Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador #terceiro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #terceiro. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 20 de maio de 2025

O Terceiro Homem

Quando a lógica escorrega no próprio sapato...

Recordo que numa aula de lógica, um colega perguntou: "Se tudo o que participa de uma ideia é semelhante a ela, então por que precisamos de mais uma ideia para explicar essa semelhança?". A turma parou. O professor coçou a cabeça. E eu me lembrei de Aristóteles, que já tinha feito essa pergunta dois mil e tantos anos atrás — com um toque de ironia e muita precisão. Era o famoso problema do terceiro homem.

E não, não tem nada a ver com filmes de espionagem nem com identidades secretas. Tem a ver com lógica pura. Ou melhor, com o limite da lógica quando ela tenta explicar o mundo com ideias demais.

A ideia da ideia da ideia...

Vamos supor que você está tentando entender o que é o conceito de "homem". Platão diria: existe um mundo das Formas, onde está a Forma perfeita do Homem. Tudo o que é humano participa dessa Forma. Até aí, beleza.

Mas Aristóteles levanta uma sobrancelha: “Se Sócrates, Platão e Aristóteles são todos homens porque participam da Forma 'Homem', e essa Forma também é semelhante a eles (afinal, é um Homem), então ela também participa de outra Forma superior. E assim por diante.”

Resultado? Para explicar o que é um homem, precisaríamos de uma infinita escadaria de Formas de Homens. Um labirinto lógico. E o conceito de "Homem" nunca chega a lugar nenhum. A lógica implode em si mesma.

Forma x Substância: onde mora a realidade?

Aqui entra a diferença fundamental entre Platão e Aristóteles. Platão acreditava que a realidade verdadeira estava nas Formas, essas ideias puras, perfeitas, imutáveis — que vivem num tipo de “céu” metafísico. As coisas que vemos aqui são apenas sombras imperfeitas dessas ideias eternas.

Já Aristóteles dava um passo diferente: ele dizia que o que existe de verdade é o que está aqui, composto de matéria e forma. E que não precisamos de uma Forma separada para entender o que uma coisa é — a forma está na própria coisa, como a receita está no próprio bolo, não numa padaria celestial.

Portanto, para Platão, buscamos a explicação do "Homem" em outra dimensão, no mundo das ideias. Para Aristóteles, olhamos para o ser humano real e vemos ali a substância: corpo (matéria) e alma (forma) juntos, inseparáveis.

A crítica do Terceiro Homem é, no fundo, uma defesa aristotélica de que as explicações não devem se afastar demais do mundo que pisamos.

O Terceiro no cotidiano: quando a explicação vira vício

Essa ideia pode parecer distante, mas ela aparece o tempo todo no dia a dia. Já viu alguém que precisa sempre de mais uma justificativa para tudo? Você diz: "Isso é errado". A pessoa pergunta: "Por quê?" Você responde: "Porque prejudica os outros". E ela: "E por que isso é ruim?" — e assim vai, como uma criança que sempre pergunta "por quê" até a paciência acabar.

A busca infinita por uma explicação superior pode levar ao mesmo paradoxo do Terceiro Homem: você nunca chega a uma conclusão sólida, porque está sempre querendo fundamentar o fundamento.

O risco de confiar demais em modelos ideais

O argumento do terceiro homem é uma crítica à obsessão platônica por ideias perfeitas. Aristóteles está dizendo: cuidado com essa mania de criar Formas para explicar tudo. Às vezes, a própria realidade, com suas imperfeições, explica mais do que o ideal.

Na prática? Esperar por um “amor ideal” pode impedir alguém de enxergar a beleza de um afeto real. Procurar a “amizade perfeita” pode cegar para companheiros leais que não cabem na teoria. O terceiro homem é aquele ideal inatingível que aparece toda vez que recusamos aceitar o mundo como ele é.

As vezes o segundo basta

O argumento do terceiro homem mostra que a lógica, se não for bem calibrada, entra em loop. E que talvez seja melhor ficar com o segundo homem mesmo — aquele que está aqui, de carne e osso, sem precisar de uma essência metafísica para existir.

Aristóteles nos lembra que buscar a essência pode ser nobre, mas que a realidade concreta tem sua própria dignidade. Às vezes, é mais sábio parar de criar ideias sobre ideias e simplesmente viver com aquilo que já faz sentido.

Como diria um velho professor de lógica: o problema do terceiro homem começa quando a gente tem vergonha do segundo.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

O Terceiro Excluído

Vamos falar sobre polarizações e quando o meio não encontra espaço para respirar!

Outro dia, esperando um café que demorava para sair, ouvi duas pessoas discutindo num tom polido demais para ser honesto. Uma dizia: "Ou você está comigo ou está contra mim." A outra, com um meio sorriso, apenas balançava a cabeça. A cena me pegou de jeito. Parecia que a vida, cada vez mais, exige que escolhamos lados, como se a existência fosse um tabuleiro de xadrez onde só há pretos e brancos. Mas... e o cinza? Onde foi parar?

O princípio do terceiro excluído é uma ideia lógica clássica, herdada de Aristóteles, que diz: ou uma coisa é, ou não é — não há terceira opção. Traduzindo: ou algo é verdadeiro, ou é falso. Essa estrutura binária funciona bem na matemática e em certos argumentos racionais, mas será que ainda nos serve para compreender a vida? Porque, sejamos francos: nossa realidade está cheia de "quase", "talvez", "depende".

Vivemos tempos de dualismos histéricos: esquerda ou direita, certo ou errado, sucesso ou fracasso. A própria linguagem do cotidiano adoece nessa lógica excludente. Se você não é militante, é omisso. Se não responde rápido, é desinteressado. Se sorri demais, é falso. Um mundo onde tudo precisa caber em dois polos elimina o espaço da dúvida, da hesitação, da complexidade — e com isso, o espaço da humanidade.

O que excluímos quando excluímos o terceiro? Excluímos o intervalo, o silêncio entre as notas, o tempo de escutar sem responder, a possibilidade de pensar sem concluir. Excluímos também os que não se encaixam: os ambíguos, os mistos, os que dançam no limiar entre identidades, ideologias e afetos. Ao aplicar o princípio do terceiro excluído à vida real, corremos o risco de transformar pessoas em caricaturas de posição.

O filósofo francês Gilles Deleuze nos dá um respiro aqui. Ele propõe um pensamento que se faz no entre, no devir, naquilo que escapa das categorias fixas. Para Deleuze, a vida é uma multiplicidade em fluxo, não um jogo de alternativas fechadas. Ele talvez diria: o terceiro não está excluído — está em trânsito, em mutação.

A insistência em excluir o terceiro também é, muitas vezes, uma forma de evitar o desconforto. Porque conviver com o que não se define dá trabalho. Nos obriga a escutar mais, julgar menos. Requer humildade para reconhecer que talvez a verdade não esteja toda de um lado, ou sequer seja uma linha reta.

Por isso, talvez esteja na hora de reaprender a lógica da vida com menos rigidez. O que diria um café morno? Que não é quente nem frio, mas ainda assim tem gosto e função. O que diz o céu nublado? Que não é dia claro nem tempestade, mas é um estado do tempo. E o que diríamos de nós mesmos quando não estamos nem felizes nem tristes, nem convictos nem perdidos — apenas vivendo? Talvez sejamos, nós mesmos, o terceiro sempre excluído. E está mais do que na hora de trazê-lo de volta à conversa.