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sexta-feira, 9 de maio de 2025

O Terceiro Excluído

Vamos falar sobre polarizações e quando o meio não encontra espaço para respirar!

Outro dia, esperando um café que demorava para sair, ouvi duas pessoas discutindo num tom polido demais para ser honesto. Uma dizia: "Ou você está comigo ou está contra mim." A outra, com um meio sorriso, apenas balançava a cabeça. A cena me pegou de jeito. Parecia que a vida, cada vez mais, exige que escolhamos lados, como se a existência fosse um tabuleiro de xadrez onde só há pretos e brancos. Mas... e o cinza? Onde foi parar?

O princípio do terceiro excluído é uma ideia lógica clássica, herdada de Aristóteles, que diz: ou uma coisa é, ou não é — não há terceira opção. Traduzindo: ou algo é verdadeiro, ou é falso. Essa estrutura binária funciona bem na matemática e em certos argumentos racionais, mas será que ainda nos serve para compreender a vida? Porque, sejamos francos: nossa realidade está cheia de "quase", "talvez", "depende".

Vivemos tempos de dualismos histéricos: esquerda ou direita, certo ou errado, sucesso ou fracasso. A própria linguagem do cotidiano adoece nessa lógica excludente. Se você não é militante, é omisso. Se não responde rápido, é desinteressado. Se sorri demais, é falso. Um mundo onde tudo precisa caber em dois polos elimina o espaço da dúvida, da hesitação, da complexidade — e com isso, o espaço da humanidade.

O que excluímos quando excluímos o terceiro? Excluímos o intervalo, o silêncio entre as notas, o tempo de escutar sem responder, a possibilidade de pensar sem concluir. Excluímos também os que não se encaixam: os ambíguos, os mistos, os que dançam no limiar entre identidades, ideologias e afetos. Ao aplicar o princípio do terceiro excluído à vida real, corremos o risco de transformar pessoas em caricaturas de posição.

O filósofo francês Gilles Deleuze nos dá um respiro aqui. Ele propõe um pensamento que se faz no entre, no devir, naquilo que escapa das categorias fixas. Para Deleuze, a vida é uma multiplicidade em fluxo, não um jogo de alternativas fechadas. Ele talvez diria: o terceiro não está excluído — está em trânsito, em mutação.

A insistência em excluir o terceiro também é, muitas vezes, uma forma de evitar o desconforto. Porque conviver com o que não se define dá trabalho. Nos obriga a escutar mais, julgar menos. Requer humildade para reconhecer que talvez a verdade não esteja toda de um lado, ou sequer seja uma linha reta.

Por isso, talvez esteja na hora de reaprender a lógica da vida com menos rigidez. O que diria um café morno? Que não é quente nem frio, mas ainda assim tem gosto e função. O que diz o céu nublado? Que não é dia claro nem tempestade, mas é um estado do tempo. E o que diríamos de nós mesmos quando não estamos nem felizes nem tristes, nem convictos nem perdidos — apenas vivendo? Talvez sejamos, nós mesmos, o terceiro sempre excluído. E está mais do que na hora de trazê-lo de volta à conversa.


domingo, 9 de março de 2025

Perigo das Polarizações

Outro dia, enquanto esperava o elevador, ouvi uma conversa acalorada entre dois homens no corredor. Um defendia com unhas e dentes um ponto de vista, o outro, o oposto. Não era um debate, era um duelo. O elevador chegou, mas ninguém entrou. As palavras pesavam mais do que o movimento. E pensei: até que ponto a polarização está nos tornando reféns de nós mesmos?

A polarização não é apenas um fenômeno político ou social, mas um estado psicológico. Ela nos convida a escolher um lado e, ao fazê-lo, nos obriga a rejeitar o outro. Trata-se de um processo de identidade tanto quanto de opinião: ao nos alinharmos com um grupo, reforçamos a sensação de pertencimento e segurança. Mas, como bem alertou o filósofo francês Jacques Rancière, a política não deve ser reduzida a uma guerra de identidades onde o diálogo se torna impossível.

O problema maior da polarização é que ela nos aprisiona em certezas inquestionáveis. Perdemos a capacidade de ouvir, de reconsiderar, de duvidar. Passamos a ver o mundo em dualidades simplistas: certo ou errado, nós ou eles. Essa lógica binária ignora a complexidade da vida e empobrece nossa visão de mundo. Afinal, como nos lembra Edgar Morin, o pensamento complexo é aquele que abraça as contradições e as incertezas, e não as exclui.

Outro efeito colateral da polarização é a criação de realidades paralelas. Com a internet e as redes sociais, cada bolha ideológica constrói sua própria versão dos fatos, filtrando informações que reforçam suas crenças e rejeitando qualquer dado que as desafie. O resultado é um ambiente no qual o outro não é apenas diferente, mas inimigo. Hannah Arendt alertava que uma sociedade que perde a capacidade de compartilhar uma realidade comum está fadada ao autoritarismo e à desintegração do debate público.

Mas há um caminho para escapar dessa armadilha? Talvez a resposta esteja em algo que parece simples, mas se tornou cada vez mais raro: a disposição para o diálogo genuíno. Um diálogo que não busca converter, mas compreender. Que não se baseia em vencer um argumento, mas em expandir horizontes. Como propunha Paulo Freire, a verdadeira comunicação só acontece quando há abertura para o outro, para sua história, para sua visão de mundo.

A polarização, quando extrema, nos torna rígidos, inflexíveis e cegos para as nuances da realidade. O antídoto talvez seja reaprender a ouvir, exercitar a dúvida e abraçar a complexidade do mundo sem medo. No fim das contas, a vida não cabe em um elevador, nem em um debate binário. Ela exige movimento, trocas, e acima de tudo, a coragem de sair da própria bolha.


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Entraves Dialógicos

Sabe aquelas conversas que começam bem, mas de repente desandam, viram uma disputa de quem fala mais alto ou, pior ainda, acabam em silêncio constrangedor? Isso acontece mais do que a gente gostaria de admitir, seja num almoço de família, numa reunião de trabalho ou até num bate-papo com amigos. O problema não é só a falta de paciência ou o excesso de opiniões; existe algo mais profundo: os entraves dialógicos. E foi justamente pensando nesses obstáculos, que atrapalham o diálogo real e enriquecedor, que me veio a ideia de refletir sobre o assunto. Afinal, será que ainda sabemos conversar em tempos que só trocamos mensagens curtas e emojis?

"Entraves dialógicos" é uma expressão que remete às dificuldades encontradas no ato da comunicação, especialmente no diálogo entre pessoas. Um entrave dialógico pode ser visto como qualquer barreira que impede a fluidez, o entendimento ou a profundidade em uma conversa, sejam essas barreiras emocionais, culturais, linguísticas ou mesmo resultantes de vieses inconscientes.

O Diálogo Ideal e Seus Obstáculos

Para que o diálogo seja produtivo, ele precisa ser construído sobre uma base de escuta atenta, respeito mútuo e empatia. Filosoficamente, podemos buscar o conceito de diálogo em Sócrates, que via a conversa como um método para descobrir a verdade, e em Martin Buber, que propunha a ideia do "Eu-Tu", em que o diálogo verdadeiro ocorre quando as pessoas se veem como sujeitos iguais e genuinamente se conectam.

Entretanto, no dia a dia, esse ideal se choca com uma série de realidades práticas. Imagine, por exemplo, uma conversa entre colegas de trabalho onde as opiniões divergem sobre uma decisão importante. A ansiedade em ser ouvido, o medo de ser julgado ou desconsiderado, e a urgência de impor uma visão podem gerar interrupções, silêncios forçados ou até mesmo ataques verbais.

Esses são pequenos entraves dialógicos, que vão desde o tom de voz agressivo até a escolha de palavras que podem acionar reações emocionais desproporcionais. E, claro, há também a distração moderna – conversas permeadas pela checagem de celulares, pela pressa cotidiana, pelo multitasking (multitarefa).

A Cultura do Não-Diálogo

No Brasil, a tradição de conversas em mesa de bar ou reuniões familiares pode parecer rica em interações, mas muitas vezes esses espaços estão saturados de monólogos disfarçados de diálogo. O famoso “eu já sabia” ou a busca incessante por validação pessoal são entraves sutis, mas poderosos, que transformam a troca em uma sequência de afirmações individuais.

Esses entraves são exacerbados nas redes sociais, onde o diálogo se transforma em batalha de opiniões. Aqui, o que ocorre é uma disputa pelo poder de convencer, em vez de uma troca genuína de ideias. Não há espaço para reflexão, e muitas vezes os interlocutores nem leem completamente o que o outro diz antes de responder. As reações são impulsivas, transformando o que deveria ser diálogo em ruído.

Vieses Inconscientes e Barreiras Culturais

Outro entrave importante é o viés inconsciente, que afeta como percebemos e interagimos com o outro. Em uma discussão sobre política, por exemplo, é comum que os participantes estejam mais interessados em defender seu ponto de vista do que em ouvir o argumento do outro. O preconceito sobre quem o outro é (baseado em sua profissão, classe social, gênero ou raça) já define antecipadamente a resposta a ser dada, mesmo antes de escutá-lo de verdade.

Barreiras culturais também desempenham um papel fundamental. O que é considerado um gesto de respeito em uma cultura pode ser mal interpretado em outra. No Brasil, um país miscigenado e culturalmente diverso, os diálogos entre diferentes regiões ou grupos sociais muitas vezes enfrentam entraves baseados em estereótipos ou em diferenças de comportamento e costumes.

Superando os Entraves

Como, então, superar esses entraves? A resposta está no cultivo de uma consciência reflexiva. Para o filósofo Habermas, o ideal seria uma "situação ideal de fala", onde todos os participantes de um diálogo tivessem as mesmas oportunidades de expressar suas opiniões e onde o poder das melhores ideias prevalecesse sobre a imposição de autoridade ou status.

No nível pessoal, isso significa desenvolver habilidades de escuta ativa, praticar a paciência e criar um ambiente de confiança, onde os interlocutores se sintam seguros para expressar suas opiniões sem medo de represálias ou julgamentos. É necessário também reconhecer nossos próprios vieses e limitações, para que possamos nos abrir ao outro de maneira mais genuína.

Além disso, é útil introduzir um pouco de humildade intelectual: admitir que podemos não ter todas as respostas e que há valor na visão do outro. Isso cria espaço para o verdadeiro diálogo, onde, mais do que chegar a um consenso imediato, o objetivo é o crescimento mútuo.

Os entraves dialógicos são parte da vida, especialmente em tempos de polarização e sobrecarga de informações. Contudo, se nos esforçarmos para reconhecer e enfrentar esses obstáculos, podemos transformar o diálogo em uma ferramenta poderosa para a construção de relações mais saudáveis e compreensivas. No fundo, o diálogo é a base de qualquer convivência – e é preciso cuidar dele como um jardim que precisa de atenção constante. Como dizia o próprio Buber, "todas as vidas verdadeiramente humanas são encontros". Para que esses encontros floresçam, é necessário desviar dos entraves, promover o espaço de fala, e valorizar a arte da escuta.