Estava caminhando pela Rua da Praia em Porto Alegre e parei por alguns minutos, fiquei observando o vai e vem da multidão, aquela multidão que em princípio parecia não ter sentido, nem rumo, só parecia, pois assim como eu cada um provavelmente tinha algum objetivo para estar passando por ali, foi então que comecei a pensar sobre a habilidade peculiar de enganar, não sei porque, mas foi um insight naquele instante da breve parada para observação.
Observar
o movimento das multidões pode ser fascinante porque ali estão reunidas
diversas personalidades, histórias e intenções. O vai e vem constante das
pessoas, cada uma envolvida em suas próprias preocupações, cria uma espécie de
cenário de anonimato. Nessa atmosfera, pensei, a "habilidade de
enganar" poderia ter surgido como uma ideia natural porque, no meio de
tanta gente, é fácil imaginar como alguém pode ocultar intenções, emoções ou
até a própria identidade.
A
multidão oferece um certo grau de invisibilidade. Entre tantos rostos
desconhecidos, quem está observando pode perceber como facilmente alguém
poderia "passar despercebido" ou agir de uma maneira que não revela
completamente quem é. Isso nos lembra a noção filosófica do "engano
social", onde a convivência pública muitas vezes envolve pequenas farsas —
desde sorrisos disfarçados, gestos calculados, até a construção de uma
personalidade pública que, de fato, esconde a verdadeira essência do indivíduo.
Pois então, o “engano social” eis uma questão que vai ficar para uma próxima
reflexão.
Um
pensador como Jean Baudrillard, por exemplo, poderia dizer que a multidão
encarna o conceito de simulação. Na multidão, todos podem ser um reflexo de
algo que não são, criando uma série de "máscaras sociais" que enganam
não apenas os outros, mas também a si mesmos. Quanto maior o fluxo, maior o
campo para essa habilidade peculiar de criar ilusões — sobre o que se sente,
sobre o que se quer, sobre quem se é. O simples ato de caminhar entre outros
pode se transformar em uma performance, e, nesse palco social, o engano não
precisa ser malicioso — pode ser parte da própria estrutura de como interagimos
em sociedade.
A capacidade de enganar é uma habilidade peculiar e
frequentemente controversa na vida cotidiana. Todos nós, em algum momento, já
contamos uma mentira ou omitimos uma verdade para evitar problemas, conquistar
algo ou simplesmente tornar uma situação mais fácil de lidar. Mas por que
fazemos isso? E qual é o impacto dessas pequenas (ou grandes) artimanhas na
nossa vida e na sociedade?
Situações Cotidianas de Engano
Imaginemos uma situação simples: você está atrasado
para um encontro com amigos e, ao chegar, eles perguntam o motivo do atraso. Ao
invés de dizer a verdade – que você simplesmente perdeu a noção do tempo
enquanto assistia à sua série favorita – você inventa uma desculpa sobre um
trânsito terrível ou uma tarefa urgente no trabalho. Essa pequena mentira
parece inofensiva, certo? Afinal, ninguém saiu prejudicado.
Outra situação comum é no ambiente de trabalho.
Quantas vezes você já disse que um projeto ou tarefa está quase pronto(a),
quando na verdade ainda nem começou? Essa forma de engano muitas vezes é usada
para ganhar tempo e evitar uma bronca imediata.
E quem nunca exagerou um pouco nas suas qualidades
durante uma entrevista de emprego? Aquele inglês fluente que, na verdade, é
mais um "portunhol", ou aquelas habilidades de liderança que se
limitam a organizar a turma do churrasco de fim de semana. Todos esses exemplos
mostram que o engano, em diferentes níveis, está presente na nossa rotina.
O Pensador e o Engano
Um dos filósofos que mais refletiu sobre a natureza
humana e, consequentemente, sobre a capacidade de enganar, foi Friedrich
Nietzsche. Em suas obras, Nietzsche argumenta que a verdade é muitas vezes uma
construção social, algo que criamos e ajustamos conforme nossas necessidades e
conveniências. Para ele, o engano pode ser uma forma de poder e sobrevivência.
Em "Além do Bem e do Mal", Nietzsche
escreve: "A verdade é uma ilusão que esquecemos que é uma ilusão".
Ele sugere que nossa percepção da verdade é moldada por nossas próprias
perspectivas e que, muitas vezes, aceitamos mentiras confortáveis como verdades
absolutas. Portanto, o ato de enganar pode ser visto não apenas como um desvio
moral, mas como uma estratégia adaptativa.
Consequências e Reflexões
Apesar de ser uma prática comum, o engano pode ter
consequências significativas. Pequenas mentiras podem se acumular e criar
desconfiança entre amigos, familiares e colegas de trabalho. Além disso, viver
em uma rede de mentiras pode ser exaustivo e prejudicial para a saúde mental.
Por outro lado, em algumas situações, o engano pode
ser visto como necessário. Imagine um médico que, ao lidar com um paciente
terminal, escolhe suavizar a verdade para oferecer conforto nos últimos
momentos de vida. Ou um pai que, para proteger a inocência de uma criança,
inventa histórias que a fazem se sentir segura.
A capacidade de enganar é uma ferramenta poderosa e
ambígua. Ela pode tanto facilitar a vida em certos momentos quanto complicá-la
em outros. O importante é reconhecer os motivos e as consequências de nossos
atos e buscar um equilíbrio. Afinal, como Nietzsche nos lembra, a verdade e a
mentira são muitas vezes faces da mesma moeda, ambas essenciais para a complexa
tapeçaria da experiência humana.
Então, quando você se pegar inventando uma desculpa
ou ajustando uma história, reflita sobre a necessidade e o impacto desse
engano. Pode ser que, em algumas situações, a verdade seja a melhor escolha –
ou pelo menos, uma versão dela.