Aquilo Que Nunca Tocamos
Outro
dia, enquanto tentava abrir um pote de azeitonas com a tampa emperrada, me
ocorreu um pensamento estranho: será que o mundo real também tem uma “tampa”
que nunca conseguimos abrir? Parece que estamos sempre lidando com a casca das
coisas, mas nunca com a coisa em si. Essa ideia, que soa meio maluca, é mais ou
menos o que Immanuel Kant chamou de númeno – aquilo que existe
independentemente da nossa percepção, mas que nunca conseguimos acessar
diretamente.
A
Coisa-em-Si e o Nosso Mundo de Aparências
Kant,
em sua Crítica da Razão Pura, faz uma distinção crucial entre o fenômeno e o
númeno. O fenômeno é o que percebemos – cores, sons, formas, tudo mediado pelos
nossos sentidos e pela estrutura da nossa mente. Já o númeno seria a
“coisa-em-si”, ou seja, aquilo que existe de fato, mas que nunca podemos
conhecer diretamente.
Um
exemplo prático: imagine que você está olhando para uma maçã. O que você vê não
é a maçã como ela realmente é, mas a versão dela que seus olhos e seu cérebro
conseguem interpretar. A cor vermelha não está na maçã, mas na forma como seus
olhos captam a luz refletida por ela. O sabor não está na maçã, mas na maneira
como suas papilas gustativas reagem às substâncias que a compõem. A maçã em si
– sua verdadeira essência – continua um mistério.
Vivemos
Num Mundo de Sombras?
Essa
ideia não é nova. Platão já sugeria algo semelhante com o Mito da Caverna:
vivemos cercados por sombras, acreditando que são a realidade, mas sem ver o
que está por trás delas. Kant radicaliza isso ao dizer que nunca poderemos sair
da caverna, pois nossa mente não tem acesso direto à realidade última.
Se
isso for verdade, significa que a ciência, a filosofia e tudo que construímos
está sempre lidando com interpretações da realidade, nunca com a realidade em
si. O microscópio mais potente, a equação mais precisa, tudo são apenas formas
de organizar aquilo que conseguimos captar.
E
o Que Isso Significa Para Nossa Vida?
Se
nunca podemos conhecer o mundo tal como ele realmente é, isso nos condena a um
eterno erro? Não necessariamente. Kant não era um cético absoluto; ele
acreditava que, mesmo sem acesso direto ao númeno, conseguimos criar
conhecimento válido dentro do nosso universo de fenômenos.
Isso
nos leva a uma reflexão interessante: será que deveríamos nos preocupar tanto
em buscar a verdade última? Ou talvez o mais importante seja interpretar o
mundo da melhor maneira possível dentro das nossas limitações? Se a tampa do
pote nunca vai abrir, talvez o melhor seja aprender a lidar com o vidro e
encontrar maneiras de aproveitar as azeitonas que conseguimos enxergar.