Vamos falar sobre polarizações e quando o meio não encontra espaço para respirar!
Outro
dia, esperando um café que demorava para sair, ouvi duas pessoas discutindo num
tom polido demais para ser honesto. Uma dizia: "Ou você está comigo ou
está contra mim." A outra, com um meio sorriso, apenas balançava a cabeça.
A cena me pegou de jeito. Parecia que a vida, cada vez mais, exige que
escolhamos lados, como se a existência fosse um tabuleiro de xadrez onde só há
pretos e brancos. Mas... e o cinza? Onde foi parar?
O
princípio do terceiro excluído é uma ideia lógica clássica, herdada de
Aristóteles, que diz: ou uma coisa é, ou não é — não há terceira opção.
Traduzindo: ou algo é verdadeiro, ou é falso. Essa estrutura binária funciona
bem na matemática e em certos argumentos racionais, mas será que ainda nos
serve para compreender a vida? Porque, sejamos francos: nossa realidade está
cheia de "quase", "talvez", "depende".
Vivemos
tempos de dualismos histéricos: esquerda ou direita, certo ou errado, sucesso
ou fracasso. A própria linguagem do cotidiano adoece nessa lógica excludente.
Se você não é militante, é omisso. Se não responde rápido, é desinteressado. Se
sorri demais, é falso. Um mundo onde tudo precisa caber em dois polos elimina o
espaço da dúvida, da hesitação, da complexidade — e com isso, o espaço da
humanidade.
O
que excluímos quando excluímos o terceiro? Excluímos o intervalo, o silêncio
entre as notas, o tempo de escutar sem responder, a possibilidade de pensar sem
concluir. Excluímos também os que não se encaixam: os ambíguos, os mistos, os
que dançam no limiar entre identidades, ideologias e afetos. Ao aplicar o
princípio do terceiro excluído à vida real, corremos o risco de transformar
pessoas em caricaturas de posição.
O
filósofo francês Gilles Deleuze nos dá um respiro aqui. Ele propõe um
pensamento que se faz no entre, no devir, naquilo que escapa das
categorias fixas. Para Deleuze, a vida é uma multiplicidade em fluxo, não um
jogo de alternativas fechadas. Ele talvez diria: o terceiro não está excluído —
está em trânsito, em mutação.
A
insistência em excluir o terceiro também é, muitas vezes, uma forma de evitar o
desconforto. Porque conviver com o que não se define dá trabalho. Nos obriga a
escutar mais, julgar menos. Requer humildade para reconhecer que talvez a
verdade não esteja toda de um lado, ou sequer seja uma linha reta.
Por
isso, talvez esteja na hora de reaprender a lógica da vida com menos rigidez. O
que diria um café morno? Que não é quente nem frio, mas ainda assim tem gosto e
função. O que diz o céu nublado? Que não é dia claro nem tempestade, mas é um
estado do tempo. E o que diríamos de nós mesmos quando não estamos nem felizes
nem tristes, nem convictos nem perdidos — apenas vivendo? Talvez sejamos, nós
mesmos, o terceiro sempre excluído. E está mais do que na hora de trazê-lo de
volta à conversa.