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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Realmente, incompreensível


Quantas vezes nos deparamos com situações que simplesmente nos deixam perplexos? A vida, com toda a sua complexidade, nos reserva momentos que desafiam nossa compreensão e nos deixam pensando: "Isso é realmente incompreensível!".

No universo do cotidiano, encontramos uma infinidade de exemplos que se encaixam nessa categoria. Desde os mistérios da mente humana até as ironias da vida moderna, há tantos enigmas que nos cercam que é difícil não se maravilhar com a imprevisibilidade do mundo.

Imagine aquele momento em que você se pega refletindo sobre as escolhas que levaram uma pessoa a agir de determinada forma. Às vezes, nos deparamos com atitudes que simplesmente não conseguimos decifrar. Por que alguém decide desistir de um sonho no último minuto? Por que preferem seguir por um caminho cheio de obstáculos quando existe uma rota mais fácil e clara? As motivações humanas muitas vezes são um território realmente incompreensível.

E o que dizer da natureza? Quantas vezes já nos encontramos admirando o espetáculo do pôr do sol ou observando as estrelas no céu noturno, nos perguntando sobre os mistérios do universo? Como é possível que algo tão grandioso e majestoso possa existir em nossa realidade?

O humor também tem seu lugar nessa lista de incompreensibilidades. Por que rimos de certas piadas e não de outras? O que nos faz encontrar graça em situações que, à primeira vista, não parecem tão engraçadas assim? O riso, com sua capacidade de conectar as pessoas e aliviar as tensões, é verdadeiramente um fenômeno intrigante.

No entanto, não podemos esquecer das ironias da vida moderna. Vivemos em uma era onde a comunicação nunca foi tão rápida e acessível, mas, ao mesmo tempo, nos sentimos cada vez mais isolados e desconectados. Passamos horas interagindo através de telas, mas muitas vezes nos esquecemos de olhar nos olhos uns dos outros e realmente nos conectarmos de forma significativa.

E o que dizer das reviravoltas inesperadas que a vida nos reserva? Às vezes, pensamos ter tudo sob controle, apenas para sermos surpreendidos por eventos que nos pegam totalmente desprevenidos. Uma promoção que não se concretiza, um relacionamento que termina abruptamente, uma oportunidade que surge do nada - a imprevisibilidade da vida é, sem dúvida, uma das coisas mais realmente incompreensíveis que enfrentamos.

Mas, apesar de todas essas incógnitas e mistérios, é importante lembrar que são essas nuances que tornam a vida tão fascinante. A jornada da compreensão é infinita e, muitas vezes, é na busca por respostas que encontramos nosso verdadeiro propósito.

Então, da próxima vez que se deparar com algo que pareça realmente incompreensível, abrace a incerteza, mergulhe na experiência e permita-se ser cativado pela magia do desconhecido. Afinal, são os mistérios que tornam a vida verdadeiramente interessante.

Um livro que aborda o tema da incompreensibilidade e dos mistérios da vida é "Ensaio sobre a Cegueira", do renomado autor português José Saramago. Nesta obra, Saramago nos leva a refletir sobre a fragilidade da condição humana e sobre como lidamos com o desconhecido e o imprevisível. A história se desenrola em uma cidade onde uma epidemia de cegueira repentina assola a população, levando os personagens a enfrentar situações extremas e a questionar os valores e as relações humanas. Por meio de uma narrativa envolvente e simbólica, Saramago nos convida a explorar os limites da compreensão e a refletir sobre a natureza da existência humana.

 

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Humor e Escuridão

 

Você já percebeu como o humor e a escuridão parecem ter uma relação estranha e, às vezes, até mesmo íntima? É como se fossem primos distantes que, de alguma forma, encontram maneiras de se conectar nos momentos mais inesperados. De piadas sombrias a memes sobre assuntos tabu, o humor e a escuridão dançam juntos em uma coreografia peculiar que desafia até mesmo os mais rígidos padrões sociais.

Quando você está em uma roda de amigos, por exemplo, e alguém solta uma piada sobre a própria desgraça, é quase impossível não rir, mesmo que seja um riso nervoso. É como se o humor funcionasse como um escudo contra a dureza da vida, uma maneira de dizer "sim, tudo isso é uma bagunça, mas pelo menos podemos rir disso juntos".

Pegue aquela situação embaraçosa que aconteceu com você no trabalho outro dia. Você derramou café na camisa branca bem antes de uma reunião importante. Na hora, você estava mortificado, mas depois, quando você se lembrou e riu da própria desgraça, não parecia tão ruim assim. É o tipo de humor que transforma o constrangimento em algo compartilhável e até mesmo engraçado.

E então, há o humor negro. Aquele tipo de humor que se aventura nos territórios mais sombrios da mente humana. É como uma lâmpada piscando em uma caverna escura - ao mesmo tempo assustadora e cativante. Não é para todos, é claro. Algumas pessoas podem sentir-se desconfortáveis ​​ou até mesmo ofendidas com piadas sobre temas delicados como morte, doença ou tragédia. Mas para outros, é como uma válvula de escape, uma maneira de enfrentar os medos e incertezas da vida cotidiana.

E como poderíamos ignorar as redes sociais? Elas são um playground para o humor e a escuridão se encontrarem. Memes sobre política, desastres naturais, ou mesmo a pandemia, inundam nossos feeds diariamente. É como se estivéssemos todos em um grande clube de comédia cósmica, rindo das desventuras do universo, é a alegria do caos.

Claro, nem tudo são risadas e piadas. Às vezes, o humor pode ser uma máscara para a dor. Aquele amigo que faz piadas sobre tudo, mas que nunca parece realmente feliz, sabe do que estou falando. É como se o riso fosse um véu que esconde as cicatrizes emocionais.

O humor e a escuridão são como dois lados da mesma moeda. Eles coexistem, às vezes harmoniosamente, outras vezes em uma dança tumultuada. Mas, no final do dia, eles nos lembram que a vida é uma montanha-russa de emoções, e o riso, por mais estranho que pareça, é muitas vezes o melhor remédio. Então, da próxima vez que a vida te der limões, faça piadas com eles. Afinal, o que mais você poderia fazer?

Um filósofo que aborda o tema do humor e da escuridão de maneira interessante é Arthur Schopenhauer. Schopenhauer, um filósofo alemão do século XIX, escreveu extensivamente sobre a natureza da existência humana e a condição do mundo. Em sua obra principal, "O Mundo como Vontade e Representação", Schopenhauer explora a ideia de que a vida é permeada pela dor, pelo sofrimento e pelo absurdo. No entanto, ele também reconhece o papel do humor como uma forma de enfrentar essa condição. Schopenhauer vê o humor como uma maneira de transcender as limitações da existência humana, permitindo-nos distanciar-nos temporariamente das dificuldades da vida e encontrar um sentido de liberdade e desapego. Embora Schopenhauer não tenha se dedicado especificamente ao estudo do humor, suas reflexões sobre a natureza da vida e da consciência oferecem insights valiosos sobre como o humor pode servir como uma ferramenta de enfrentamento diante das realidades mais sombrias da existência humana. Ele nos lembra que, mesmo nas situações mais desafiadoras, o riso pode ser uma forma de resistência e uma fonte de alívio.

Um livro que aborda o tema do humor e da escuridão de maneira interessante é "Ensaio Sobre a Lucidez", do autor português José Saramago. Embora não seja estritamente focado em humor negro, este romance apresenta uma narrativa provocativa que levanta questões sobre política, sociedade e moralidade. Na história, Saramago descreve uma cidade fictícia onde, em um dia de eleição, a maior parte da população decide votar em branco como forma de protesto. O governo, diante dessa situação inesperada, reage com medidas extremas, levando a cidade a uma crise política e social. A trama aborda temas profundos e sombrios, mas o autor utiliza seu estilo peculiar de escrita, repleto de ironia e humor sutil, para explorar as nuances da condição humana e da sociedade. "Ensaio Sobre a Lucidez" é uma obra que desafia as convenções e convida o leitor a refletir sobre questões complexas de forma criativa e instigante, mostrando como o humor pode ser uma ferramenta poderosa para abordar temas profundos e até mesmo sombrios.

Ficam aí as dicas de leituras!

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Resenha do livro A Caverna de José Saramago


O escritor português José Saramago (1922-2010), ateu e liberal, autor de mais de 40 títulos e dentre eles inúmeros premiados e reconhecido mundialmente, um dos mais importantes escritores, romancista, contista, teatrólogo e poeta, utiliza uma linguagem oral que a torna diferenciada. “A Caverna” nasceu de um questionamento enquanto estava sozinho em um restaurante, foi arrebatado pelo seguinte: “E se fôssemos todos cegos?“. A conclusão do escritor é que estamos de fato cegos em vários sentidos, seja em relação a temas absurdos que se tornam banais, como a aceitação da violência física e verbal, extremismo e polaridade política, preconceitos, falsidades, descasos, indiferença e alienação.

Segundo Saramago, nunca fomos tão alienados quanto neste mundo midiático em que vivemos, por exercer um forte poder na formação de opiniões. O escritor faz uma comparação com o Mito da Caverna, do filósofo grego Platão, em que os indivíduos olham sombras e as confundem com a realidade. Da mesma forma, estamos na frente de televisões, computadores e celulares acreditando que estamos lidando com a realidade, muito do que surge e salta aos nossos olhos são falácias, fake news, mensagens deturpadas e moldadas com segundas intenções, muito vem como mensagens subliminares que sequer damo-nos conta da abdução, aos descuidados são meras sombras aparentemente inofensivas com seu colorido, imagens e sonorização hipnóticos direcionando a opinião e o comportamento da sociedade.

 

Vídeo com entrevista: José Saramago – O mito da caverna

https://www.youtube.com/watch?v=zGmV9A-XQgo&t=75s

https://youtu.be/zGmV9A-XQgo?t=115

 

Um dos fatores para acreditar nessa comparação é que frequentemente as notícias e informações que recebemos pela TV e internet são falsas ou tendenciosas, a situação torna-se ainda pior quando se constata que apenas as notícias extraordinárias recebem atenção, enquanto aquilo que é simples e corriqueiro (mas pode ser valioso e verdadeiro) é deixado de lado, deixado de lado pelos noticiários ou por nós mesmo que banalizamos e passamos a aceitar o inaceitável como normal, Saramago conclui, de forma pessimista, que não sabemos mais o que somos ou o que é a realidade, afinal que mundo é este que vivemos, como cegos não conseguimos mais ver a realidade.

Os pequenos detalhes cotidianos, a despeito de todo nosso avanço tecnológico, agora são imperceptíveis. O resultado final disso tudo é que não conseguimos mais estar, com nossa alma e nossa atenção, em lugar algum, antes sabíamos que abrir o mar vermelho era algo que só Deus podia fazer, com Spielberg e recentemente o metaverso, nada mais é impossível, houve uma inversão da realidade que deveria ser mais interessante passa-se para viver no metaverso que é a sombra das sombras.

A Caverna carrega uma gama de simbologias facilmente apreensível desnudando o lado socialista do autor tais como, a opressão de um sistema capitalista centralizador dominante, a burocratização das relações humanas em nome do sistema, a destruição das tradições pela evolução devoradora da tecnologia e industrialização, a robotização humana em prol da produção e consumo.

O enredo do romance concentra-se em um breve período de tempo, algumas semanas, na vida de um velho oleiro, Cipriano Algor, (ainda preso as antigas e obsoletas práticas de olaria), e alguns seres próximos a ele: a filha (Marta), o marido dela (Marçal) segurança do “Centro”, uma vizinha (Isaura) que lhe faz sentir o amor e ver na sua simplicidade e praticidade uma quebra de paradigma de igualdade de gênero, e o cachorro Achado. Ao contrário dos livros mais recentes do autor, nesse o andamento é lento e arrastado por querer fornecer detalhadas descrições do trabalho com o barro para a feitura primeiramente de utensílios domésticos e, em seguida, de bonecos artesanais, noutros momentos discorre acerca das facetas de seu cão aprofundando-se no mundo, comportamento e psicologia canina, seu relacionamento com seu dono, nada escapa ao olhar poético do autor.

O ganho de vida do oleiro está na produção de peças artesanais produzidas em sua olaria e vendidas para o “Centro” que parece um imenso shopping, seu único comprador, com a industrialização o plástico se tornou mais interessante para o consumidor e com isto as peças de louça deixaram de ser compradas culminando na perda de imediata de seu ganho de vida, diante do problema sua filha sugeriu que fabricassem bonecos para decoração a serem vendidos para o “Centro”. Em paralelo o seu genro (Marçal) que é segurança no “Centro” aguarda uma promoção para passar a ser segurança residente e assim levar para morar com ele no “Centro” a esposa e o sogro.

Saramago, habilmente trata dos conflitos pessoais e profissionais e fugazes lampejos de iluminação e esperança, alegrias, angustias e as vezes o desespero de não ter a frente perspectivas, seu trabalho que é seu único meu de subsistência ameaçado de extinção e o fantasma de ter de viver às custas do genro.

Apenas nos trechos finais -quando surge a "caverna" que dá título ao livro- a narrativa se acelera, para culminar em uma das conclusões mais bem resolvidas da obra do autor, a família já morando no “Centro” passa a se sentir angustiada pelo sentido de aprisionamento vivendo nas sombras do mundo e realidades produzidas a semelhança do mundo exterior, movido por sua curiosidade o oleiro consegue entrar na caverna descoberta no subsolo do centro e lá o que vê é a cena descrita por Platão no mito da caverna o resgata daquele mundo de sombras levando-o e aos demais em seu tempo a sair do Centro e retomar as rédeas da vida.

É um livro superinteressante, proporciona uma leitura que faz um paralelo de reflexão acerca das formas e modos culturais adotados por nossa sociedade cada vez mais dependente das ideias e ideais propostos pela mídia paga pelos poderosos processos de industrialização e capitalismo voltados para o consumo pelo consumo.

 

Fonte:

Saramago, José. 1922-2010. A caverna - 2ª ed. São Paulo. Companhia das Letras, 2017