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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Resenha do Livro “O Apanhador no Campo de Centeio” de J.D.Salinger

O livro é um romance de ficção juvenil, escrito por J. D. Salinger, publicado pela primeira vez em 1951, narrado em primeira pessoa, tem tudo a ver com o amadurecimento de um jovem de 17 anos daquela época em que foi escrito quanto com um jovem da época atual, inicialmente escrito para o público adulto, no entanto o livro ficou muito conhecido, apreciado e popularizado entre os jovens, pois o conteúdo da história fala das desilusões, angustias, duvidas, alienação, e deslocamento com a realidade, também critica a superficialidade da sociedade em sua forma de viverem e educarem os filhos, sendo um dos romances mais revolucionários do século XX.

Sinopse:

É Natal, e Holden Caulfield conseguiu ser expulso de mais uma escola. Com uns trocados da venda de uma máquina de escrever e portando seu indefectível boné vermelho de caçador, o jovem traça um plano incerto: tomar um trem para Nova York e vagar por três dias pela grande cidade, adiando a volta à casa dos pais até que eles recebam a notícia da expulsão por alguém da escola. Seus dias e noites serão marcados por encontros confusos, e ocasionalmente comoventes, com estranhos, brigas com os tipos mais desprezíveis, encontros com ex-namoradas, visitas à sua irmã Phoebe -- a única criatura neste mundo que parece entendê-lo -- e por dúvidas que irão consumi-lo durante sua estadia, entre elas uma questão recorrente: afinal, para onde vão os patos do Central Park no inverno? Acima de todos esses fatos, preocupações e pensamentos, paira a inimitável voz de Holden, o adolescente raivoso e idealista que quer desbancar o mundo dos "fajutos", num turbilhão quase sem fim de ressentimento, humor, frases lapidares, insegurança, bravatas e rebelião juvenil.

Sobre o autor:

J. D. Salinger nasceu em 1919, em Nova York, nos Estados Unidos. É autor de O apanhador no campo de centeio (1951), Nove histórias (1953), Franny & Zooey (1961) e de Para cima com a viga, carpinteiros e Seymour - Uma introdução (1963). Sua última história foi publicada na revista New Yorker em 1965. Morreu em 2010 em Cornish, New Hampshire.

 

Holden Caulfield, nosso protagonista é um adolescente de 17 anos, mal-humorado e revoltado, não vê sentido em nada do que é obrigado a fazer e está sempre reclamando de tudo e de todos. Ele vem de uma família abastada de Nova York, estuda num internato para rapazes, volta mais cedo no inverno depois de levar bomba nas provas na maioria das matérias e ser expulso da escola ele faz suas malas e decide ficar o final de semana vagabundeando pela cidade, dar umas voltas pela cidade, gastar todo o dinheiro que ainda tinha, isto tudo antes de chegar a hora de ir para casa e ter que enfrentar os pais e levar aquele inevitável esporro, ele vai aos poucos refletindo sobre tudo e todos conforme sua visão de mundo, nesta sua breve fuga ao enfrentamento procura algumas pessoas importantes para ele, como um professor que ele admira, uma antiga namorada, e sua amada irmãzinha, tentando lhes explicar a confusão que passa em sua mente.

O título do livro vem de uma canção que em um dos versos fala sobre crianças correndo em um campo de centeio, nasceu de uma coincidência ao andar na rua e ouvir um guri cantarolando e numa conversa com sua irmã, Phoebe, ela pergunta o que ele gostaria de ser — já que ele não gosta de nada — e ele responde que gostaria de ser o apanhador no campo de centeio, aquele que apanha as crianças antes que elas corram em direção ao precipício.

 

O guri era o máximo. Tinha descido da calçada e vinha andando pela rua, juntinho ao meio-fio. Fazia de conta que estava andando bem em cima de uma linha reta, como todos os meninos fazem, e cantarolava o tempo todo. Cheguei perto para ver se escutava o quê que ele estava cantando. Era aquela música "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio". A vozinha dele até que era afinada. Estava cantando só por cantar, via-se logo. Os carros passavam por ele zunindo, os freios rangiam em volta, os pais não davam a mínima bola para ele, e o menino continuava a andar colado ao meio-fio, cantando - "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio". Isso me fez sentir melhor. Deixei de me sentir tão deprimido. Pg.202

 

- Você sabe o quê que eu quero ser? - perguntei a ela. - Sabe o que é que eu queria ser?

Se pudesse fazer a merda da escolha?

- O quê? Para de dizer nome feio.

- Você conhece aquela cantiga: "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria...

- A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! – ela disse. - É dum poema do Robert Burns.

- Eu sei que é dum poema do Robert Burns.

Mas ela tinha razão. É mesmo "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito.

- Pensei que era "Se alguém agarra alguém" - falei. - Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice. Pg. 293

Inicialmente, a história quando lida por adultos pode parecer ser tudo o que lutam para os jovens não pensarem ou agirem, no entanto quando estes mesmos leitores adultos quando jovens, dificilmente algumas vezes não tenham questionado e até ficado revoltados pelas imposições que na época lhes pareciam não ter sentido, como por exemplo passar uma boa parte da vida enfiado atrás de uma mesa numa sala de aula, principalmente quando a escola não faz sentido, diante de um crescente acumulo de aprendizado e sendo a vida curta demais para isto, nesta repetição de estudos que toma boa parte do cotidiano de longos quase 20 anos de vida, ainda mais quando sabem que tudo está disponível para consulta aberta no google. 


Uma coisa é ler o livro quando adulto e outra é ler o livro com 17 anos, lógico que cada um terá sua maneira de ver a história, as pessoas costumam romantizar o passado pensando no presente um tanto sombrio e sem brilho, os adultos precisam escarafunchar em suas memórias e lembrarem de seus sentimentos quando eram adolescentes, certamente se enxergarão pensando coisas muito parecidas, lembrarão da rotina e responsabilidades na adolescência pareciam ser fardos pesados e desestimulantes, principalmente se olhar para o futuro e no cotidiano de repetições, tudo contido numa rotina cansativa podem ser estressantes e inibidores de imaginação e criatividade, bastante confundido com o que chamamos de amadurecimento do emburrecimento, se pensarmos bem aqueles jovens que conseguem superar esse processo de formatação são as chamadas ovelhas negras, elas provavelmente no futuro apresentarão formas diferentes de pensar fora da gaiola e se tornarão empreendedores corajosos fazendo toda a diferença neste mundo padronizado, cheio de convenções, repleto de muita artificialidade, estamos tão acostumados que nos parece natural, sejam as roupas, as vitrines, os cortes de cabelo, tudo fazendo parte da produção no visual, estes são apenas alguns detalhes de artificialidades que os jovens relutavam em aceitar, embora que atualmente com sua imaginação sendo domesticada e treinada através dos influenciadores digitais estão aos poucos também achando isto tudo...normal.

 

“Esse é um troço que me deixa maluco. Estou sempre dizendo: ‘Muito prazer em conhecê-lo’ para alguém que não tenho nenhum prazer em conhecer. Mas a gente tem que fazer essas coisas para seguir vivendo”. O apanhador no campo de centeio

 

No parágrafo acima percebemos que Holden Caulfield é um jovem que não quer fazer nada por obrigação, ele não quer fazer as coisas como todo mundo faz, na maioria das vezes por pura convenção, a civilização tem muito disto, coisas de civilizados, ele acaba fazendo porque ele também não quer se sentir sozinho e isto é deprimente para qualquer um, principalmente pelos jovens que precisam estar enturmados e aceitos pelos “iguais”, ele gostaria muito de morar em lugar que não tivesse tantas pessoas chatas, inconvenientes e pessoas tão civilizadas pela artificialidade das convenções sociais. Ele parece ser tão implicante que chega a ser hilário:

 

Trechos do livro:

Não sei direito o nome da música que ele estava tocando quando entrei, mas só sei que ele estava esculhambando mesmo o troço pra valer. Dando uma porção de floreios imbecis nos agudos e outras palhaçadas que me aporrinham pra chuchu. Mas valia a pena ver os idiotas quando ele acabou. Era de vomitar. Entraram em órbita, igualzinho aos imbecis que riem como umas hienas, no cinema, das coisas sem graça. Pg. 153

 

O táxi que tomei era velho pra chuchu e cheirava como se alguém tivesse acabado de vomitar ali mesmo. Sempre que tomo um táxi de madrugada, tem que estar fedendo a vômito. E o pior é que a rua estava um bocado silenciosa e deserta, embora fosse uma noite de sábado. Não se via quase ninguém. Aqui e ali tinha um homem e uma mulher atravessando a rua, abraçados pela cintura e tudo, ou um grupo de imbecis com as namoradas, todos rindo como

umas hienas de qualquer coisa que, aposto, não tinha a menor graça. Nova York é terrível quando alguém ri de noite na rua; pode-se ouvir a gargalhada a quilômetros de distância. É o tipo do troço que faz a gente se sentir só e deprimido. Continuava com vontade de ir para casa e fazer um pouco de hora com a Phoebe. Pg. 147

 

“De qualquer maneira, até que achei bom eles terem inventado a bomba atômica. Se houver outra guerra, vou me sentar bem em cima da droga da bomba. E vou me apresentar como voluntário para fazer isso, juro por Deus que vou”. Pg. 233

 

Num trecho do livro, na pag. 291, remete bastante a ética de Kant, ao dilema de não sabermos qual a verdadeira intenção das pessoas que estão por trás de seus atos, Kant afirma que as ações têm valor moral quando agimos motivados pelo dever. Quando fazemos o que é certo porque isso é certo. O que é uma ação correta ou incorreta é definida pelas fórmulas do imperativo categórico. Nosso protagonista a seu modo expõe um dilema que habita nosso imaginário sempre que observamos as ações dos outros, na verdade os únicos que podem saber de fato o que move as ações em principio seria exclusivamente a pessoa que está agindo:

 

- Não tenho nada contra os advogados, mas o negócio não me atrai. Até que é bacana quando um advogado está sempre salvando a vida dos sujeitos inocentes e coisas assim, mas um cara que é advogado não faz nada disso. Só faz ganhar um dinheirão, e jogar golfe, e jogar bridge, e comprar carros, e beber martinis, e fazer pinta de bacana. Mesmo se a gente salvasse as vidas dos sujeitos e tudo, como é que ia saber se estava fazendo o troço porque queria mesmo salvar a vida deles, ou porque queria era ser um advogado bom pra burro, pra todo mundo bater nas costas da gente e dar parabéns no tribunal quando acaba a porcaria do julgamento, os repórteres e tudo, como aparece na droga dos filmes? Como é que eu ia saber se não era na verdade um cretino? O problema é que não ia saber.

A narrativa de nosso protagonista tem sua origem em acontecimentos quase banais, ocorridos com o adolescente igualzinho a maioria sem nada de extraordinário, a sacada genial do autor há 70 anos atrás foi uma luz pioneira focada nos anseios e dilemas da juventude, sua narrativa acurada se transformou numa das melhores obras que mapeou as encruzilhadas que os jovens se deparam, através desta obra tenho certeza que os jovens começaram a ser vistos com outros olhos e passaram a ter direito a voz vistas de seus próprios mundos, alterando o comportamento de muitos jovens.

Este livro traz uma história que envolve os adolescentes, é quase um estudo feito no interior do mundo dos jovens sendo expostas, ideias, conceitos e tropeços de maneira natural, sem ser dramático, mas sendo dramático pela confusão dentro da mente de nosso protagonista, sendo até muitas vezes hilário na maneira que crítica algumas convenções.

De fato, a obra é indispensável para leitura de jovens e adultos, o dialogo dele com sua própria mente e as pessoas que ele julga serem importantes são sua demonstração de descortinar os anseios e dilemas da maioria dos jovens, a leitura proporciona uma reflexão que desde 1951 vem transformando a forma dos jovens se auto analisarem e dos adultos se verem refletidos com os mesmo anseios e dilemas no passado, provavelmente possa fazer com que alguns pais sejam menos dramáticos quando estiverem orientando seus filhos ou jovens vivenciando seus problemas do cotidiano.

Fonte:

Salinger. J. D. O apanhador no campo de centeio. Editora Do autor. 16.Edição

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Resenha do livro O Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdã

Um livro polêmico, satírico, irônico e ao mesmo tempo engraçado, um dos principais livros da produção ocidental no renascimento, se tornou muito popular e tem muito a ver com o que vivemos atualmente.

A obra foi escrita em 1509 e publicada em 1511, por Erasmo de Roterdã (1466 - 1536), escrito em latim pelo filosofo, teólogo, filólogo, nasceu na Holanda, viajou por praticamente toda a Europa, estava além de seu tempo por fazer de seus escritos uma crítica social muito grande, com visão humanista muito acurada e com vistas ao reconhecimento ético por aquilo que é feito pelo ser humano.

Ele foi ordenado sacerdote, saiu da igreja pedindo a dispensa do ministério, e se tornou um grande crítico da igreja em razão da igreja ter se distanciado do ideal de cristo, neste viés nem Lutero escapou a suas críticas, por esta razão várias de suas obras foram para o index (livros proibidos pela igreja católica), também defendia o termino do domínio religioso na educação, humanista cristão, vivia de seus escritos, ele era amigo do Tomas More (autor do livro Utopia), no começo do Elogio da Loucura, Erasmo faz uma homenagem ao amigo, ambos eram opostos da guerra.

Erasmo era crítico ao pensamento aristotélico escolástico centrado em problemas metafísicos, físicos e dialéticos, nesta obra podemos perceber que a loucura por suas molas propulsoras estarem na emoção contrariam a razão da filosofia como forma única de viver e chegar a felicidade, o homem no humanismo passa a ser o centro de tudo contrariando a filosofia teocêntrica, o homem passa a ser o centro do pensamento.

Ele escreve fazendo uma crítica social olhando para os podres da sociedade, nisto incluída a igreja católica por sua atuação, uma crítica a sociedade como um todo, dos costumes, sua organização, modo de viverem, se tratarem.

O tom irônico e provocador da obra destaca questões como a corrupção, a ganância, a hipocrisia e as instituições religiosas. Erasmo usa a figura da "Loucura" para questionar a racionalidade e as ações dos seres humanos, enfatizando que muitas das ações humanas são motivadas por impulsos irracionais e desejos egoístas.

Foi escrita em primeira pessoa pela própria loucura, portanto um autoelogio, Erasmo cria a deusa loucura, a responsável pela felicidade humana. Afirma que sem loucura a sociedade não sobrevive, a loucura diz ser filha da riqueza (Pluto pai dos deuses) e da juventude (Neotetes),

A loucura tem variantes e graus, mostrando na sociedade a sua manifestação através das atitudes humanas pouco nobres, aponta os extremos negativo onde aparece o pior dos homens e no outro extremo, no positivo está a verdadeira fé cristã em sua busca da felicidade extraterrena, como por exemplos ele cita as loucuras: guerra, casamento cheio de inconvenientes, criar filhos, as pessoas cheias de si se achando melhores por terem títulos como reis, nobres, papas, padres e indulgencias que diziam pode comprar alegrias e benesses no céu, a vaidade de advogados e todos os intelectuais se achando os melhores dos homens tentando se destacar por serem melhores sábios. Se manifesta na loucura nos loucos pelo dinheiro, poder, fanáticos, jogadores, sofistas, dialéticos, escapariam deste rol os poetas e pintores, porque suas profissões já tem uma boa dose de loucura, pois conseguem estes últimos conseguem vender seu produto aos tolos com sua própria dose de loucura.

 

“Pois bem, quem desejaria sacrificar-se ao laço matrimonial, se antes, como costumam fazer em geral os filósofos, refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição? Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugai, se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas dores do parto e as penas da educação? Se, portanto, deveis a vida ao matrimônio e o matrimônio à Irreflexão, que é uma das minhas sequazes, avaliai quanto me deveis. Além disso, uma mulher que já passou uma vez pelos espinhos do indissolúvel laço, e que anseia por tornar a passar por eles, não o fará, talvez, em virtude da assistência da ninfa Esquecimento, minha cara companheira?”

A loucura acha melhor ficar dentro na caverna de Platão, é melhor ser tolo do que sábio, pois é a loucura que proporciona a felicidade, não são os sábios que proporcionariam a felicidade, sendo a deusa loucura quem poderia lhes ensinar, ela trata de uma loucura não patológica, mas enquanto deusa com seus agraciamentos e seus favores tornando nossos dias menos tediosos e enfadonhos.

 

Merecem ser incluídos nessa categoria os habitantes da caverna de Platão. Ao verem, os tolos, as sombras e as aparências de diversas coisas, admiram-nas e nada mais procuram, dando-se por satisfeitos. Já os filósofos, por estarem fora da caverna, não só observam os mesmos objetos como lhes investigam os mistérios. Não terão uns e outros o mesmo prazer? Se o remendão Micilo, de que fala Luciano, tivesse podido passar o resto dos seus dias no belíssimo sonho em que se embalava quando o despertaram, poderia ele desejar felicidade maior? Não haveria, pois, diferença alguma entre os sábios e os loucos, se não fossem mais felizes estes últimos. Sim, porque estes o são por dois motivos: o primeiro é que a felicidade dos loucos não custa nada, bastando um pouquinho de persuasão para formá-la; o segundo é que os meus loucos são felizes mesmo quando estão juntos com muitos outros. Ora, é impossível gozar um bem quando se está sozinho.

Critica os filósofos por serem extremamente racionais, sendo a sabedoria a grande inimiga da loucura, ela atrapalha a conquista da verdadeira felicidade, o louco é conduzido por suas paixões e os sábios conduzidos pela razão, a loucura seria a única a poder compreender o mundo humano, as pessoas em sua maioria seriam guiadas por ela, a felicidade é guiada pela loucura e não pela razão, a razão não traria felicidade. A razão seria aquele chato do banquete de Platão, a loucura seria a tênue ligação consigo mesmo.

 

“Falo aqui unicamente dos homens, dos quais não há um só que tenha nascido sem defeitos, e admitindo que, para nós, o homem melhor seja o que tem menores vícios. É por isso que os sábios, pretendendo divinizar-se com sua filosofia, ou não contraem nenhuma amizade ou tornam a sua uma ligação áspera e desagradável. Além disso, só costumam gostar sinceramente de raríssimas pessoas, de forma que nenhum escrúpulo me impede de asseverar que não gostam absolutamente de ninguém...”

Erasmo escreveu diversas obras literárias, filosóficas e de teor religioso das quais se destacam:

  • Manual do Cavaleiro Cristão
  • Elogio da Loucura
  • Os Pais Cristãos
  • Colóquios Familiares
  • As Navegações dos Antigos
  • Preparação para a Morte

Trata- se de um ensaio satírico em que o autor critica a Igreja e a sociedade da época, ao mesmo tempo que defende a liberdade de pensamento num período de renascimento humanista. Veja abaixo alguns trechos da obra:

Coragem, meu belíssimo espírito! Sustentemos, diante desses ouvintes, diante dessa ilustre sociedade de loucos, uma tese inteiramente nova e inesperada. Sim, meus caros senhores, quero mostrar-vos que a felicidade dos cristãos, essa felicidade almejada com tantas penas e tantos trabalhos, não é senão uma espécie de loucura e de furor. Como! vós me olhais de soslaio e com desdém? Devagar, devagar: não nos apeguemos às palavras, que não passam de sons articulados e arbitrários.

Que seria esta vida, se é que de vida merece o nome, sem os prazeres da volúpia? Oh! Oh! Vós me aplaudis? Já vejo que não há aqui nenhum insensato que não possua esse sentimento. Sois todos muito sábios, uma vez que, a meu ver, loucura é o mesmo que sabedoria. Podeis, pois, estar certos de que também os estóicos não desprezam a volúpia, embora astutamente se finjam alheios a ela e a ultrajem com mil injúrias diante do povo, fim de que, amendontrando os outros, possam gozá-la mais freqüentemente. Mas, admitindo que esses hipócritas declamem de boa fé, dizei-me, por Júpiter, sim, dizei-me se há, acaso, um só dia na vida que não seja triste, desagradável, fastidioso, enfadonho, aborrecido, quando não é animado pela volúpia, isto é pelo condimento da loucura. como Sóflocles por testemunho irrefragável, Sóflocles nunca bastante louvado. Oh! nunca se me fez tanta justiça! Diz ele, para minha honra e minha glória: “Como é bom viver! mas, sem sabedoria, porque esta é o veneno da vida”.

Algumas frases de Erasmo de Roterdã, as quais traduzem parte de seus pensamentos:

  • A pior das loucuras é, sem dúvida, tentar ser sensato em um mundo de loucos.”
  • Quando tenho um pouco de dinheiro, compro livros. Se sobrar algum, compro roupas e comida.”
  • O amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro e mais importante degrau para se chegar ao conhecimento.”
  • Cada momento da vida seria triste, fastidioso, insípido, aborrecido, se não houvesse prazer, se não fosse animado pelo tempero da Loucura.”
  • Rir de tudo é coisa dos tontos, mas não rir de nada é coisa dos estúpidos.”
  • Deus, arquitecto do universo, proibiu o homem de provar os frutos da árvore da ciência, como se a ciência fosse um veneno para a felicidade.”
  • “Só se costuma defender a verdade quando não se é atingido por ela”.

Em resumo, sua relevância contemporaneamente

Continua sendo uma obra relevante e aplicável na análise crítica de diversos aspectos da sociedade atual, apesar de ter sido escrito no início do século XVI. A abordagem satírica e provocativa de Erasmo pode ser relacionada a várias questões contemporâneas.

Como vimos a obra critica a corrupção e a hipocrisia de autoridades e instituições da época. Essa crítica pode ser facilmente relacionada às questões de corrupção, desonestidade e abuso de poder que ainda persistem em muitos governos, organizações e sistemas sociais modernos.

A personificação da "Loucura" oferece uma análise profunda da natureza humana, expondo as fraquezas, a irracionalidade e a influência dos impulsos emocionais nas decisões e ações humanas. Isso permanece relevante ao considerar a psicologia e o comportamento humano, especialmente no contexto de vieses cognitivos, polarização política e tomada de decisões baseada em emoções.

A obra desafia os valores sociais e culturais da época. Da mesma forma, atualmente, vemos um questionamento contínuo das normas sociais, como papéis de gênero, discriminação, desigualdade e preconceitos. O "Elogio da Loucura" pode ser usado para incentivar a reflexão sobre a validade e a justiça desses valores.

Erasmo critica a Igreja Católica de sua época. Hoje, ainda há críticas ao papel das instituições religiosas, interpretações extremistas e o uso da religião para justificar a violência, a intolerância e outras formas de opressão.

Ao elogiar a "Loucura", Erasmo desafia a supremacia da razão. Atualmente, isso pode ser visto como uma chamada para considerar outras formas de conhecimento, como a experiência subjetiva, as emoções e a intuição, ao lado da lógica e do raciocínio.

"Elogio da Loucura" permanece uma obra relevante para analisar e questionar aspectos da sociedade e da natureza humana, incentivando uma reflexão crítica sobre o mundo contemporâneo, vale muito fazer a leitura mais de uma vez, podemos perceber detalhes que deixamos para trás na primeira leitura.

 

Fonte: Roterdã, Erasmo. Elogio da Loucura. Os grandes clássicos da Literatura - Vol. III Ed. Novo Horizonte – São Paulo/SP