Estava distraído, mexendo no celular, quando percebi que alguém me olhava fixamente. Não era um olhar casual, mas algo carregado de sentido. Havia uma intenção ali, mesmo que eu não soubesse qual. Por um instante, senti que aquele olhar me atravessava e me fazia presente no mundo de outra pessoa. Foi então que me veio à mente: o que significa ter uma intencionalidade? Será que todo ato de consciência está direcionado a algo? E mais: será que aquilo que direcionamos a nossa atenção também nos transforma?
A
intencionalidade, um conceito central na fenomenologia, foi amplamente
explorada por Edmund Husserl, que a definiu como a característica fundamental
da consciência: toda consciência é consciência de algo. Ou seja, nunca estamos
simplesmente "conscientes", estamos sempre voltados para um objeto,
uma ideia, uma sensação. O curioso é que isso não se aplica apenas à percepção,
mas também à memória, à imaginação e até aos nossos devaneios. Quando me pego
pensando no passado ou sonhando acordado com o futuro, minha mente não está
vagando ao acaso; ela está orientada por intenções, por sentidos que dou às
coisas.
Mas
o que acontece quando não conseguimos nomear aquilo para o qual estamos
direcionados? Muitas vezes sentimos um incômodo, um desconforto inexplicável,
uma angústia vaga que parece estar "mirando" algo, mas sem que
consigamos identificar o alvo. Aí entra um aspecto fascinante da
intencionalidade: ela pode ser tão consciente quanto inconsciente. Freud, por
exemplo, mostrou como certas intenções reprimidas se manifestam de forma
indireta em sonhos, lapsos e atos falhos.
Além
disso, a intencionalidade não é unilateral. Se olho para uma paisagem e ela me
desperta uma emoção, posso dizer que minha consciência intencionalmente se
dirigiu à paisagem. Mas e se a paisagem também "me olha de volta"?
Não no sentido literal, claro, mas no sentido de que certas experiências
parecem nos interpelar, como se exigissem algo de nós. Sartre explorou essa
dimensão da intencionalidade ao afirmar que o olhar do outro nos constitui: não
sou apenas aquele que olha, mas também aquele que é olhado e, portanto,
reconhecido e transformado.
A
intencionalidade também tem um lado prático. No cotidiano, a forma como
direcionamos nossa atenção define o que percebemos como relevante ou
irrelevante. Se ando pela rua absorto em meus pensamentos, não noto as pequenas
interações ao meu redor. Se, ao contrário, estou atento, percebo os gestos, os
olhares, os detalhes que dão cor à vida. Nesse sentido, a intencionalidade é um
filtro, um mecanismo que seleciona e organiza nossa experiência do mundo.
Podemos,
então, dizer que viver é um constante exercício de intencionalidade. Escolhemos
a que (ou a quem) damos atenção, e isso define, em grande parte, nossa
existência. Mas será que temos total controle sobre isso? Ou será que também
somos arrastados por intenções que não escolhemos? Aqui, a filosofia nos
convida a refletir: talvez a verdadeira liberdade não esteja em ter controle
absoluto sobre nossas intenções, mas em reconhecer que somos, ao mesmo tempo,
agentes e receptores de intenções, navegando entre aquilo que escolhemos e
aquilo que nos escolhe.
Afinal,
quem nunca sentiu que um olhar, uma palavra ou até um pensamento inesperado
mudou o rumo de sua consciência? Talvez a intencionalidade não seja apenas um
traço da consciência, mas um fio invisível que nos liga ao mundo, entre o que
queremos ver e o que se impõe à nossa visão.