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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Humanidade Esquecida


Você já se perguntou porque há tantas divisões, se os seres humanos são um só, ou tem algum humano mais humano do que o outro?

Essa pergunta, simples na forma, é profunda como um abismo. “Por que tanta divisão, se seres humanos são um só?” — talvez seja uma das grandes dores da humanidade. A gente se vê repetindo, século após século, os mesmos erros: fronteiras, muros, religiões, castas, tribos, cor da pele, partidos, rótulos. Como se houvesse alguém mais humano que outro. Como se houvesse uma régua secreta para medir o grau de humanidade de cada um.

No dia a dia, essas divisões aparecem de forma até sutil: quando alguém diz “gente como a gente”, o que está por trás disso? Quem é esse “a gente”? E quem está fora disso?

Na fila do supermercado, tem quem se incomode com o jeito de falar do outro, com a roupa, com o modo como cuida (ou não cuida) dos filhos. No trânsito, a raiva explode se o outro parece não pertencer à mesma lógica. E nas redes sociais, então — ali, cada bolha vira um pequeno país com hino, bandeira e inimigos declarados.

Mas por que somos assim? Será instinto de autopreservação? Medo do desconhecido? Desejo de controle?

O filósofo francês Emmanuel Levinas dizia que a verdadeira ética começa no rosto do outro. No momento em que nos deparamos com a alteridade — com o outro ser humano em sua diferença —, somos convocados à responsabilidade. Isso significa que não há hierarquia entre humanos, só a constatação radical de que o outro me afeta e me obriga a agir com humanidade.

Ou seja: o mais humano que podemos ser é justamente quando reconhecemos a humanidade do outro, sem medir, comparar ou classificar.

Talvez o problema esteja quando a gente se desliga do simples fato de que “ser humano” não é uma competição, nem um privilégio. É uma condição compartilhada — com alegrias e dores, com dúvidas e medos, com sonhos que se repetem, seja numa favela ou num palácio.

No fim das contas, a pergunta poderia ser invertida: se todos somos humanos, o que nos faz esquecer disso com tanta facilidade?

E mais, não estaríamos nos tornando cada vez mais individualistas, territorialistas e egoístas?

Sim, parece que estamos sim — nos tornando cada vez mais individualistas, territorialistas e egoístas. E o mais estranho é que isso tudo acontece num mundo hiperconectado, onde a promessa era justamente o contrário: que estaríamos mais próximos, mais empáticos, mais solidários.

Mas o que vemos?

Cada um cuidando do seu. Cercas invisíveis (e às vezes bem visíveis) se erguendo entre vizinhos, entre colegas, até dentro da própria família. O “meu espaço”, o “meu tempo”, o “meu direito” viraram lemas. E, claro, é importante ter limites saudáveis, mas há uma linha tênue entre o autocuidado e o isolamento emocional travestido de autonomia.

No trânsito, ninguém cede passagem. No trabalho, o espírito de equipe vira competição. No condomínio, o morador reclama do cachorro do outro, mas não enxerga o barulho que ele mesmo faz. E nas redes sociais, então… ali o território é o ego: cada um no seu palanque, gritando mais alto que o outro.

Parece que, no fundo, temos medo de sermos “invadidos” — não só no espaço físico, mas nas opiniões, nas crenças, nos estilos de vida. Por isso, blindamos tudo. Viramos fortalezas emocionais, com muralhas de desconfiança e trincheiras de indiferença.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han fala sobre isso em A Sociedade do Cansaço e A Sociedade da Transparência. Para ele, o excesso de individualismo e performance nos transforma em sujeitos do cansaço — sempre tentando se destacar, se proteger, se manter produtivos. Perdemos a capacidade de contemplar o outro sem julgamento, de conviver com a diferença, de simplesmente ser junto, sem uma agenda por trás.

Talvez estejamos desaprendendo a conviver.

Mas há um antídoto. Pequeno, quase invisível, mas potente: o gesto gratuito. Quando alguém segura o elevador para o outro, quando escuta sem pressa, quando oferece ajuda sem esperar nada em troca. São nessas brechas que o egoísmo se dissolve, ainda que por instantes.

E aí a gente percebe que ser humano de verdade… é ser com o outro. Não ao lado, mas junto.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Altruísmo Egoísta

À primeira vista, altruísmo e egoísmo parecem antônimos perfeitos. O altruísmo é aquele ato virtuoso de colocar o bem-estar do outro acima do próprio; o egoísmo, por outro lado, é a busca desenfreada pelo benefício pessoal. Contudo, será que os atos altruístas não escondem, em seu âmago, um desejo egoísta de realização, conforto ou reconhecimento? Este ensaio pretende explorar essa provocação, envolvendo situações cotidianas e reflexões filosóficas.

O gesto altruísta e suas intenções ocultas

Imagine uma situação simples: você vê alguém deixando cair um pacote pesado no meio da rua e se apressa para ajudar. Aparentemente, você age por puro altruísmo. No entanto, após o ato, surge um sentimento de satisfação consigo mesmo. Algo dentro de você sussurra: "Fiz a coisa certa." Esse calor interno, muitas vezes descrito como um "bem-estar moral", pode ser interpretado como um retorno egoísta pelo gesto altruísta.

Schopenhauer, em sua obra "O Mundo como Vontade e Representação", argumenta que a compaixão é a base do altruísmo genuíno, pois nos permite sentir o sofrimento do outro como se fosse nosso. Mas até isso pode ser lido como egoísta: buscamos aliviar o sofrimento alheio porque ele também nos incomoda. Não suportamos a visão da dor do outro e, ajudando, acalmamos a nós mesmos.

A economia do altruísmo

Nosso dia a dia está repleto de trocas implícitas. No trabalho, oferecemos ajuda esperando retribuição futura. Em relações sociais, gestos altruístas muitas vezes garantem inclusão, respeito e até prestígio. Alguém que doa grandes somas de dinheiro para uma instituição de caridade pode estar, conscientemente ou não, buscando reconhecimento público ou alívio de uma culpa pessoal.

O filósofo francês Marcel Mauss, em "Ensaio sobre a Dádiva", destaca que toda doação carrega um contrato implícito. Quando damos algo, mesmo que simbólico, criamos uma dívida social no outro. Assim, o altruísmo raramente é gratuito; ele exige reciprocidade, ainda que oculta.

Altruísmo como autoengano

Nietzsche, conhecido por sua crítica mordaz aos valores humanos, rejeitaria a ideia de um altruísmo desinteressado. Para ele, os valores morais que exaltam o altruísmo são invenções de uma sociedade que teme a força do egoísmo. Em "Genealogia da Moral", ele sugere que a compaixão é uma fraqueza disfarçada de virtude, uma maneira de o indivíduo buscar validação enquanto oculta seus desejos egoístas.

Em atos de grande sacrifício, como uma mãe renunciando aos seus desejos para criar os filhos, poderíamos argumentar que a motivação principal é o amor. Mas será que não há também uma necessidade de perpetuar sua própria identidade nos filhos? Um desejo de se sentir importante e indispensável?

Existe altruísmo puro?

Talvez o altruísmo puro seja uma utopia. Nossa própria biologia parece conspirar contra ele. A teoria da seleção de parentesco, de William Hamilton, sugere que tendemos a ajudar aqueles que compartilham nossos genes, perpetuando nossa própria herança genética. Já Richard Dawkins, em "O Gene Egoísta", propõe que mesmo atos altruístas em comunidades maiores podem ser estratégias de sobrevivência coletiva que, em última análise, beneficiam o indivíduo.

Isso significa que estamos presos a uma lógica egoísta, mesmo em nossos gestos mais generosos? Não necessariamente. Apesar de nossas motivações egoístas, o altruísmo ainda é uma força transformadora que cria laços e promove o bem-estar coletivo.

Um paradoxo que nos define

A verdade pode estar no meio do caminho: o altruísmo é egoísta, mas isso não o torna menos valioso. Talvez o mais importante seja o resultado, e não as intenções. Se ajudar o próximo traz um benefício, tanto para quem ajuda quanto para quem é ajudado, por que questionar sua pureza?

O filósofo brasileiro Rubem Alves oferece uma reflexão que ressoa aqui: “A verdadeira generosidade não é doar o que nos sobra, mas aquilo que nos custa.” Nesse sentido, o altruísmo, mesmo impregnado de egoísmo, exige esforço e nos conecta a algo maior do que nós mesmos.

O altruísmo é egoísta, mas talvez seja exatamente isso que o torna tão humano. Somos criaturas paradoxais, constantemente equilibrando nossos desejos e nossas responsabilidades. Se o egoísmo nos move, o altruísmo nos lapida. E, no final, talvez o objetivo não seja ser completamente desinteressado, mas encontrar harmonia entre os dois lados dessa moeda existencial. Afinal, na busca pelo outro, encontramos a nós mesmos.