Quando a Pergunta Já É a Armadilha
Outro
dia, parado no sinal vermelho e com a cabeça meio solta dos compromissos, me
peguei tentando resolver um dilema existencial: será que as formigas têm
consciência do trabalho em equipe ou só fazem porque fazem? Aí me caiu uma
ficha meio amarga: talvez eu estivesse gastando energia com um falso problema.
E não estou falando de bobagens do cotidiano, tipo "qual a melhor posição
pra dormir", mas daqueles dilemas que, por mais sofisticados que pareçam,
nascem de premissas viciadas. Falsos problemas são isso: perguntas bem
articuladas com raízes podres.
No
fundo, todo falso problema é uma má pergunta disfarçada de grande questão. Ele
se sustenta num jogo de linguagem ou numa ilusão de perspectiva. Gastamos
séculos debatendo "qual é o lugar da alma no corpo", por exemplo, sem
antes perguntar se essa tal “alma” é mesmo algo que ocupa um lugar. Como disse
Wittgenstein, muitos problemas filosóficos são como moscas presas numa garrafa:
a saída está ali, mas a estrutura da garrafa (ou da linguagem) impede que a
gente veja. O problema não é insolúvel — ele é mal colocado.
Imagine
um médico tentando curar um paciente que só acha que está doente. O paciente
sente os sintomas porque está convencido de que eles existem. Nesse cenário, a
doença é um falso problema, mas o sofrimento é real. O mesmo acontece com
muitas de nossas crises modernas: passamos noites sem dormir querendo saber se
estamos vivendo “a vida certa”, se fizemos “as escolhas certas”, sem perceber
que estamos baseando essas perguntas num modelo de vida que nem escolhemos.
O
filósofo brasileiro Vilém Flusser dizia que, quando uma questão é mal
formulada, qualquer resposta será igualmente mal formulada. Segundo ele, a
verdadeira filosofia começa quando reformulamos os problemas, quando deixamos
de responder perguntas e passamos a investigar de onde elas vêm. Ou seja,
quando desconfiamos da pergunta antes de sair correndo atrás da resposta.
No
dia a dia, os falsos problemas são sorrateiros. "Será que eu devia ser
mais como fulano?" "Será que estou atrasado na vida?" "E se
eu tivesse seguido outro caminho?" — perguntas que parecem profundas, mas
muitas vezes estão embutidas em métricas que não são nossas. Seguimos
perseguindo padrões de sucesso que ninguém teve coragem de questionar. Como
correr em círculos dentro de uma gaiola mental.
Um
caminho filosófico possível seria fazer como Sócrates, aquele incômodo grego
que não respondia nada, mas fazia os outros perceberem que não sabiam o que
estavam perguntando. Ele não resolvia problemas, ele desmontava as perguntas. E
talvez esse seja o maior gesto de liberdade: perceber que, muitas vezes, não
precisamos de respostas — precisamos de silêncio diante do barulho das
perguntas mal feitas.
Voltando
às formigas: talvez a questão nunca tenha sido se elas têm consciência, mas por
que eu achei relevante pensar nisso enquanto esperava o sinal abrir. E isso,
por si só, já aponta para o verdadeiro problema.