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terça-feira, 1 de julho de 2025

Providência da Ignorância

Outro dia, conversando com um amigo sobre decisões difíceis, ele me disse: "Às vezes, o melhor é não saber". Fiquei com essa frase na cabeça. Parecia uma daquelas desculpas para evitar lidar com a realidade, mas ao mesmo tempo carregava um tipo estranho de sabedoria. Quantas vezes, ao nos depararmos com escolhas impossíveis, não fomos salvos justamente pela ignorância? A ideia de que não saber pode ser uma providência parece paradoxal, mas carrega um peso existencial profundo.

No mundo contemporâneo, estamos obcecados pelo conhecimento. Queremos entender, prever, dominar. No entanto, há momentos em que saber demais paralisa, angustia, destrói possibilidades. Imagine um casal que tem um filho com uma doença rara. Se tivessem conhecimento antecipado de todas as dores, desafios e incertezas que enfrentariam, será que teriam seguido em frente? E, no entanto, ao se lançarem no desconhecido, muitas vezes descobrem um amor e uma força que jamais suspeitariam ter.

Jean-Paul Sartre, um dos pilares do existencialismo, falava sobre a angústia da liberdade. Para ele, cada escolha carrega consigo um peso, pois ao decidir, eliminamos todas as outras possibilidades. No entanto, será que sempre escolheríamos se víssemos claramente todas as consequências? A ignorância, em certas situações, não apenas protege, mas também permite a ação. O desconhecimento nos dá coragem para dar passos que, de outra forma, nos pareceriam impossíveis.

Pensemos em revoluções. Muitas foram feitas por pessoas que não tinham plena consciência dos perigos e dificuldades envolvidos. Se soubessem antecipadamente do exato preço de cada batalha, talvez nunca tivessem lutado. No entanto, foi justamente essa ignorância que permitiu que o novo emergisse, que mudanças acontecessem.

Isso não significa que devamos enaltecer a ignorância como um valor absoluto. A questão é outra: há momentos em que não saber é, paradoxalmente, a única forma de seguir adiante. A providência da ignorância não é uma recusa da verdade, mas um espaço de respiro diante da brutalidade do real. Não saber o que o futuro nos reserva nos permite jogar o jogo da vida e lutar por uma vida melhor com perspectivas abertas dependendo de nossa força de vontade, iniciativa e resiliência.

O que fazer então? Aceitar que há momentos em que o saber pode ser um fardo, e que a vida, em sua ironia sutil, às vezes nos protege ao não nos revelar tudo. A ignorância pode ser um acaso misericordioso, um respiro entre os abismos da existência.


segunda-feira, 30 de junho de 2025

Salto de Fé

 

Nem sempre a gente decide. Às vezes, simplesmente não tem mais para onde ir — ou fica, ou pula. A dúvida é silenciosa, mas o momento da escolha faz barulho: um frio na barriga, uma sensação de abismo, como quem pisa no escuro esperando que o chão apareça. O salto de fé começa onde o cálculo falha. É uma aposta sem garantia, uma confiança que não nasce da lógica, mas da necessidade de seguir.

O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard foi quem cunhou essa expressão — salto de fé — para descrever um momento essencial na vida do indivíduo: quando a razão já não oferece respostas, e é preciso lançar-se ao desconhecido confiando apenas... em algo que não se vê. Para ele, isso era um salto para Deus. Mas, mesmo fora do campo religioso, essa imagem sobrevive. Em cada relação que começamos sem saber no que vai dar. Em cada mudança de carreira. Em cada recomeço. O salto de fé é humano, antes de tudo.

E também político. Quando votamos numa democracia, não temos garantias — apenas a esperança. Escolhemos representantes com base em promessas e gestos, confiando que irão agir em nome de um bem coletivo. A urna é um pequeno abismo onde depositamos não só o voto, mas uma expectativa: de que o sistema funcione, de que as instituições resistam, de que nossa decisão tenha algum efeito real. Votar é, nesse sentido, um salto de fé civil. Não pela fé religiosa, mas por uma confiança silenciosa no invisível funcionamento do pacto social.

Esse salto não é apenas coragem: é a capacidade de suportar a angústia. Um cálculo matemático oferece segurança. Um planejamento estratégico oferece projeções. Mas um salto de fé lida com outra dimensão — a da existência. O salto é individual, intransferível. Mesmo quando estamos rodeados de conselhos e mapas, somos nós que estamos à beira do penhasco. E não há ponte: ou saltamos, ou ficamos.

Mas o mais curioso é que nem sempre esse salto é dramático. Às vezes ele é quase imperceptível: dizer sim a algo simples, mudar o caminho de casa, escolher o silêncio. Outros exemplos são bem próximos da nossa rotina: prometer amor eterno mesmo sabendo da fragilidade humana, iniciar um curso novo sem saber se vai até o fim, ter um filho e se lançar num futuro imprevisível, dar um abraço sem saber se será retribuído. Esses pequenos gestos também são saltos de fé, porque desafiam o costume, rompem com a inércia e nos empurram para o novo — mesmo que o novo seja só uma versão de nós que ainda não conhecemos.

A inovação filosófica talvez esteja em pensar que o salto de fé não é um movimento único e heroico, mas um ritmo da vida. Não se trata apenas de um momento radical, mas de um modo de estar no mundo: viver, afinal, é saltar. Em cada manhã que acordamos sem saber o que virá. Em cada palavra que oferecemos sem ter certeza da resposta. A fé, aqui, não é uma crença cega, mas uma confiança ativa no vir-a-ser.

E o chão, esse que não vemos antes de pular, às vezes aparece. Outras vezes, a gente aprende a voar.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Noção de Intencionalidade

Estava distraído, mexendo no celular, quando percebi que alguém me olhava fixamente. Não era um olhar casual, mas algo carregado de sentido. Havia uma intenção ali, mesmo que eu não soubesse qual. Por um instante, senti que aquele olhar me atravessava e me fazia presente no mundo de outra pessoa. Foi então que me veio à mente: o que significa ter uma intencionalidade? Será que todo ato de consciência está direcionado a algo? E mais: será que aquilo que direcionamos a nossa atenção também nos transforma?

A intencionalidade, um conceito central na fenomenologia, foi amplamente explorada por Edmund Husserl, que a definiu como a característica fundamental da consciência: toda consciência é consciência de algo. Ou seja, nunca estamos simplesmente "conscientes", estamos sempre voltados para um objeto, uma ideia, uma sensação. O curioso é que isso não se aplica apenas à percepção, mas também à memória, à imaginação e até aos nossos devaneios. Quando me pego pensando no passado ou sonhando acordado com o futuro, minha mente não está vagando ao acaso; ela está orientada por intenções, por sentidos que dou às coisas.

Mas o que acontece quando não conseguimos nomear aquilo para o qual estamos direcionados? Muitas vezes sentimos um incômodo, um desconforto inexplicável, uma angústia vaga que parece estar "mirando" algo, mas sem que consigamos identificar o alvo. Aí entra um aspecto fascinante da intencionalidade: ela pode ser tão consciente quanto inconsciente. Freud, por exemplo, mostrou como certas intenções reprimidas se manifestam de forma indireta em sonhos, lapsos e atos falhos.

Além disso, a intencionalidade não é unilateral. Se olho para uma paisagem e ela me desperta uma emoção, posso dizer que minha consciência intencionalmente se dirigiu à paisagem. Mas e se a paisagem também "me olha de volta"? Não no sentido literal, claro, mas no sentido de que certas experiências parecem nos interpelar, como se exigissem algo de nós. Sartre explorou essa dimensão da intencionalidade ao afirmar que o olhar do outro nos constitui: não sou apenas aquele que olha, mas também aquele que é olhado e, portanto, reconhecido e transformado.

A intencionalidade também tem um lado prático. No cotidiano, a forma como direcionamos nossa atenção define o que percebemos como relevante ou irrelevante. Se ando pela rua absorto em meus pensamentos, não noto as pequenas interações ao meu redor. Se, ao contrário, estou atento, percebo os gestos, os olhares, os detalhes que dão cor à vida. Nesse sentido, a intencionalidade é um filtro, um mecanismo que seleciona e organiza nossa experiência do mundo.

Podemos, então, dizer que viver é um constante exercício de intencionalidade. Escolhemos a que (ou a quem) damos atenção, e isso define, em grande parte, nossa existência. Mas será que temos total controle sobre isso? Ou será que também somos arrastados por intenções que não escolhemos? Aqui, a filosofia nos convida a refletir: talvez a verdadeira liberdade não esteja em ter controle absoluto sobre nossas intenções, mas em reconhecer que somos, ao mesmo tempo, agentes e receptores de intenções, navegando entre aquilo que escolhemos e aquilo que nos escolhe.

Afinal, quem nunca sentiu que um olhar, uma palavra ou até um pensamento inesperado mudou o rumo de sua consciência? Talvez a intencionalidade não seja apenas um traço da consciência, mas um fio invisível que nos liga ao mundo, entre o que queremos ver e o que se impõe à nossa visão.


sábado, 29 de março de 2025

Entender a Vida

Outro dia, enquanto observava uma folha caída girando ao sabor do vento, me peguei perguntando: "Será que isso aqui tem algum sentido ou estamos todos improvisando?" A vida, afinal, é um espetáculo estranho, sem roteiro fixo e sem garantia de aplausos no final. Mas insistimos em querer entendê-la, como se houvesse um manual escondido em algum canto do universo. Será que entender a vida é uma questão de lógica, de experiência ou de pura rendição ao mistério?

A tradição filosófica nos oferece um cardápio variado de respostas. Os racionalistas apostaram na razão como bússola, os existencialistas abraçaram a angústia da liberdade e os niilistas jogaram a toalha, decretando que tudo não passa de um grande nada. O que há em comum entre eles? A tentativa de dar conta do caos.

No entanto, uma visão que pode mudar radicalmente nossa perspectiva vem do pensamento budista. A ideia de impermanência (Anicca), central no budismo, sugere que nada na vida é fixo ou permanente. O que entendemos como “vida” está em constante fluxo, e, se tentarmos aprisioná-la em conceitos fixos, acabamos negando sua verdadeira natureza. A vida, para o budismo, não é algo a ser entendido em termos de certo ou errado, mas algo a ser vivenciado plenamente em sua transitoriedade. Como o mestre zen Thich Nhat Hanh dizia: "Viver é simplesmente estar presente, perceber o instante e aceitar o movimento constante da existência."

Por um tempo, eu pensava que entender a vida dependia de grandes momentos, como uma grande revelação ou uma descoberta profunda. Mas então, em uma tarde comum, quando estava no mercado, percebi algo simples, mas profundo: vi um homem comprando frutas, sorrindo para o caixa e trocando palavras gentis com a atendente. Aquela troca tão simples me fez perceber que talvez a vida não precise de grandes gestos ou respostas complexas. O sorriso daquele homem, a gentileza nas palavras, mostraram-me que viver com atenção ao momento e com empatia pelos outros é uma forma poderosa de entender a vida. Ele estava, sem saber, praticando o que os budistas chamam de "atenção plena" (mindfulness), e isso me tocou profundamente. Não se trata de encontrar o sentido da vida em teorias abstratas, mas em viver com simplicidade e profundidade no cotidiano.

Talvez o erro esteja em buscar um entendimento definitivo. Schopenhauer dizia que a vida é sofrimento, mas quem nunca riu até a barriga doer? Sartre afirmava que estamos condenados a ser livres, mas por que então nos sentimos tão presos a compromissos e expectativas? O fato é que, ao tentar capturar a essência da vida, acabamos percebendo que ela escapa por entre os dedos, como areia fina.

E se entender a vida for menos sobre encontrar respostas e mais sobre fazer boas perguntas? Viver é um processo em aberto, um texto que escrevemos a cada dia sem saber o final. A compreensão pode não estar no destino, mas no próprio ato de caminhar. Como diria N. Sri Ram, "a mente deve estar sempre aberta ao mistério, pois é nele que o entendimento verdadeiro começa a surgir."

E, no caminho budista, essa entrega ao mistério é vista como a essência da iluminação. Não se trata de entender a vida com a mente racional, mas de viver sem apego, de compreender o vazio (Shunyata) que permeia todas as coisas. Quando aceitamos o vazio como parte do processo, as questões tornam-se menos importantes que a experiência de estar verdadeiramente presente.

No fim das contas, talvez entender a vida seja como aprender uma dança. No início, tropeçamos nos próprios pés, buscamos padrões e tentamos prever os movimentos. Mas, quando finalmente nos entregamos à música, percebemos que o segredo não está em decifrá-la, mas em senti-la. E quem sabe, girando com ela, não descubramos que a folha caída também faz parte da coreografia?


sábado, 3 de agosto de 2024

Véu de Penélope

O véu de Penélope é uma referência à personagem mitológica Penélope, esposa de Odisseu (ou Ulisses), que é famosa por sua astúcia e fidelidade. Durante a longa ausência de seu marido na Guerra de Troia e na sua jornada de volta para casa, Penélope foi assediada por numerosos pretendentes que desejavam se casar com ela, acreditando que Odisseu estava morto. Para evitar tomar uma decisão precipitada, Penélope declarou que escolheria um novo marido apenas quando terminasse de tecer um véu funerário para Laertes, pai de Odisseu.

No entanto, Penélope usou de sua inteligência para adiar essa decisão. Durante o dia, ela tecia o véu, mas à noite, desfazia secretamente o trabalho feito, mantendo assim a promessa de terminar o véu sem nunca realmente concluí-lo. Esse ato de tecer e desfiar o véu tornou-se um símbolo de astúcia, paciência e resistência.

O Véu de Penélope no Cotidiano

Em nossas vidas, o véu de Penélope pode ser interpretado como as tarefas ou compromissos que adiamos ou prolongamos intencionalmente. Quantas vezes nos encontramos em situações onde prometemos a nós mesmos ou aos outros que vamos completar uma tarefa importante, mas encontramos formas de adiar ou postergar sua conclusão? Seja por medo de enfrentar as consequências, por insegurança sobre os resultados ou simplesmente por procrastinação, todos nós já vivenciamos nosso próprio "véu de Penélope".

Exemplos do Dia a Dia

Trabalhos Acadêmicos: Um estudante que constantemente adia a escrita de uma dissertação, sempre encontrando algo mais urgente para fazer, é um exemplo moderno do véu de Penélope. Ao invés de tecer e desfazer um véu, ele procrastina suas obrigações acadêmicas.

Decisões Importantes: No ambiente de trabalho, alguém que evita tomar uma decisão crucial, talvez sempre buscando mais dados ou revisando continuamente os mesmos relatórios, está tecendo e desfazendo seu próprio véu, evitando a decisão final.

Relacionamentos: Em relacionamentos, alguém que evita conversas difíceis ou a tomada de decisões importantes, como um término ou uma mudança significativa, pode estar usando o véu de Penélope como uma forma de adiar o inevitável.

Um Comentário Filosófico

Para compreender melhor o simbolismo do véu de Penélope, podemos recorrer à filosofia de Soren Kierkegaard, especialmente sua obra "O Conceito de Angústia". Kierkegaard fala sobre a angústia como um sentimento de indeterminação e potencialidade, onde temos infinitas possibilidades diante de nós, mas a tomada de decisão concreta é paralisante. Penélope, ao adiar a conclusão do véu, mantém todas as suas possibilidades em aberto, evitando a angústia de uma decisão final e definitiva.

Assim como Penélope, muitas vezes preferimos a segurança do estado atual, mesmo que insatisfatório, ao invés de enfrentar a incerteza do futuro. Essa hesitação pode ser vista como um mecanismo de defesa contra a angústia da decisão e da mudança. No entanto, viver indefinidamente nesse estado de adiamento pode também nos impedir de crescer e avançar em nossas vidas.

O véu de Penélope nos ensina sobre a complexidade das nossas escolhas e a maneira como lidamos com a pressão e a expectativa dos outros. Nos mostra que, embora a procrastinação possa ser uma estratégia de curto prazo para evitar a angústia, ela não é uma solução sustentável a longo prazo. Em algum momento, todos nós precisamos tomar decisões, concluir nossas tarefas e enfrentar as consequências de nossas ações, abandonando assim o véu de Penélope que tecemos em nossas vidas. 

sábado, 13 de julho de 2024

Areia Movediça

Entrar na areia movediça do outro porque tem pouca luz?

Imagine-se caminhando por um campo aberto durante a noite. Há uma leve neblina no ar e a única luz disponível é a da lua, parcialmente coberta por nuvens. Você segue um caminho conhecido, mas algo o atrai para uma área desconhecida, uma trilha que parece promissora, mas também um pouco sombria. A curiosidade, talvez a necessidade de compreender mais sobre o terreno, leva você a adentrar esse novo caminho.

Essa metáfora pode ser aplicada ao convívio humano, onde entrar na areia movediça do outro significa se aventurar na complexidade das experiências, emoções e pensamentos de outra pessoa, muitas vezes porque as próprias circunstâncias da vida estão pouco iluminadas. Quando nos sentimos perdidos ou incertos, podemos buscar refúgio na compreensão do outro, na tentativa de encontrar clareza para nossa própria escuridão.

Cotidiano na Areia Movediça

Na prática, isso acontece em diversas situações. Pense em um amigo passando por um momento difícil, onde você sente a necessidade de oferecer apoio. Inicialmente, sua abordagem é cautelosa, você tateia o terreno tentando entender a profundidade das emoções envolvidas. À medida que se envolve mais, percebe que a situação é mais complicada do que aparentava, como areia movediça que parece estável, mas cede sob seus pés.

No trabalho, talvez você encontre um colega enfrentando problemas pessoais que afetam seu desempenho. A princípio, você pode hesitar em se envolver profundamente, temendo as consequências para sua própria estabilidade emocional. No entanto, a falta de clareza sobre sua própria situação pode levá-lo a mergulhar na situação do outro, na esperança de encontrar um sentido maior ou até mesmo respostas para suas próprias dúvidas.

Luz na Escuridão

O filósofo Søren Kierkegaard pode nos ajudar a refletir sobre essa dinâmica. Ele argumentava que a vida é um processo contínuo de se tornar um eu verdadeiro, o que muitas vezes envolve confrontar nossas próprias incertezas e medos. Quando entramos na areia movediça do outro, na verdade estamos confrontando aspectos de nós mesmos que talvez evitássemos. Ao ajudar alguém a encontrar a clareza, também buscamos nossa própria luz.

Kierkegaard falava sobre a "angústia da possibilidade", onde a incerteza do futuro e as múltiplas possibilidades nos deixam ansiosos. Entrar na escuridão do outro pode ser uma tentativa de lidar com nossa própria angústia, projetando nossa busca de sentido em um contexto mais tangível. É como se, ao iluminar a jornada do outro, pudéssemos encontrar pistas para iluminar a nossa própria.

Reflexão Final

Entrar na areia movediça do outro porque tem pouca luz é uma experiência profundamente humana. É uma mistura de compaixão, curiosidade e uma busca quase desesperada por clareza. Embora arriscado, esse ato pode trazer insights valiosos sobre quem somos e como nos conectamos com o mundo ao nosso redor. É um lembrete de que, mesmo nas situações mais obscuras, a busca por compreensão mútua pode revelar luzes inesperadas e caminhos compartilhados. 

domingo, 13 de outubro de 2019

VAMOS FALAR DE DEPRESSÃO E AS RAZÕES QUE LEVAM A ELA




Conversando com um amigo de infância com quem tenho afinidade, após uma boa conversa com ele, ele descreveu seu quadro bastante angustiado, aparentemente sem motivos já que ele é um cara bem sucedido profissionalmente, faz parte de uma bela família, e dificilmente alguém poderia supor que ele sofre de depressão.

Através de estudos anteriores, e alguma experiência que tive ao fazer um curso de pós-graduação em Neuropsicopedagogia, já estava ciente da gravidade que é alguém conviver com a depressão, mas que infelizmente ainda se ouve da boca de pessoas aparentemente esclarecidas que “isto não passa de frescura”, isto não passa apenas de "uma tristeza mal resolvida junto algum familiar", isto não passa apenas de "alguma magoa que já deveria ter sido resolvida, pois já é bem grandinha" e por ai vai. Estes tipos de comentários sempre me incomodaram e sempre me pareceu que quem faz tal afirmação, não tem empatia para com o outro, se sente superior (o que não é) e no mínimo tem desprezo pela dor do outro. 

Para quem leu algo sobre o tema abordado por Hipócrates, Schopenhauer, Bauman, Platão e Aristóteles saberão do que estarei a falar.

Diante disto, resolvi trazer à baila algumas considerações que penso serem de muita importância, acredito que a Filosofia Clinica tem muito a dizer a respeito, onde o filosofo Fabiano de Abreu e o escritor estadunidense Andrew Solomon, fazem interessantes analises, que estou compartilhando.

Começarei pelo filósofo Fabiano de Abreu, o qual tenho grande admiração.


Filosofo Fabiano de Abreu

Em 11/07/2018, o brilhante pesquisador e filósofo Fabiano de Abreu teceu os seguintes comentários acerca da depressão: “Depressão é muito mais do que um sentimento de tristeza”

Apesar de muitos tabus que ainda cercam o assunto, a depressão é uma doença muito séria, mas muitos não a encaram com a mesma seriedade que a situação demanda, sendo encarado por alguns como fingimento ou “frescura". 

A ciência já comprovou os efeitos fisiológicos da depressão, suas manifestações. Pesquisadores do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) estudaram a relação entre a depressão e dores crônicas. Os resultados mostraram que os acometimentos do corpo e da mente estão extremamente relacionados. Coordenado pela doutora Laura Helena Andrade, o estudo faz parte de um levantamento concluído em 2009 que analisou mais de 5 mil pessoas maiores de idade e que vivem na região metropolitana de São Paulo. Não é a toa que a depressão é considerada o mal do século 21.

O Filósofo Fabiano de Abreu, autor do livro “Viver Pode Não Ser Tão Ruim”, é um pesquisador do comportamento humano e da busca pela felicidade, e tem se dedicado a entender a depressão, seu processo e sua cura. Baseado em seus estudos, Fabiano tem uma opinião sobre o assunto: "quando buscamos o motivo pelo qual nos sentimos pressionados, tristes, depressivos, encurtamos assim o tratamento natural para a cura da depressão, e com base nos seus estudos, tem uma opinião. Quando já não conseguimos pensar e isso é dominante e atuante no cotidiano, devemos buscar ajuda clínica. Algumas coisas estão sob nosso controle e outras não, mas não podemos nos desgastar com as que não estão ou isso pode ocasionar uma depressão resultado da insatisfação ou fracasso”. 

Para o filósofo, uma tristeza pode evoluir para um quadro de depressão, com base em uma situação de insatisfação ou fracasso. Assim, é preciso entender a diferença entre a tristeza e a depressão clínica, e buscar ajuda condizente com o quadro. Penso tal como o filósofo que a meditação é uma ótima ferramenta para enfrentar a depressão, e reafirmo que a meditação não é apenas fechar os olhos com as pernas em posição borboleta e as mãos apoiadas juntando as pontas dos dedos e entoar um mantra. A meditação é pararmos, nos desligarmos dos problemas e pensarmos sobre nossa própria vida. Se estamos tristes, então precisamos entender o motivo de estamos tristes, a razão, e assim saber o que pode ser feito”.

A meditação não é um produto de consumo e de bem-estar, e sim deve ser pensada como uma prática pessoal de profunda transformação. Além dos estados agradáveis momentâneos, os exercícios mentais podem resultar na transformação duradoura de traços de personalidade. Porém, as curtas doses diárias não nos levarão a este nível de transformação positiva e duradoura - mesmo se continuarmos a praticar por anos - sem adicionar práticas específicas.

Leve a sério a meditação, é um ótimo remédio para vencer alguma tristeza que o esteja rondando, não deixe evoluir para a depressão.


Escritor Andrew Solomon

"O oposto da depressão não é felicidade, mas vitalidade"

Acredito seriamente que as palavras do premiado escritor estadunidense Andrew Solomon, sejam de grande importância e relevância, dentre algumas de suas afirmações destaquei o ponto que entendo seja a chave para a luta contra a depressão: "O oposto da depressão não é felicidade, mas vitalidade", pois a felicidade não é de graça, é preciso trabalho, e é na vitalidade que encontraremos propulsão para a felicidade.

Em 04/08/2014, o premiado escritor estadunidense em entrevista para Alexandre Lucchese, fala sobre auto aceitação e os avanços dos movimentos pelos direitos dos homossexuais (04/08/2014 - 10h32minAtualizada em 22/05/2019 - 10h51min)

Com livros premiados e traduzidos para mais de 20 idiomas, o escritor americano Andrew Solomon, 50 anos, colabora com diferentes jornais e cruza o mundo falando em conferências na última sexta-feira, no Brasil, participou de um debate durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

Quem observa a movimentada agenda do escritor mal consegue imaginar que Solomon já sofreu crises de depressão tão profundas que o deixaram à beira do imobilismo. O livro O Demônio do Meio-Dia (2001), em que analisa a depressão a partir da própria experiência com a doença, foi escolhido um dos cem melhores da década pelo jornal britânico The Times. Na infância, Solomon contou com o apoio dos pais para superar sua dislexia. Mais tarde, teve dificuldade para ser aceito por eles quando revelou sua homossexualidade.

Essas situações inspiraram o livro Longe da Árvore (2012), resultado de mais de 10 anos de pesquisa sobre crianças, adolescentes e adultos à margem dos padrões sociais e biológicos considerados "normais", aceitos (ou não) por suas famílias. Nesta entrevista, o autor fala sobre depressão, auto aceitação e os avanços dos movimentos pelos direitos dos homossexuais.

Em O Demônio do Meio-Dia, o senhor narra um colapso causado pela depressão, que durante algum tempo o impediu de realizar atividades básicas como tomar banho, por exemplo. De que modo conseguiu superar esse quadro?

Minha depressão respondeu a um tratamento que combinou medicação e psicoterapia. Imagino que precisarei manter essa combinação pelo resto da minha vida. Às vezes, isso não parece um problema; em outras, sinto como algo muito inconveniente e irritante.

O que recomendaria para quem está passando pela mesma situação?

Realmente acredito que as pessoas devem procurar o que funciona para elas. Já encontrei gente que teve boas respostas com recursos que soam ridículos sob o ponto de vista científico, mas que efetivamente fizeram com que elas se sentissem melhor. Então, não se pode dizer que é algo ridículo, uma vez que ajudou alguém. O único perigo disso é que, enquanto alguém se dedica a um tratamento sem eficácia comprovada, está atrasando o início de algo que já tem um histórico de comprovação e, neste intervalo de tempo, o quadro pode se agravar. Meu tratamento é baseado nas tecnologias modernas - e sou muito grato por viver em um tempo em que tudo isso está disponível.

Hoje se fala muito mais de depressão do que se falava antigamente. Isso se deve a um maior conhecimento sobre o tema ou ao fato de que houve uma banalização do termo?

Acho que sabemos muito mais sobre depressão e, por isto, podemos fazer mais por quem está sofrendo da doença. Há cem anos, quem se sentia depressivo não falava muito sobre isso, até porque não havia muito a fazer a respeito. Agora, há muitas intervenções possíveis: remédios, psicoterapia, eletrochoques para quem necessita... O fato de as pessoas estarem falando mais e terem a mente mais aberta sobre o assunto é sempre algo bom.

Pode estar havendo alguma dificuldade de lidar com dores que fazem parte da vida e que acabam sendo confundidas com depressão?

Acredito que é uma pobreza de nossas línguas usar a palavra "depressão" para descrever sentimentos de tristeza e também uma condição clínica. A experiência que uma criança tem quando seu jogo de futebol é cancelado, por exemplo, é bem diferente da experiência de alguém que comete suicídio. O fato de usarmos a mesma palavra para ambas as situações gera confusão. Pessoas que já tiveram a experiência de ter um dia muito ruim às vezes acreditam saber o que é uma depressão. Ressalto que o oposto de depressão não é felicidade, mas vitalidade. Depressão não é tristeza, é a falta de energia para fazer qualquer coisa com a sua vida. Não há como comprovar isso, mas suspeito que exista uma taxa maior de depressão atualmente do que se costumava ter. E há muitas razões para isso: estamos interagindo mais com computadores do que com pessoas, o ritmo de vida é rápido demais, nós temos várias possibilidades de comunicação, mas não usamos porque ficamos vendo TV... Há mais fatores estressantes na vida moderna que podem ajudar a desencadear depressões.

Muitos consideram a depressão um fenômeno moderno ocidental.

Esse é um mito que tenho interesse em destruir. Comecei pesquisando conceitos históricos de depressão. Hipócrates, há 2,5 mil anos, descrevia a depressão nos mesmos termos com que a descrevemos hoje. Além disso, dizia que era uma disfunção orgânica do cérebro, melhor disparada por fatores externos. Já Platão afirmava que era um problema filosófico, melhor resolvido por meio de conversas. Então, a distinção entre os modelos médicos e psicodinâmicos da depressão já existe há cerca de 25 séculos. Com intuito de observar melhor se era um fenômeno ocidental, me aventurei a estar em uma grande variedade de sociedades. Observei a depressão entre os sobreviventes do Khmer Vermelho do Camboja, entre esquimós inuítes, e fui até o Senegal, onde participei de sessões do tratamento ritual da doença, bastante populares lá. Constatei que a linguagem usada para descrever a depressão varia um pouco, mas a ideia de que algumas pessoas às vezes se sentiam inexplicavelmente divorciadas de todas as oportunidades e de tudo o que dava sentido para suas vidas existia em qualquer sociedade que pude encontrar.


Ainda há quem afirme que é um problema de classe média.

Também busquei observar essa ideia de que a depressão só ocorre quando você é desocupado o suficiente para ter tempo para ela, por isso, seria de algum modo uma experiência das classes mais abastadas. No entanto, descobri que quando você tem uma vida que, em termos materiais, poderia ser maravilhosa, mas se sente triste o tempo todo, você procura um médico, já que isso não faz sentido. Mas, se você é pobre e sua vida é difícil, quando se sente triste pensa: "É claro que me sinto triste, minha vida é horrível". E então não busca tratamento. Na realidade, quando você entrevista muitas pessoas que estão vivendo depressão, percebe que frequentemente elas não estão deprimidas porque têm vidas horríveis e pobres, e sim têm vidas horríveis e pobres porque a depressão as paralisa e não permite que façam o que deveriam para melhorar.

No livro Longe da Árvore, publicado ano passado no Brasil, o senhor aborda o crescimento de filhos com identidades diversas das de seus pais e a forma como são aceitos ou não. Transgêneros, autistas, surdos e esquizofrênicos são alguns exemplos. Hoje, os pais estão mais bem preparados para lidar com filhos que não correspondem às suas expectativas?

Acho que jamais alguém está preparado para ter filhos muito diferentes de si. É chocante para todas as famílias em que isso ocorre. Não acredito que as pessoas estejam mais bem preparadas, e sim que, na era da internet, há mais possibilidades de encontrar comunidades com pessoas que também precisam lidar com as mesmas situações. Além de adquirirem conhecimento nesses espaços, compreendem a ideia de que a vida com uma criança que é diferente, algo que parece incrivelmente difícil, é sim possível, já que há muitos outros pais conseguindo lidar com esta situação. Tudo isso colabora para que os pais aceitem com mais facilidade crianças diferentes da expectativa da maior parte das pessoas. No entanto, "mais fácil" não quer dizer "fácil". É apenas um pouco menos difícil.

Onde o senhor acha que as pessoas enfrentam mais preconceito, dentro ou fora de casa?

Acredito que há três níveis de aceitação a serem desenvolvidos: auto aceitação, aceitação familiar e aceitação social - esta última inclui escola e trabalho. Cada um deles influencia os outros. É claro que já ouvi histórias de gente bem compreendida em casa, mas que sofre preconceito imenso no trabalho, e também o contrário. Mas não diria que um dos níveis é mais importante do que os outros. O que acredito é que alguém com auto aceitação tem uma influência, ainda que limitada, em ser aceito por sua família e pelo mundo. Quem é aceito pela família tende a ser mais bem aceito no trabalho, porque sua atitude é diferente, e assim por diante. Do mesmo modo, pessoas que cresceram sendo rejeitadas pela família tendem a sofrer mais rejeições no trabalho, porque isso passa a ser uma constante para elas, a ponto de não saberem muito bem como construir suas vidas sem esse sentimento.

Como estimular a auto aceitação de uma criança e não fazê-la se sentir sozinha em suas diferenças?

Não penso em termos de uma criança se sentir sozinha, mas em um importante equilíbrio que muitas vezes é delicado. Uma criança com diferenças deve ser inserida no mundo real, educada em salas de aulas e exposta a pessoas e colegas que não compartilham suas mesmas diferenças, já que esse é o mundo em que viverá. Mas essa criança também deveria ocupar algum tempo em salas de aula e outros contextos junto a pessoas com sua mesma condição, onde poderá entender melhor o que é esta experiência, ter ideia dos desafios que terá de enfrentar. Acredito que os dois ambientes são necessários.

A homossexualidade era considerada uma doença há algumas décadas. Hoje, a união homoafetiva é uma realidade. Como militante dos direitos dos homossexuais, como explica esses progressos?

Isso pode parecer repentino, mas é o resultado de muitas décadas de ativismo e pode ser atribuído consideravelmente aos movimentos por direitos civis anteriores, como o movimento pelo direito das mulheres ao voto e os movimentos pelos direitos das minorias raciais. Acredito que o movimento gay se inspirou nesses dois, e todos têm em mente uma sensibilidade pós-colonial: um grupo de pessoas não deveria ser autorizado a controlar outro grupo de pessoas. Também acho importante dizer que o casamento gay é maravilhoso, tenho um casamento gay e estou muito contente por isto. Mas é preciso avançar em outras questões. Nos EUA e em outros países, em diferentes proporções, pessoas continuam sendo demitidas por serem gays, ou sendo maltratadas por serem gays, ou tendo o direito de habitação negado por serem gays... Há até mesmo países em que pessoas são executadas por serem gays. São todas formas de preconceito.

Os setores políticos que se posicionaram contra a união homoafetiva, tanto no Brasil quanto nos EUA, têm forte ligação com as religiões cristãs. Por outro lado, o cristianismo promove a ideia de amor e tolerância. Como o senhor vê o papel das religiões no combate aos preconceitos?

Acredito que se relacionar com as religiões é realmente importante, pois os direitos pelos quais batalhamos não virão até que elas deixem de se opor. Minha experiência trabalhando nesse mundo é que os maiores atos de generosidade, compreensão e gentileza para os gays devem muito à influência das instituições religiosas. E os grandes atos de preconceito, crueldade e depressão vieram, da mesma forma, de instituições religiosas ou foram feitos em nome da religião. Pertenço a uma igreja de Nova York bastante aberta e respeitosa, e o que admiro do cristianismo vem de seu primeiro mandamento (amar o seu inimigo) e da crença no juízo de Deus - e não presunção de que podemos julgar uns aos outros. As passagens que são usadas o tempo todo para atacar os gays são relativamente insignificantes na Bíblia, que é repleta de muitas outras instruções. A base lógica dos religiosos antigays é muito débil, e o modo como eles a mantêm é profundamente não cristão. Acredito que foi em um contexto como esse que Gandhi disse "Amo seu Cristo, mas não seus cristãos, porque são tão diferentes d’Ele". Acredito que a homofobia nas religiões organizadas é um dos grandes venenos da vida moderna.

E como vê a atuação do papa Francisco em relação aos gays?
O novo papa tem uma enorme humildade e consegue se engajar com as pessoas. Sobre os gays, em particular, ele disse em entrevista algo como "Se uma pessoa é gay e busca Deus, quem sou eu para julgá-la?", o que é bastante diferente das frases dos dois papas anteriores sobre o tema. Fico animado, pois isso demonstra que ele é mais aberto e tolerante à causa. Acredito que não exista apenas um modo de ser uma boa pessoa e um bom cristão.

No Brasil, já há alguns anos, tenta-se aprovar uma lei contra a homofobia. O que acha de uma lei como essa?

Acho que há áreas em que as leis são relevantes: por exemplo, uma lei que impeça que se demitam pessoas por serem gays ou uma lei que afirme ser crime de ódio bater em alguém por ser homossexual. O que não faria sentido é uma lei que obrigasse pessoas que não gostam de gays a passarem a gostar. Isso não se transforma com uma lei, mas com educação. Mas, quando você tem um mecanismo legal que indica que gays precisam ser tratados com igual dignidade, esse é um modo muito forte de comunicar que gays são iguais a qualquer outro ser humano, e isto afeta o modo como a população encara esse grupo. É um círculo: melhores leis ajudam a criar melhores atitudes, e com melhores atitudes é mais fácil criar melhores leis.

Conforme Carolina Cunha Da Novelo Comunicação, ela em seu artigo publicou o que segue:
A vida é repleta de eventos doloridos e a tristeza faz parte da condição humana. Mas quando é que estar triste se transforma em doença?

A depressão é um problema de saúde pública. Ela se distingue da tristeza pela duração de seus sinais e pelo contexto em que ocorre. Trata-se de uma experiência cotidiana associada a várias sensações de sofrimento psíquico e físico e que pode impedir que a pessoa realize suas atividades cotidianas e atrapalhar nos relacionamentos.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), pelo menos 350 milhões de pessoas sofrem desse mal no mundo. No Brasil, de acordo com um levantamento nacional da Universidade Federal de São Paulo, um terço da população brasileira apresenta sintomas de depressão.

A depressão é considerada um transtorno mental comum e pode aparecer em três graus: leve, moderada ou grave. Os casos extremos levam o indivíduo a ficar incapacitado diante da vida até mesmo a desistir dela. Segundo a OMS, 15% dos depressivos comentem suicídio.

Diagnosticar e traçar a linha que separa a normalidade da patologia é sempre uma dificuldade e no meio disso tudo existe a estigmatização da doença. Ela não tem uma causa ou características únicas e atinge as pessoas de modos diferentes. Em termos científicos, não existem testes laboratoriais que revelam quando a tristeza se torna um estado de depressão. O único jeito é observar a si mesmo.

Para psicólogos e psiquiatras, a depressão pode surgir de diversas formas, principalmente como reação a uma situação estressante. Os fatores desencadeantes podem ser acontecimentos como traumas na infância, a morte de alguém, o fim de casamento, isolamento social ou violência. Não raro, porém, a depressão surge sem motivo.

Os sintomas ajudam no diagnóstico do quadro e a intensidade na experiência dos fenômenos relacionados à depressão é um dos fatores mais mencionados por pessoas que a viveram. A perda de interesse pelo trabalho ou lazer, dificuldade de concentração, baixa autoestima, sonolência, choro por qualquer coisa, sentimento de culpa ou desamparo, ansiedade, falta de libido, ataques de pânico e pensamentos negativos frequentes são alguns dos comportamentos relacionados ao transtorno.

O escritor estadunidense Andrew Solomon escreveu o livro "O Demônio do Meio-Dia" para investigar a depressão a partir de sua própria experiência. "O oposto da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade”, escreve ele. “A depressão começa do insípido, nubla os dias com uma cor entediante, enfraquece ações cotidianas até que suas formas claras são obscurecidas pelo esforço que exigem, deixando-nos cansados, entediados e obcecados com nós mesmos — mas é possível superar isso. Não de uma forma feliz, talvez, mas pode-se superar. Ninguém jamais conseguiu definir o ponto de colapso que demarca a depressão severa, mas quando se chega lá, não há como confundi-la.”

O que a Ciência diz?

Os mecanismos pelos quais a depressão se instala ainda não são totalmente conhecidos. Mas a medicina descobriu que o estado de depressão gera determinadas modificações químicas no corpo.

O corpo humano tem 12 bilhões de neurônios. Os neurotransmissores são substâncias químicas sintetizadas, liberadas pelos neurônios e responsáveis por sensações como prazer, conforto e bem-estar. Sabe-se que neurotransmissores cerebrais têm um papel relevante no processo da depressão.

A serotonina é a substância que ajuda a controlar o humor e diversas outras funções vitais do organismo, como o sono. Já a noradrenalina ajuda a produzir o hormônio adrenalina, com efeito estimulante e que cria o estado de alerta em situações de perigo.

A depressão se traduz como uma desordem no cérebro, órgão que tem dificuldade de manter o equilíbrio dos níveis de serotonina e noradrenalina no corpo. Remédios antidepressivos não produzem essas substâncias, mas aumentam os níveis delas.

Para controlar o equilíbrio dessas substâncias nas células, o corpo produz a enzima monoaminoxidase, que elimina o excesso de neurotransmissores. Pessoas deprimidas geralmente não têm níveis baixos de neurotransmissores, mas a enzima trabalha “demais”, atrapalhando o fluxo livre de liberação da serotonina e noradrenalina. Antidepressivos atuam na inibição da monoaminoxidase para que os níveis desses transmissores permaneçam altos.

Especialistas classificam a depressão em bipolar (também conhecida como PMD- psicose maníaco depressiva) ou unipolar. A PMD alterna momentos de euforia (quando provavelmente há excesso de neurotransmissores) e profunda depressão, quando provavelmente há falta. A do tipo unipolar é relacionada à melancolia sem fim.

A depressão também pode acionar o fenômeno Kindling. Imagine alguém descendo uma montanha russa. Um evento estressor significativo desencadeia o primeiro episódio. Progressivamente, os quadros passam a ser desencadeados por eventos menos intensos ou mesmo sem motivo. Assim, um fator estressor que não abalaria uma pessoa pode desencadear um novo episódio em quem já é depressivo crônico. A depressão causaria lesões nos neurônios, prejudicando a transmissão de impulsos nervosos no cérebro, deixando a pessoa com predisposição à uma nova crise.

A OMS recomenda que casos de depressão moderada ou grave devam ser tratados com medicação capaz de aliviar seus sintomas, com dosagens específicas para cada paciente. O ideal é que o tratamento conte com psicoterapeutas e psiquiatras que ajudam a trabalhar as questões emocionais da 
pessoa. 

Pesquisadores testam novas formas eficazes de tratamento da depressão com estudos que buscam identificar as áreas exatas no cérebro relacionadas a determinadas sensações. Se localizarem com sucesso, no futuro será possível ter aparelhos para estimular ou inibir áreas de um cérebro deprimido.

Atualmente, tratamentos com estimulação cerebral com eletrodos diminuem os sintomas, mas são recomendados muito raramente e para casos mais extremos. A carga elétrica parece aumentar o efeito da dopamina e afetar os outros neurotransmissores, além de estimular o metabolismo do córtex frontal. Um pouco menos invasiva é a técnica com ressonância magnética, que estimula o cérebro com ondas eletromagnéticas que aumentam o fluxo sanguíneo na área e, consequentemente, sua atividade cerebral.

Terapias complementares e a adoção de hábitos saudáveis ajudam na recuperação e na prevenção da depressão. Ter uma alimentação nutritiva diária, evitar o uso de drogas e o consumo de álcool, praticar esportes (exercícios produzem endorfina) e atividades de relaxamento e meditação são importantes ferramentas para combater o estresse e enfrentar e superar problemas. 

A ciência também relaciona problemas hormonais e genéticos às causas da depressão. Nas mulheres, os níveis flutuantes dos hormônios estrogênio e progesterona influenciam o humor. Em relação aos genes, estudos apontam que a predisposição para a depressão pode ser hereditária. Se descobrirmos uma maneira de identificar a depressão por subtipos genéticos, poderemos encontrar tratamentos específicos.

Felicidade e a sociedade contemporânea

Além das dificuldades, contextos e histórias de vida de cada pessoa, existem fatores sociais difíceis de mapear que podem levar ao que se denomina depressão. O mundo contemporâneo está cada vez mais complexo. E o que todos desejam e buscam é a felicidade, o oposto da depressão.

Nas capas de revista, nos filmes, nos livros de autoajuda. O sucesso profissional, um casamento, um corpo perfeito, a viagem a um lugar paradisíaco, a casa dos sonhos, o status, a riqueza. Experiências são “vendidas” como verdadeiros caminhos para a felicidade, algo que só dependeria de você. Mas esse tipo de discurso acaba sendo uma grande armadilha. 

Se ser feliz só depende de mim, e eu não sou, logo eu falhei. O fracasso gera uma nova frustração. Por exemplo, a cobrança de padrões de beleza impossíveis de se conquistar leva diversos adolescentes a um quadro de baixa estima, em alguns casos à depressão profunda. Naturalmente querer tudo é um absurdo.

O escritor Michael Foley remete ao mito de Sísifo (que foi condenado a empurrar uma rocha por toda a eternidade) como representação da epidemia de depressão da sociedade atual. No livro "A Era da Loucura", ele escreve: “A depressão é muitas vezes o destino da personalidade moderna – ambiciosa – faminta por atenção e ressentida, sempre convencida de merecer mais, sempre perseguida pela possibilidade de estar perdendo algo melhor, sempre sofrendo pela falta de reconhecimento e sempre insatisfeita. É preciso reencontrar a coragem e a humildade de Sísifo, que não exige recompensa, mas sabe transformar qualquer atividade em sua própria recompensa. Sísifo é feliz com o absurdo e a insignificância de seu ato de empurrar constantemente uma rocha montanha acima.”

O sociólogo Zygmunt Bauman fala sobre a ansiedade e a angústia que é viver em nossa atual condição sociocultural, marcada por infinitas possibilidades de escolhas e pela falta de solidez e durabilidade (as relações são cada vez mais descartáveis, gerando um vazio). 

Mas por que somos obrigados a ser felizes? A necessidade de busca da felicidade é recente na história ocidental. O filósofo grego Aristóteles dizia que a bílis negra (melaina kole) determina os grandes homens. A reflexão aristotélica é que a melancolia não seria uma doença, mas a própria natureza do filósofo e sua inquietação em relação ao ser. Ela seria uma maneira importante de transcender e gerar sabedoria.

Na Idade Média, o pensamento medieval liga a tristeza a dois pensamentos: de um lado, ela seria um pecado, já que seria um sinal de que a pessoa abandonou ou perdeu Deus.
Na obra "Inferno", de Dante Alighieri, o escritor escreve que os suicidas estão condenados a se transformarem em árvores e os melancólicos são “uma seita de fracos, importunos ante Deus e seus inimigos”. Já para os monges, ela seria uma virtude que levaria a uma reflexão sobre a consciência interior.

São muitos os caminhos para entender as aflições da alma. O mundo moderno mudou o foco de Deus para o Homem. Goethe entende que a melancolia é uma doença do pensamento. Outros pensadores entendem que o viver bem precisa de um propósito. Schopenhauer chamou de Eudemonismo o que entendia como a arte de ser feliz, assinalando que desenvolver uma atividade, dedicar-se a algo ou simplesmente estudar são coisas necessárias à felicidade do ser humano.

Em resumo, vivemos num mundo que nos exige muito energia, o estresse no qual nos bombardeiam exigem vitalidade, sem vitalidade não há felicidade, a vitalidade está presente nos pensamentos positivos, de elevado alcance, fazer uma atividade física (pode ser até uma boa caminhada diariamente), meditar e fazer uma auto analise, são pró-atividades, afinal é nossa mente que constrói os castelos de nossa memória, os bons pensamentos nos dão vitalidade e consequentemente podem nos levar a felicidade, é assim que nos preparamos para combater a depressão, substituindo os maus pensamentos por bons pensamentos.

BIBLIOGRAFIA:



Site: https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/depressao-o-mal-estar-da-sociedade-contemporanea.htm

Demônio do Meio-Dia: uma Anatomia da Depressão, de Andrew Solomon (Companhia das Letras, 2002)

Mais Platão, Menos Prozac, de Lou Marinoff (Record, 2001) A Era da Loucura, de Michael Foley (Alaúde, 2011) Sol Negro – Depressão e Melancolia, de Julia Kristeva (Rocco, 1989)