As falsas lembranças são um fenômeno fascinante e, ao mesmo tempo, um tanto perturbador. Imagine se você lembrasse vividamente de um evento que nunca aconteceu? Isso pode parecer tirado de um enredo de filme de ficção científica, mas, na verdade, é uma ocorrência relativamente comum na vida cotidiana.
Vamos
começar com um exemplo do dia a dia: você tem certeza de que estacionou o carro
em uma rua específica. Quando volta, o carro não está lá. O primeiro pensamento
pode ser que foi roubado, mas depois de alguma confusão e caminhada, você
encontra o carro estacionado em uma rua diferente. Você poderia jurar que tinha
estacionado na primeira rua, mas a realidade era outra. Essa é uma situação
clássica de falsa lembrança.
As
falsas lembranças podem ser causadas por vários fatores, como sugestões
externas, a associação de eventos similares ou até mesmo a simples construção
de uma narrativa lógica pelo nosso cérebro. Nossa mente é uma narradora
excelente, mas às vezes ela preenche lacunas com detalhes que fazem sentido,
mesmo que não sejam verdadeiros.
Na
psicologia, esse fenômeno foi amplamente estudado e demonstrado por meio de
experimentos. Por exemplo, Elizabeth Loftus, uma psicóloga cognitiva, conduziu
uma série de estudos sobre a memória e mostrou como é fácil plantar falsas
lembranças em indivíduos. Em um famoso experimento, participantes foram levados
a acreditar que, quando crianças, se perderam em um shopping center, mesmo que
isso nunca tivesse acontecido.
Mas
por que isso acontece? Parte da resposta está na forma como nossa memória
funciona. Nossa memória não é uma gravação perfeita dos eventos que
vivenciamos; é mais como um quebra-cabeça que nosso cérebro monta a cada vez
que recordamos de algo. Cada vez que nos lembramos de um evento, estamos, na
verdade, reconstruindo-o, e é nesse processo de reconstrução que as distorções
e falsas lembranças podem se infiltrar.
Além
disso, nossas emoções e expectativas também desempenham um papel crucial. Se
estamos emocionalmente envolvidos ou particularmente esperançosos ou ansiosos
sobre algo, nossa memória pode ser colorida por essas emoções. É por isso que
testemunhos oculares, por exemplo, podem ser tão falíveis. Uma pessoa pode
estar absolutamente convencida de que viu algo, mas suas emoções e o estresse
do momento podem ter distorcido sua percepção e memória.
Na
filosofia, esse fenômeno levanta questões interessantes sobre a natureza da
realidade e da verdade. Se nossas memórias podem ser tão facilmente manipuladas
ou distorcidas, o que isso diz sobre a nossa percepção da realidade? Será que
alguma vez podemos confiar completamente em nossas lembranças? Isso ecoa o
pensamento de filósofos como René Descartes, que questionava a certeza do
conhecimento baseado na percepção sensorial.
Voltemos ao cotidiano. Imagine uma conversa entre amigos relembrando uma viagem que fizeram juntos. Cada um pode ter uma versão ligeiramente diferente dos eventos. Um amigo pode lembrar-se de um jantar fantástico em um restaurante específico, enquanto outro jura que esse jantar aconteceu em um local completamente diferente. Quem está certo? Talvez ambos estejam, em seus próprios contextos de memória.
A beleza e a complexidade das falsas lembranças nos mostram que a memória é, ao mesmo tempo, uma dádiva e uma construção. Ela nos permite reviver momentos preciosos e aprender com o passado, mas também nos lembra da fragilidade e da maleabilidade da nossa percepção. Em última análise, isso pode nos ensinar a ser mais humildes e cuidadosos com as nossas certezas, reconhecendo que o que lembramos pode não ser sempre o que realmente aconteceu.
Link:
https://www.jusbrasil.com.br/noticias/falsas-memorias-e-erros-judiciarios-entrevista-com-elizabeth-f-loftus/188132449