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quarta-feira, 9 de abril de 2025

Conhecedor das aflições

O amigo que entende sem explicar

Tem gente que não precisa perguntar muito pra entender o que está acontecendo com a gente. Só de olhar, já sabe que alguma coisa dentro está fora do lugar. Não é vidência, nem mágica — é vivência mesmo. Essa pessoa é o que eu chamo de “conhecedor das aflições”.

Não é alguém que leu sobre tristeza num livro, mas que já acordou com o peito afundado sem saber por quê. Que já atravessou noites longas em silêncio, tentando resolver coisas que não se resolvem. Que já teve medo, insegurança, solidão, e que aprendeu a andar junto com esses sentimentos sem deixar que eles mandem em tudo.

No dia a dia, esse tipo de pessoa é ouro. É o amigo que percebe quando a risada sai com atraso. Que respeita o silêncio, sem forçar conversa. Que senta do lado e fica ali, mesmo sem falar nada. Ele não precisa dizer “eu entendo” — porque a presença dele já diz. E isso, no meio do turbilhão, vale mais do que mil conselhos.

Quando a gente é conhecedor das aflições, os vínculos entre amigos mudam. A escuta fica mais generosa. A gente passa a não julgar tanto, porque sabe que todo mundo tem um pedaço da alma arranhado. E aí, em vez de tentar consertar o outro, a gente só segura a mão e diz: “vai passar, mas até lá, eu tô aqui”.

Lembrei que um tempo atrás, uma amiga me contou que um dia chegou esgotada do trabalho, querendo chorar, e que tudo o que o namorado fez foi tirar os sapatos dela, preparar um chá e colocar uma manta nos ombros. Nem perguntou nada. Ela disse: “naquele momento, ele me salvou”. Isso é a delicadeza de quem conhece as aflições por dentro: entender o que a pessoa precisa sem transformar o momento em um palco de discursos.

O mestre budista Thich Nhat Hanh dizia que “o maior presente que você pode dar a alguém é a sua presença verdadeira”. Ele falava de escuta profunda e de compaixão como práticas diárias. Para ele, compreender o sofrimento do outro é uma forma de amor — não um amor que tenta corrigir ou resolver, mas um amor que abraça.

Jesus, de maneira muito parecida, também praticava essa escuta cheia de presença. Quando encontrou a mulher samaritana no poço, por exemplo, não a interrompeu, nem a corrigiu com pressa. Ele ouviu, acolheu, ofereceu água viva — que não era uma solução mágica, mas um convite à renovação interior. Ele era mestre em enxergar por dentro, em perceber dores escondidas por trás de palavras e aparências. E ensinava que a compaixão não julga, apenas acolhe: “vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. Essa não é uma promessa de conserto imediato, mas de presença restauradora.

Não é que o conhecedor da dor se torne mais forte que os outros — às vezes ele é até mais sensível. Mas é esse tipo de sensibilidade que cria uma rede de apoio firme e silenciosa. Amizades assim são um tipo raro de refúgio: um lugar onde a gente pode ser quem é, mesmo nos dias em que está meio desmontado.

E talvez o mais bonito disso tudo seja que, depois de passar por nossas tempestades, a gente acaba se tornando abrigo pra alguém. Porque quem já sentiu frio, entende a importância de ser cobertor.