Sabe quando você entra numa padaria e sem perceber forma uma fila atrás de quem chegou primeiro? Ou quando pega um ônibus e mesmo com sono cede o lugar para uma senhora? Ou ainda quando ninguém te conhece no trabalho novo, mas mesmo assim todos já respeitam sua função, sem nem saber quem você é? Pois é. Isso é solidariedade no sentido dukerniano.
Émile
Durkheim dizia que as sociedades se mantêm coesas graças a formas de
solidariedade. Não é só empatia, nem compaixão. Para ele,
"solidariedade" é o cimento invisível que mantém a ordem social. E
existem duas formas disso acontecer: solidariedade mecânica e solidariedade
orgânica.
A
solidariedade mecânica é típica das sociedades simples, tradicionais,
onde todo mundo pensa mais ou menos igual, vive de forma parecida, segue os
mesmos costumes — como uma pequena vila onde todos se conhecem pelo nome e
ninguém precisa de crachá. É o tipo de vínculo que une pessoas pela semelhança.
Já
a solidariedade orgânica é própria das sociedades modernas e complexas —
como a cidade grande, onde ninguém sabe quem é o outro, mas todo mundo depende
de todo mundo. O padeiro não faz sua roupa; o alfaiate não planta seu próprio
arroz; o engenheiro não conserta o encanamento da própria casa. Vivemos ligados
não pela semelhança, mas pela diferença funcional. Cada um faz uma parte
e confia que o outro fará a dele.
Se
você vai ao supermercado e compra um pacote de arroz, nem imagina quem colheu,
processou, transportou, empacotou. Mas sem todos eles — desconhecidos,
anônimos, invisíveis — você passaria fome. Essa é a solidariedade dukerniana
que sustenta nossa vida urbana sem que a gente perceba.
É
interessante: quanto mais complexa a sociedade, mais "desconhecidos"
garantem nossa sobrevivência. Isso gera uma confiança sistêmica — não no
indivíduo concreto, mas no papel social que ele ocupa.
Durkheim
alertava: se essa solidariedade enfraquece, surge a anomia — um estado
de desorientação social, onde as regras perdem o sentido e as pessoas não sabem
mais como agir. Não é raro sentir isso em grandes crises, como pandemias ou
guerras, quando o fio invisível da confiança social ameaça se romper.
No
fundo, até quando você reclama de um atraso do motoboy ou de um mau atendimento
no banco, está invocando essa solidariedade dukerniana: você espera que cada
peça do sistema funcione sem precisar supervisioná-la.
Como
comentou o sociólogo brasileiro Sérgio Buarque de Holanda, no Brasil
temos um costume forte de "personalizar" as relações — preferimos
confiar em pessoas, não em funções. Talvez por isso a solidariedade orgânica
aqui tenha suas falhas e a "mecânica" ainda resista em laços
familiares, amizades, favores.
Mas no trânsito, na fila, no mercado, no aplicativo, no elevador… ela age em silêncio. Como o ar que respiramos sem notar.