compartilhando pensamentos, imagens e sentimentos em tempo real, talvez imaginássemos um mundo sem solidão. No entanto, aqui estamos, no auge da hiperconectividade, e nunca estivemos tão solitários. Há algo de paradoxal nisso, uma ironia cruel: quanto mais redes, mais fios invisíveis nos ligam a outros, mais nos sentimos isolados.

O problema talvez resida na qualidade dessa conexão. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han já alertava que o excesso de exposição e a lógica da performance esvaziam o sentido do vínculo humano. O que chamamos de "conexão" muitas vezes não passa de uma troca superficial, onde a presença do outro se torna um dado estatístico, uma notificação, um nome na lista de contatos. Assim, a solidão que enfrentamos não é a ausência de pessoas, mas a ausência de profundidade no encontro.

A vida contemporânea transformou a solidão em um tabu. O indivíduo solitário é visto como fracassado, alguém que não conseguiu se inserir no grande fluxo das interações sociais. No entanto, grandes pensadores, de Nietzsche a Clarice Lispector, já sugeriam que a solidão também é espaço de encontro consigo mesmo. Mas qual solidão estamos vivendo? Aquela que fortalece ou aquela que anula?

Talvez o verdadeiro paradoxo seja este: para escapar da solidão, nos jogamos em redes que, ao invés de nos acolherem, nos fragmentam ainda mais. Corremos o risco de confundir comunicação com comunhão, de acreditar que um “curtir” equivale a um olhar, que um emoji substitui o tom de voz de uma conversa.

Se há uma saída para esse labirinto, ela talvez passe pela redescoberta do silêncio e da presença real. Precisamos reaprender a estar sozinhos sem que isso nos aniquile, e a estar com os outros de forma genuína, sem que isso nos esgote. Como diria N. Sri Ram, a solidão verdadeira não é estar sem companhia, mas estar desconectado de si mesmo.

Afinal, de que adianta mil conexões se não conseguimos nos conectar ao essencial?

 


sábado, 8 de fevereiro de 2025

Infantilizar os Filhos

Um Cuidado que Aprisiona

Outro dia, vi uma cena curiosa em um restaurante. Um garoto de uns doze anos tentava cortar sua própria carne, enquanto sua mãe, impaciente, pegava a faca e fazia o serviço por ele. "Deixa que eu faço, senão você se machuca!", dizia ela, sem notar o olhar frustrado do filho. A cena pode parecer trivial, mas revela um fenômeno muito presente na sociedade contemporânea: a infantilização dos filhos.

Infantilizar os filhos não significa apenas tratá-los com carinho e atenção, mas sim priva-los de autonomia, impedindo que desenvolvam habilidades essenciais para a vida adulta. O filósofo Jean Piaget já destacava que o desenvolvimento cognitivo das crianças depende da exploração e da tentativa e erro. Ao interferir constantemente, os pais criam um ciclo no qual os filhos são mantidos em um estágio de dependência, sem a oportunidade de experimentar a responsabilidade e as consequências de suas ações.

O desejo de proteger os filhos é compreensível. No entanto, ao impedir que eles enfrentem desafios compatíveis com sua idade, corre-se o risco de criar adultos inseguros e incapazes de tomar decisões. O pensador sul-coreano Byung-Chul Han sugere que vivemos em uma sociedade onde o excesso de cuidado leva a uma forma de fragilidade psíquica. Os indivíduos tornam-se cada vez mais sensíveis à frustração e menos preparados para a dureza da vida.

A infantilização também se reflete na educação e no mercado de trabalho. Jovens que cresceram sem tomar decisões ou lidar com pequenos fracassos têm dificuldades em assumir responsabilidades e encarar a vida adulta. É o paradoxo de uma geração que, ao mesmo tempo em que é altamente qualificada, apresenta altos índices de ansiedade e depressão.

Portanto, ser um bom pai ou mãe não é apenas proteger, mas também permitir que os filhos experimentem a independência de maneira gradual. Pequenos gestos, como deixar que uma criança amarre os próprios sapatos ou um adolescente resolva seus problemas escolares sem intervenção imediata, podem fazer toda a diferença. Afinal, amadurecer é um processo que exige enfrentamento e aprendizado, e os pais, ao invés de serem muletas permanentes, deveriam ser guias que ensinam o caminho, mas permitem que os filhos andem com próprias pernas.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Labiríntico

Estava passeando em Nova Petrópolis quando resolvi entrar no labirinto, inicialmente o visualizei de cima e em seguida resolvi caminhar em seu interior, foi uma experiência muito interessante. Sempre que vou a Nova Petrópolis procuro renovar esta experiência e isto me leva a reflexões.

Agora imagine-se caminhando por um labirinto, onde cada esquina revela novos caminhos, mas também te força a encarar uma verdade incômoda: a complexidade e a crueza da vida. Essa metáfora do labirinto, ao mesmo tempo enigmática e opressiva, reflete o que muitos de nós enfrentamos nas experiências cotidianas. É um percurso que exige escolhas rápidas, decisões que nem sempre oferecem a possibilidade de recuo, tudo isso em um ambiente desprovido de sutilezas ou meios-tons.

A vida, em sua natureza labiríntica, parece ser feita para nos desafiar a encontrar significados em meio ao caos. Não é à toa que Jorge Luis Borges, escritor argentino fascinado por labirintos, afirmou que eles são metáforas da condição humana: "O labirinto é um símbolo da perplexidade". É a ausência de linearidade, de clareza, que nos força a lidar com a brutalidade da existência. Aqui não há lugar para o conforto do sutil; o mundo nos joga verdades cruas como um pintor que apenas trabalha com cores primárias, ignorando nuances.

O Labirinto da Modernidade

Se pensarmos em nosso tempo, a modernidade é, ela mesma, um labirinto sem sutileza. Redes sociais, sistemas burocráticos, tecnologias que prometem simplicidade mas entregam complexidade: tudo isso cria uma experiência de vida marcada pela sobrecarga de informações e pela sensação de que, para cada passo dado, há um novo obstáculo que exige ser enfrentado.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han nos ajuda a refletir sobre essa dinâmica. Em seu livro A Sociedade do Cansaço, Han descreve como vivemos em uma era onde a exaustão se tornou norma. O labirinto aqui não é apenas físico, mas psicológico e emocional. O excesso de tarefas, de escolhas, de performances exigidas nos prende em um emaranhado de expectativas inalcançáveis. Não há espaço para a sutileza porque tudo grita: seja mais, faça mais, supere mais.

O Impasse do Eu

Dentro desse labirinto, quem somos nós? É fácil perder-se quando cada decisão parece nos afastar ainda mais de um suposto centro. Friedrich Nietzsche, sempre provocador, sugeria que é no confronto com a falta de sentido que encontramos nossa verdadeira essência. Ao olharmos para o abismo – ou, nesse caso, para os corredores labirínticos – somos forçados a nos reinventar.

Mas isso não significa que o labirinto seja um castigo sem saída. Talvez ele seja uma metáfora para o processo de descoberta. A falta de sutileza, longe de ser um problema, pode ser vista como uma forma de sinceridade brutal da vida, uma tentativa de nos ensinar que não há atalhos para a compreensão do que realmente importa.

A Beleza na Brutalidade

Curiosamente, é possível encontrar uma espécie de beleza nesse caos. Pense nos mosaicos de um labirinto antigo: de cima, eles revelam padrões, formas, uma estrutura que só é perceptível ao observar o todo. No dia a dia, somos como formigas presas na confusão de um só corredor, mas, com o tempo e a reflexão, conseguimos enxergar o padrão maior.

A falta de sutileza é, nesse sentido, um convite à percepção mais ampla. Ao invés de lamentar o choque das verdades nuas e cruas, podemos abraçá-las como pontos de aprendizado. Não é uma tarefa fácil, mas é um caminho para dar sentido ao labirinto.

Ser labiríntico e sem sutileza não é uma falha da existência; é sua assinatura. A vida nos empurra para corredores estreitos, nos desafia com encruzilhadas inesperadas e raramente nos dá pistas claras. No entanto, ao aceitar a brutalidade do trajeto, podemos começar a compreender que a verdadeira sutileza não está na suavidade dos caminhos, mas na habilidade de enxergar além da confusão imediata.

Em última análise, o labirinto é tanto uma prisão quanto uma possibilidade de libertação. O desafio está em encontrar, em meio ao caos, a poesia que só a complexidade pode oferecer.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Idiotas por Influência

O termo "idiota", na raiz etimológica grega (idiotés), referia-se àquele que vivia à margem dos assuntos públicos, focado apenas em sua vida privada. Curiosamente, no mundo contemporâneo, ele ganhou uma conotação pejorativa, descrevendo alguém incapaz de compreender ou participar de questões mais amplas. E, nessa trajetória semântica, algo mais se adicionou: a influência externa, que parece moldar e amplificar a idiotice no tecido social.

Pensemos no cotidiano. Alguém assiste a um vídeo viral onde uma pessoa pula de uma altura considerável para uma piscina rasa. O ato é imitado, e as consequências muitas vezes trágicas são vistas como “acidentes”. Não é que a pessoa seja naturalmente idiota, mas foi influenciada a agir de forma idiota. Redes sociais, grupos de WhatsApp e tendências culturais criam um ambiente fértil para a proliferação desse comportamento.

O Idiota Sob Influência Social

Jean Baudrillard, ao explorar a ideia da hiper-realidade, argumenta que vivemos em um mundo onde os símbolos substituem o real. Em termos práticos, ser idiota hoje não é apenas ser desinformado ou fazer escolhas ruins; é viver de forma influenciada por construções sociais que celebram o raso e o espetáculo. Quando alguém compartilha fake news ou participa de desafios absurdos, não o faz por estupidez intrínseca, mas porque foi atraído para uma narrativa convincente — uma simulação que parece mais real que o real.

Outro filósofo que nos ajuda a entender esse fenômeno é Byung-Chul Han. Em A Sociedade do Cansaço, ele descreve como o excesso de informações e exigências de performance transforma indivíduos em produtos de sua própria desconexão. O idiota por influência é, então, um resultado da sobrecarga: sem tempo para refletir ou questionar, absorve e reproduz comportamentos padronizados.

Exemplos do Cotidiano

Opiniões sem Base: Fulano acredita firmemente que a Terra é plana porque viu um vídeo “didático” no YouTube. Ele não investiga, não questiona. Apenas replica. A influência aqui é direta: a narrativa simplista encontra terreno fértil em mentes cansadas de complexidade.

Compras Impulsivas: Quem nunca comprou algo absolutamente inútil porque um influenciador digital recomendou? Não era uma necessidade; era a força da sugestão.

Seguir o Rebanho: Em reuniões de trabalho, aquele que concorda com tudo, mesmo sem entender, não o faz porque é naturalmente tolo, mas porque o ambiente corporativo premia o conformismo.

Resistir à Influência Idiota

Platão, ao descrever o mito da caverna, já alertava sobre os perigos da ignorância coletiva. A luz da sabedoria, que nos liberta das sombras da caverna, requer esforço. E talvez a maior proteção contra a idiotice por influência seja o hábito de questionar: Por que estou acreditando nisso? Por que estou agindo assim?

N. Sri Ram, em A Beleza da Vida, destaca que a verdadeira inteligência não é acumulativa, mas intuitiva. Ela nasce de uma percepção profunda do todo, algo que requer um estado de atenção. Ou seja, resistir ao idiota por influência é um trabalho diário de auto-observação.

Um Chamado à Reflexão

Ser idiota por influência não é uma condição permanente, mas um estado passageiro, fruto da desconexão com a reflexão crítica. Se o mundo moderno nos empurra para a superficialidade, talvez a solução esteja em recuperar o silêncio, o pensamento independente e a capacidade de discernir entre o verdadeiro e o ilusório.

E você, já parou para pensar em quantas vezes agiu como um idiota, não por escolha, mas por influência?


domingo, 24 de novembro de 2024

Caixa de Pandora

Outro dia, enquanto organizava o escritório, encontrei uma caixinha que continha objetos que me remeteram a lembranças. Dentro, havia uma miscelânea de coisas as quais nem lembrava que estavam ali. Cada objeto trazia uma memória boa, mas também aquela pontada de saudade, de coisas que nunca mais vão voltar. E aí pensei: será que a vida inteira não é como uma dessas caixas? A gente guarda emoções, histórias, dores e, bem no fundo, algo que parece nos manter de pé — esperança, talvez. Foi assim que lembrei da Caixa de Pandora, e me peguei refletindo sobre o que ela realmente significa.

A Caixa de Pandora: Esperança ou Ilusão Final?

A história da Caixa de Pandora é uma das mais enigmáticas e versáteis da mitologia grega. Um presente divino que, ao ser aberto, liberou todos os males do mundo, deixando apenas a esperança. Porém, essa última “benção” contida na caixa tem um papel ambíguo e provoca uma reflexão filosófica que pode ser desconcertante. Será a esperança um consolo ou uma continuação da punição?

Pandora como Metáfora do Humano

Pandora, criada pelos deuses como uma armadilha para os mortais, representa a complexidade da condição humana. Assim como ela, carregamos uma dualidade interna: o desejo de explorar o desconhecido e o risco das consequências que isso implica. A caixa poderia simbolizar nossa mente — um receptáculo de potencialidades, medos e esperanças. Ao abri-la, não seria este o ato essencial da autoconsciência, em que nos confrontamos com o caos interior?

O filósofo alemão Martin Heidegger talvez pudesse interpretar o ato de abrir a caixa como uma forma de desvelamento (aletheia). Ao trazer à luz os males escondidos, revelamos a verdade da existência: a vida é permeada por sofrimento, mas é nessa abertura que reside o sentido. A caixa, então, não é um erro, mas um convite à autenticidade.

Esperança: Um Presente ou Outro Engano?

A esperança, deixada na caixa, é muitas vezes vista como um conforto. Contudo, Nietzsche em "Humano, Demasiado Humano" alerta que a esperança pode ser o maior dos males, pois prolonga o sofrimento ao manter os homens presos à expectativa de um futuro melhor, impedindo-os de viver plenamente o presente. Nesse sentido, a esperança não seria uma saída, mas um ciclo interminável de frustração.

Por outro lado, filósofos como Ernst Bloch enxergam na esperança um motor revolucionário. Em sua obra "O Princípio Esperança", Bloch afirma que a esperança projeta o ser humano para o “ainda-não,” um futuro utópico que mobiliza a ação e a transformação do mundo. Assim, enquanto Nietzsche vê a esperança como uma ilusão, Bloch a enxerga como potência.

O Paradoxo do Fechamento

Curiosamente, a história de Pandora não diz se a caixa foi fechada de propósito ou por acidente, deixando a esperança lá dentro. Isso abre uma pergunta intrigante: a esperança está presa porque foi considerada perigosa ou porque precisava ser protegida? Talvez os deuses temessem que, solta no mundo, ela pudesse ser mal utilizada ou esvaziada de significado.

Aqui, a psicanálise entra em cena. Sigmund Freud poderia sugerir que a esperança é o mecanismo de defesa final do ego, algo que mantemos "preso" dentro de nós para evitar o colapso diante da realidade. A esperança é o que resta quando tudo parece perdido, mas também pode ser o que nos impede de aceitar as perdas inevitáveis.

O Inovador na Caixa

Se pensarmos na Caixa de Pandora sob uma ótica contemporânea, ela pode ser reinterpretada como um símbolo do excesso de informações e estímulos do mundo moderno. As redes sociais, por exemplo, atuam como caixas digitais que liberam todo tipo de "mal" psicológico: inveja, ansiedade, raiva. E, no entanto, também contêm uma esperança ilusória de conexão e reconhecimento.

Nesse cenário, talvez a verdadeira inovação filosófica esteja em questionar o papel da própria caixa. Precisamos mesmo abri-la? E se a sabedoria estiver em aceitar que não podemos conhecer ou controlar tudo? Como diria o filósofo coreano Byung-Chul Han, no mundo da hipertransparência e do excesso, a capacidade de deixar algo escondido ou misterioso é um ato de resistência.

A Caixa Dentro de Nós

A Caixa de Pandora continua a fascinar porque é um espelho da nossa condição. Carregamos dentro de nós nossos próprios males e nossa própria esperança, constantemente os libertando ou tentando mantê-los sob controle. Talvez a lição final seja que não devemos temer nem a caixa nem seu conteúdo, mas aprender a conviver com ambos. Afinal, como dizia Camus, a luta pelo sentido em meio ao absurdo é o que dá beleza à existência. Assim, a Caixa de Pandora não é apenas um conto antigo, mas um convite eterno à reflexão: o que você guarda dentro da sua caixa? E está pronto para abri-la?


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Empatia Digital

No mundo cada vez mais digitalizado em que vivemos, a empatia enfrenta um novo contexto. Enquanto a tecnologia abre caminhos para a comunicação instantânea e o acesso global, ela também parece criar barreiras entre as pessoas. Redes sociais, mensagens e até mesmo videoconferências podem facilmente se tornar interações distantes, mecânicas, em que o outro se torna apenas uma imagem em pixels. Neste cenário, a empatia – a capacidade de compreender e compartilhar as emoções do outro – parece mais crucial do que nunca.

A Natureza da Empatia e sua Relevância

Empatia vai além de apenas se colocar no lugar do outro; ela exige uma sensibilidade genuína para entender o que o outro sente e, ao mesmo tempo, reconhecer que a experiência dele é única. Essa habilidade ajuda a construir conexões e a fortalecer relações sociais. Nos contextos de trabalho, escola, e até nos relacionamentos familiares, a empatia cria um espaço seguro onde as pessoas se sentem valorizadas e ouvidas.

No mundo digital, porém, onde o contato físico é substituído por palavras digitadas e reações com emojis, a empatia enfrenta novos desafios. A interação virtual pode dificultar a leitura de emoções, uma vez que a linguagem corporal, o tom de voz e outras pistas não verbais muitas vezes se perdem. A comunicação digital, mesmo sendo eficiente, tende a ser mais superficial. Como resultado, muitas pessoas podem se sentir isoladas ou incompreendidas, ainda que estejam rodeadas por “amigos” e “seguidores” online.

Os Desafios da Empatia Digital

No mundo digitalizado, a empatia se torna um exercício ativo. Isso significa que precisamos fazer um esforço consciente para compreender as emoções dos outros quando eles não estão fisicamente presentes. Um exemplo claro disso são as discussões em redes sociais, onde opiniões e pontos de vista podem ser expressos rapidamente, sem reflexão. Sem o filtro das interações presenciais, onde o respeito e a cautela se fazem mais evidentes, é fácil que debates online se transformem em confrontos.

A pressão por respostas rápidas e a cultura do imediatismo reforçam essa superficialidade. Quando interagimos online, muitas vezes nos esquecemos de que há um ser humano do outro lado da tela, com suas próprias dores e alegrias. Esse distanciamento contribui para o fenômeno da desumanização, em que as pessoas deixam de ver o outro como alguém com sentimentos e história própria, tornando-se mais suscetíveis ao julgamento e à agressividade.

A Empatia como Ferramenta de Humanização

Diante dessa realidade, a empatia pode atuar como uma ferramenta poderosa para humanizar o ambiente digital. Exercitar a empatia no contexto virtual significa fazer pausas para considerar as implicações das nossas palavras, escutar ativamente – sim, é possível fazer isso no online! –, e refletir antes de reagir. Uma mensagem pode ser mais impactante se elaborada com cuidado, respeitando o tempo e o contexto da outra pessoa.

A empatia digital também pode ser nutrida por pequenos gestos. Perguntar “como você está se sentindo?” ou demonstrar preocupação genuína quando alguém compartilha algo pessoal são formas de construir um vínculo mais humano, mesmo através de uma tela. Esse tipo de conexão digital se torna ainda mais significativo em uma época onde muitos enfrentam solidão e ansiedade, mas sentem receio em expressar suas vulnerabilidades.

A Empatia Digital no Futuro

Pensadores contemporâneos, como o filósofo coreano Byung-Chul Han, comentam sobre os efeitos da sociedade digital na empatia. Em suas reflexões sobre a transparência e a exposição extrema de nossas vidas online, Han sugere que a empatia pode se perder na busca por validação e visibilidade. É um alerta de que o mundo digitalizado precisa ser equilibrado com práticas conscientes de empatia, onde a qualidade das interações seja valorizada em vez da quantidade.

No futuro, à medida que a tecnologia se torna ainda mais avançada e talvez mais integrada ao nosso dia a dia, a empatia continuará sendo fundamental para nos lembrar de nossa humanidade compartilhada. Enquanto isso, a inteligência artificial e as redes sociais podem nos ajudar a fortalecer as interações humanas, mas é a nossa disposição de reconhecer o outro – e de entendê-lo de forma profunda – que definirá o papel da empatia em um mundo digital.

Assim, o papel da empatia em um mundo digitalizado é manter nossa essência humana intacta e permitir que o avanço tecnológico não nos transforme em máquinas sem sensibilidade. A empatia nos ajuda a transformar cada interação virtual em uma oportunidade para promover a compreensão mútua e a conexão verdadeira. Ela exige esforço e atenção, mas, com o tempo, se mostra uma prática essencial para que a digitalização sirva à humanidade e não a afaste de si mesma.


sábado, 19 de outubro de 2024

Plataformização do Trabalho

A cada clique, a cada deslizar de dedo no celular, o trabalho vai se redesenhando diante de nossos olhos sem que, muitas vezes, a gente se dê conta. Lembra de quando a ideia de "ir trabalhar" envolvia sair de casa, bater ponto ou passar horas no trânsito? Hoje, a cena é diferente: é possível "estar trabalhando" enquanto esperamos a comida chegar, respondemos uma mensagem ou fazemos um pedido de transporte. O trabalho não tem mais a cara de uma fábrica ou de um escritório fixo; ele se esconde nos aplicativos e nas plataformas digitais que usamos no dia a dia.

A plataformização do trabalho, termo que parece pesado, descreve essa mudança, onde a interação com plataformas digitais se torna uma das principais formas de mediação entre o trabalhador e o serviço oferecido. Basicamente, iFood, a Uber, a Rappi, e até o Airbnb são exemplos disso: empresas que funcionam como intermediárias, conectando trabalhadores (que muitas vezes nem se reconhecem como tais) a consumidores de serviços. Mas, ao contrário de um emprego formal, aqui não existe chefe visível nem contrato assinado em papel.

Por trás da comodidade de pedir um carro ou uma refeição pelo celular, a realidade é outra para quem executa a tarefa. A plataformização oferece uma liberdade que, em muitos casos, é mais ilusória do que real. A flexibilidade de horários, uma das promessas dessas plataformas, esconde jornadas incertas e instáveis, sem garantia de salário fixo ou direitos trabalhistas tradicionais. O motorista de aplicativo, por exemplo, pode escolher quando trabalhar, mas isso geralmente significa estar à mercê dos algoritmos e da demanda – que nem sempre respeitam seu cansaço ou suas contas no final do mês.

Além disso, a plataformização redefine o próprio conceito de "trabalho". Se antes o valor estava na produção de algo físico, hoje o que se vende é o tempo e a disposição. Como o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han coloca, o trabalhador digital está em um regime de autoexploração, onde ele é, ao mesmo tempo, patrão e empregado de si mesmo. Essa nova dinâmica levanta questões éticas sobre o que é trabalho digno e sobre como as leis trabalhistas podem (ou devem) se adaptar.

Então, quando chamamos aquele carro por aplicativo ou pedimos comida por delivery, vale a pena refletir: estamos testemunhando a comodidade moderna ou apenas uma nova forma de precarização do trabalho? A plataformização abre uma série de debates sobre o futuro das relações de trabalho, sobre como protegemos os trabalhadores e como enxergamos o papel das plataformas no cotidiano. E se o futuro do trabalho estiver menos em nossas mãos e mais nas mãos dos algoritmos? 

sábado, 28 de setembro de 2024

Pequenos Detalhes

Mandala a óleo

Há algo de mágico nos detalhes que a vida insiste em nos oferecer, quase como se estivessem à espera de serem notados. E, no entanto, na pressa cotidiana, esses pequenos fragmentos passam despercebidos — um sorriso trocado em silêncio, o calor suave de um raio de sol tocando a pele, o cheiro familiar de café numa manhã qualquer. Em um mundo onde o grande e o grandioso costumam roubar a cena, será que estamos esquecendo de enxergar o que realmente importa? Este ensaio é um convite para olhar mais de perto, para redescobrir a poesia que habita nas minúcias que compõem o nosso dia a dia.

Lembro-me de uma manhã comum, dessas que começam como qualquer outra. O café estava pronto, e eu me preparava para o dia. Em um instante, observei o vapor da xícara subir e dissolver-se no ar. Foi uma cena rápida, nada extraordinário, mas naquele momento algo me chamou a atenção. A delicadeza do vapor, dançando antes de desaparecer, parecia carregar uma espécie de sabedoria silenciosa, um lembrete de como tudo é transitório e, ao mesmo tempo, belo. Esse pequeno detalhe, um fenômeno banal que ocorre todos os dias, foi o que me trouxe a uma reflexão mais ampla sobre a efemeridade da vida.

Gaston Bachelard, em sua obra A Poética do Espaço, fala sobre o poder dos detalhes e das pequenas intimidades dos ambientes em nossa percepção. Ele argumenta que não são os grandes acontecimentos que nos definem ou que marcam o espaço que habitamos, mas sim os pequenos elementos cotidianos. Um espaço doméstico, por exemplo, ganha vida pelos detalhes que ele contém: uma poltrona envelhecida, o som da água escorrendo em um quarto ao lado, o ranger da porta de madeira quando alguém a abre lentamente. Para Bachelard, é na intimidade desses pequenos gestos e objetos que encontramos uma espécie de poesia existencial.

Quando penso na vida como um todo, vejo como frequentemente perdemos esses pequenos momentos. Estamos sempre esperando os grandes acontecimentos, aqueles que julgamos importantes: uma promoção no trabalho, o nascimento de um filho, uma viagem dos sonhos. Claro, esses eventos têm seu lugar, mas o que acontece nos intervalos? Esses momentos silenciosos, aparentemente sem significado, são os que, no fim das contas, fazem a diferença. É como o intervalo entre as notas de uma melodia — sem eles, a música não teria ritmo ou harmonia.

No cotidiano, os detalhes funcionam como chaves que abrem portas para emoções e memórias. Quem nunca se viu transportado para a infância ao sentir o cheiro de uma comida específica? Ou ao passar por uma rua familiar que não era visitada há muito tempo? São fragmentos do passado que ressurgem inesperadamente e nos fazem recordar algo que nem sabíamos que tínhamos esquecido. Pequenos detalhes, pequenas pontes entre o presente e o que já fomos.

Mas há uma ironia aqui. Vivemos em uma era de distrações. Com a constante enxurrada de informações e estímulos que recebemos, parece que os pequenos detalhes estão se perdendo na névoa. O filósofo Byung-Chul Han, em seu livro A Sociedade do Cansaço, fala sobre como a aceleração da vida moderna nos impede de prestar atenção a esses detalhes. Estamos sempre sobrecarregados com tarefas, pressões e informações, tornando-nos incapazes de ver o que é simples, de saborear os momentos com calma. Han sugere que essa aceleração acaba por nos privar da profundidade da experiência, pois, na ânsia de fazer mais e mais, deixamos de notar o que está bem diante de nós.

Talvez seja por isso que a natureza continua a nos fascinar. A contemplação de uma árvore, de uma flor ou do mar nos convida a uma pausa, a uma conexão com o presente. A árvore não se apressa, ela apenas cresce, e é justamente no seu ritmo calmo que podemos perceber suas nuances: as folhas balançando ao vento, a sombra que ela projeta, as marcas em seu tronco. Esses pequenos detalhes, que a natureza nos oferece gratuitamente, nos ensinam a arte da presença, algo que, em meio à agitação da vida moderna, estamos sempre esquecendo.

No fim, é nos pequenos detalhes que a vida acontece. Quando olhamos para trás, percebemos que não são os grandes eventos que definem quem somos, mas sim as pequenas interações, as sutilezas, os momentos que pareciam insignificantes na hora, mas que, em retrospecto, ganham um peso surpreendente. Bachelard e Han, cada um à sua maneira, nos convidam a desacelerar, a prestar mais atenção, a ver com olhos novos o que já está diante de nós.

Então, quando sentir o cheiro do café subindo pela cozinha, ou ouvir o som da chuva caindo no telhado, permita-se um momento de contemplação. Esses detalhes, por menores que sejam, têm muito a dizer sobre a vida e sobre o que realmente importa. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Era dos Ressentidos

Vivemos em tempos em que o ressentimento parece estar na moda. Redes sociais, grupos de WhatsApp, conversas no trabalho ou até em uma fila de supermercado — em todos esses lugares, encontramos pessoas que carregam consigo um certo rancor, uma amargura que, de tão presente, já se tornou quase banal. Mas será que essa onda de ressentimento é apenas um reflexo do nosso tempo, ou algo mais profundo está em jogo?

No dia a dia, o ressentimento se manifesta de formas sutis. Talvez você conheça aquela pessoa que não consegue esconder a inveja ao comentar sobre a promoção de um colega, ou aquele amigo que, ao ouvir uma boa notícia, solta um "parabéns" entredentes, acompanhado de um sorriso forçado. Em outros casos, o ressentimento é mais explícito, com acusações diretas de injustiça, de não reconhecimento, de falta de mérito.

Esse ressentimento não se limita às relações interpessoais. Ele invade o espaço público, alimenta debates acalorados, e cria divisões cada vez mais profundas na sociedade. De certa forma, o ressentimento se tornou uma lente através da qual muitos veem o mundo — uma lente que distorce a realidade, criando uma narrativa onde o indivíduo é sempre a vítima e o outro é sempre o culpado.

Para entender esse fenômeno, o filósofo Friedrich Nietzsche oferece uma reflexão pertinente. Em seu conceito de "ressentimento," Nietzsche argumenta que esse sentimento nasce de uma fraqueza interior, de uma incapacidade de agir e de enfrentar os desafios da vida de forma direta. Em vez de transformar essa fraqueza em força, o ressentido projeta sua insatisfação nos outros, buscando culpá-los por suas frustrações.

No cotidiano, esse ressentimento se manifesta na forma de uma constante comparação com os outros, numa tentativa desesperada de encontrar algum consolo na desgraça alheia. Ao ver o sucesso de alguém, o ressentido não consegue sentir alegria ou admiração; ao contrário, sente-se diminuído, como se o sucesso do outro fosse um reflexo de seu próprio fracasso.

Esse comportamento tem um custo alto. Viver com ressentimento é como carregar um peso extra, uma carga emocional que consome energia e bloqueia qualquer possibilidade de crescimento pessoal. Ao invés de buscar melhorar a si mesmo, o ressentido prefere se agarrar ao passado, remoendo ofensas reais ou imaginárias, e se afundando cada vez mais em um ciclo de negatividade.

O desafio, então, é reconhecer essa tendência e romper com ela. Talvez seja um processo difícil, mas é essencial para viver de forma mais leve e autêntica. Como diria Nietzsche, o caminho para a superação do ressentimento é a afirmação da vida — aceitar as circunstâncias como são, agir com coragem, e buscar a própria excelência, independentemente do que os outros fazem ou deixam de fazer.

Byung-Chul Han, o filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, aborda o tema do ressentimento em algumas de suas obras, embora não o trate de forma centralizada como Friedrich Nietzsche, que é uma referência mais direta nesse campo. Han examina o ressentimento dentro do contexto de sua crítica à sociedade contemporânea, especialmente em obras como "A Sociedade do Cansaço" e "A Agonia do Eros".

Han argumenta que a sociedade moderna, marcada pelo excesso de positividade, pela pressão para o desempenho constante e pela hipertransparência, cria um ambiente onde as pessoas acabam internalizando frustrações e ressentimentos. Ele sugere que esse ressentimento se manifesta em formas como a inveja, o ódio velado e a agressividade passiva, que resultam da constante comparação com os outros e do sentimento de inadequação diante de expectativas sociais inatingíveis.

O ressentimento, segundo Han, é também alimentado pela ausência de uma narrativa maior que dê sentido à vida das pessoas. Na falta de uma estrutura simbólica que sustente a existência, o indivíduo moderno se perde em um vazio de significado, onde o ressentimento pode se proliferar. Assim, enquanto Nietzsche via o ressentimento como uma reação dos fracos contra os fortes, Han vê o ressentimento moderno como um sintoma da sociedade do desempenho, onde todos, em algum nível, se tornam vítimas de uma expectativa constante de auto-superação e perfeição.

A era dos ressentidos é um sintoma de uma sociedade que valoriza demais as aparências e se esquece do que realmente importa. Se nos concentrarmos mais em nosso próprio crescimento e menos em comparar nossa vida com a dos outros, talvez possamos transcender essa era e encontrar um sentido maior em nossas jornadas individuais. Afinal, como Nietzsche sugere, o verdadeiro poder está em afirmar a própria vida, não em culpar os outros pelos nossos infortúnios.