À primeira vista, altruísmo e egoísmo parecem antônimos perfeitos. O altruísmo é aquele ato virtuoso de colocar o bem-estar do outro acima do próprio; o egoísmo, por outro lado, é a busca desenfreada pelo benefício pessoal. Contudo, será que os atos altruístas não escondem, em seu âmago, um desejo egoísta de realização, conforto ou reconhecimento? Este ensaio pretende explorar essa provocação, envolvendo situações cotidianas e reflexões filosóficas.
O gesto altruísta e suas intenções ocultas
Imagine uma situação simples: você vê alguém
deixando cair um pacote pesado no meio da rua e se apressa para ajudar.
Aparentemente, você age por puro altruísmo. No entanto, após o ato, surge um
sentimento de satisfação consigo mesmo. Algo dentro de você sussurra: "Fiz
a coisa certa." Esse calor interno, muitas vezes descrito como um
"bem-estar moral", pode ser interpretado como um retorno egoísta pelo
gesto altruísta.
Schopenhauer, em sua obra "O Mundo como
Vontade e Representação", argumenta que a compaixão é a base do altruísmo
genuíno, pois nos permite sentir o sofrimento do outro como se fosse nosso. Mas
até isso pode ser lido como egoísta: buscamos aliviar o sofrimento alheio
porque ele também nos incomoda. Não suportamos a visão da dor do outro e,
ajudando, acalmamos a nós mesmos.
A economia do altruísmo
Nosso dia a dia está repleto de trocas implícitas.
No trabalho, oferecemos ajuda esperando retribuição futura. Em relações
sociais, gestos altruístas muitas vezes garantem inclusão, respeito e até
prestígio. Alguém que doa grandes somas de dinheiro para uma instituição de
caridade pode estar, conscientemente ou não, buscando reconhecimento público ou
alívio de uma culpa pessoal.
O filósofo francês Marcel Mauss, em "Ensaio
sobre a Dádiva", destaca que toda doação carrega um contrato implícito.
Quando damos algo, mesmo que simbólico, criamos uma dívida social no outro.
Assim, o altruísmo raramente é gratuito; ele exige reciprocidade, ainda que
oculta.
Altruísmo como autoengano
Nietzsche, conhecido por sua crítica mordaz aos
valores humanos, rejeitaria a ideia de um altruísmo desinteressado. Para ele,
os valores morais que exaltam o altruísmo são invenções de uma sociedade que
teme a força do egoísmo. Em "Genealogia da Moral", ele sugere que a
compaixão é uma fraqueza disfarçada de virtude, uma maneira de o indivíduo
buscar validação enquanto oculta seus desejos egoístas.
Em atos de grande sacrifício, como uma mãe
renunciando aos seus desejos para criar os filhos, poderíamos argumentar que a
motivação principal é o amor. Mas será que não há também uma necessidade de
perpetuar sua própria identidade nos filhos? Um desejo de se sentir importante
e indispensável?
Existe altruísmo puro?
Talvez o altruísmo puro seja uma utopia. Nossa
própria biologia parece conspirar contra ele. A teoria da seleção de
parentesco, de William Hamilton, sugere que tendemos a ajudar aqueles que
compartilham nossos genes, perpetuando nossa própria herança genética. Já
Richard Dawkins, em "O Gene Egoísta", propõe que mesmo atos
altruístas em comunidades maiores podem ser estratégias de sobrevivência
coletiva que, em última análise, beneficiam o indivíduo.
Isso significa que estamos presos a uma lógica
egoísta, mesmo em nossos gestos mais generosos? Não necessariamente. Apesar de
nossas motivações egoístas, o altruísmo ainda é uma força transformadora que
cria laços e promove o bem-estar coletivo.
Um paradoxo que nos define
A verdade pode estar no meio do caminho: o
altruísmo é egoísta, mas isso não o torna menos valioso. Talvez o mais
importante seja o resultado, e não as intenções. Se ajudar o próximo traz um
benefício, tanto para quem ajuda quanto para quem é ajudado, por que questionar
sua pureza?
O filósofo brasileiro Rubem Alves oferece uma
reflexão que ressoa aqui: “A verdadeira generosidade não é doar o que nos
sobra, mas aquilo que nos custa.” Nesse sentido, o altruísmo, mesmo impregnado
de egoísmo, exige esforço e nos conecta a algo maior do que nós mesmos.
O altruísmo é egoísta, mas talvez seja exatamente
isso que o torna tão humano. Somos criaturas paradoxais, constantemente
equilibrando nossos desejos e nossas responsabilidades. Se o egoísmo nos move,
o altruísmo nos lapida. E, no final, talvez o objetivo não seja ser
completamente desinteressado, mas encontrar harmonia entre os dois lados dessa
moeda existencial. Afinal, na busca pelo outro, encontramos a nós mesmos.