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sábado, 14 de junho de 2025

Solidariedade Dukerniana

Sabe quando você entra numa padaria e sem perceber forma uma fila atrás de quem chegou primeiro? Ou quando pega um ônibus e mesmo com sono cede o lugar para uma senhora? Ou ainda quando ninguém te conhece no trabalho novo, mas mesmo assim todos já respeitam sua função, sem nem saber quem você é? Pois é. Isso é solidariedade no sentido dukerniano.

Émile Durkheim dizia que as sociedades se mantêm coesas graças a formas de solidariedade. Não é só empatia, nem compaixão. Para ele, "solidariedade" é o cimento invisível que mantém a ordem social. E existem duas formas disso acontecer: solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.

A solidariedade mecânica é típica das sociedades simples, tradicionais, onde todo mundo pensa mais ou menos igual, vive de forma parecida, segue os mesmos costumes — como uma pequena vila onde todos se conhecem pelo nome e ninguém precisa de crachá. É o tipo de vínculo que une pessoas pela semelhança.

Já a solidariedade orgânica é própria das sociedades modernas e complexas — como a cidade grande, onde ninguém sabe quem é o outro, mas todo mundo depende de todo mundo. O padeiro não faz sua roupa; o alfaiate não planta seu próprio arroz; o engenheiro não conserta o encanamento da própria casa. Vivemos ligados não pela semelhança, mas pela diferença funcional. Cada um faz uma parte e confia que o outro fará a dele.

Se você vai ao supermercado e compra um pacote de arroz, nem imagina quem colheu, processou, transportou, empacotou. Mas sem todos eles — desconhecidos, anônimos, invisíveis — você passaria fome. Essa é a solidariedade dukerniana que sustenta nossa vida urbana sem que a gente perceba.

É interessante: quanto mais complexa a sociedade, mais "desconhecidos" garantem nossa sobrevivência. Isso gera uma confiança sistêmica — não no indivíduo concreto, mas no papel social que ele ocupa.

Durkheim alertava: se essa solidariedade enfraquece, surge a anomia — um estado de desorientação social, onde as regras perdem o sentido e as pessoas não sabem mais como agir. Não é raro sentir isso em grandes crises, como pandemias ou guerras, quando o fio invisível da confiança social ameaça se romper.

No fundo, até quando você reclama de um atraso do motoboy ou de um mau atendimento no banco, está invocando essa solidariedade dukerniana: você espera que cada peça do sistema funcione sem precisar supervisioná-la.

Como comentou o sociólogo brasileiro Sérgio Buarque de Holanda, no Brasil temos um costume forte de "personalizar" as relações — preferimos confiar em pessoas, não em funções. Talvez por isso a solidariedade orgânica aqui tenha suas falhas e a "mecânica" ainda resista em laços familiares, amizades, favores.

Mas no trânsito, na fila, no mercado, no aplicativo, no elevador… ela age em silêncio. Como o ar que respiramos sem notar.