Outro dia, enquanto observava uma folha caída girando ao sabor do vento, me peguei perguntando: "Será que isso aqui tem algum sentido ou estamos todos improvisando?" A vida, afinal, é um espetáculo estranho, sem roteiro fixo e sem garantia de aplausos no final. Mas insistimos em querer entendê-la, como se houvesse um manual escondido em algum canto do universo. Será que entender a vida é uma questão de lógica, de experiência ou de pura rendição ao mistério?
A
tradição filosófica nos oferece um cardápio variado de respostas. Os
racionalistas apostaram na razão como bússola, os existencialistas abraçaram a
angústia da liberdade e os niilistas jogaram a toalha, decretando que tudo não
passa de um grande nada. O que há em comum entre eles? A tentativa de dar conta
do caos.
No
entanto, uma visão que pode mudar radicalmente nossa perspectiva vem do
pensamento budista. A ideia de impermanência (Anicca), central no budismo,
sugere que nada na vida é fixo ou permanente. O que entendemos como “vida” está
em constante fluxo, e, se tentarmos aprisioná-la em conceitos fixos, acabamos
negando sua verdadeira natureza. A vida, para o budismo, não é algo a ser
entendido em termos de certo ou errado, mas algo a ser vivenciado plenamente em
sua transitoriedade. Como o mestre zen Thich Nhat Hanh dizia: "Viver é
simplesmente estar presente, perceber o instante e aceitar o movimento
constante da existência."
Por
um tempo, eu pensava que entender a vida dependia de grandes momentos, como uma
grande revelação ou uma descoberta profunda. Mas então, em uma tarde comum,
quando estava no mercado, percebi algo simples, mas profundo: vi um homem
comprando frutas, sorrindo para o caixa e trocando palavras gentis com a
atendente. Aquela troca tão simples me fez perceber que talvez a vida não
precise de grandes gestos ou respostas complexas. O sorriso daquele homem, a
gentileza nas palavras, mostraram-me que viver com atenção ao momento e com
empatia pelos outros é uma forma poderosa de entender a vida. Ele estava, sem
saber, praticando o que os budistas chamam de "atenção plena"
(mindfulness), e isso me tocou profundamente. Não se trata de encontrar o
sentido da vida em teorias abstratas, mas em viver com simplicidade e
profundidade no cotidiano.
Talvez
o erro esteja em buscar um entendimento definitivo. Schopenhauer dizia que a
vida é sofrimento, mas quem nunca riu até a barriga doer? Sartre afirmava que
estamos condenados a ser livres, mas por que então nos sentimos tão presos a
compromissos e expectativas? O fato é que, ao tentar capturar a essência da
vida, acabamos percebendo que ela escapa por entre os dedos, como areia fina.
E
se entender a vida for menos sobre encontrar respostas e mais sobre fazer boas
perguntas? Viver é um processo em aberto, um texto que escrevemos a cada dia
sem saber o final. A compreensão pode não estar no destino, mas no próprio ato
de caminhar. Como diria N. Sri Ram, "a mente deve estar sempre aberta ao
mistério, pois é nele que o entendimento verdadeiro começa a surgir."
E,
no caminho budista, essa entrega ao mistério é vista como a essência da
iluminação. Não se trata de entender a vida com a mente racional, mas de viver
sem apego, de compreender o vazio (Shunyata) que permeia todas as coisas.
Quando aceitamos o vazio como parte do processo, as questões tornam-se menos
importantes que a experiência de estar verdadeiramente presente.
No
fim das contas, talvez entender a vida seja como aprender uma dança. No início,
tropeçamos nos próprios pés, buscamos padrões e tentamos prever os movimentos.
Mas, quando finalmente nos entregamos à música, percebemos que o segredo não
está em decifrá-la, mas em senti-la. E quem sabe, girando com ela, não
descubramos que a folha caída também faz parte da coreografia?