Quando o Eu se Dissolve no Impacto
Há
livros que tocam a mente, outros que tocam o coração. Mas O Barco Vazio,
de Osho, é daquele tipo raro que desarma o eu. Não nos toca. Nos desfaz.
O
título vem de uma parábola do mestre zen Chuang Tzu: um homem está remando seu
barco num rio quando vê outro barco vindo em sua direção. Ele grita, avisa, se
irrita, mas o barco continua vindo, até colidir com o seu. Ele se enche de
raiva, até perceber que o barco está vazio. De repente, não há contra quem
descarregar a fúria. A raiva desaparece. O barco era apenas... um barco.
Osho
extrai dessa imagem um ensinamento radical: somos como barcos cheios de ego,
colidindo uns com os outros, acreditando que há um "outro" ali,
quando na verdade, o que nos fere não é o outro, mas o conteúdo que colocamos
dentro de nós mesmos.
A
novidade de um barco sem capitão
Pensei
cá comigo: Inovar filosoficamente neste livro é aceitar seu convite à
despersonalização — não como alienação, mas como clareza. Osho nos oferece uma
filosofia do não-eu, tão antiga quanto o zen, mas revestida de uma psicologia
contemporânea: o ego é uma construção contínua e histérica. É como uma criança
tentando ser adulta antes da hora, vestindo roupas largas e imitando os gestos
dos pais.
O
barco vazio é a presença radical da ausência. Ele nos ensina que o verdadeiro
poder está no não resistir, no não se afirmar a todo custo. Na sociedade
contemporânea, onde o “branding pessoal” é quase uma religião, e onde cada um
quer deixar sua marca (como se o mundo fosse uma areia movediça pronta a nos
esquecer), Osho propõe a dissolução: e se ao invés de marcar, a gente se
abrisse?
O
silêncio como revolução
Diferente
de um estoicismo que suporta a dor com elegância, ou de um existencialismo que
encara o absurdo com coragem, Osho propõe o esvaziamento como forma de
sabedoria. A meditação não é uma técnica, mas uma escuta. E o vazio, longe de
ser carência, é potência silenciosa.
Num
mundo em que o ruído é constante — seja nos debates nas redes sociais, nas
buzinas do trânsito, ou nas vozes internas que nos comparam e cobram — ser um
barco vazio é um ato subversivo. Quem não se enche de identidades não pode ser
manipulado por elas.
A
colisão como despertar
O
barco vazio também sugere que é na colisão que acordamos. Só percebemos que o
outro era “vazio” quando colidimos com ele. Assim, os conflitos que vivemos —
com o parceiro, com o chefe, com a própria vida — são oportunidades de perceber
o quanto da nossa reação é pura projeção. Projetamos um inimigo onde só havia
madeira e correnteza.
E
talvez esse seja o ponto mais inovador: não se trata de buscar um “eu
verdadeiro”, mas de perceber que o próprio “eu” é uma ilusão sustentada pelo
medo da ausência. Osho não quer que você se encontre, mas que se perca, no
melhor dos sentidos.
O
barco como metáfora viva
No
fim das contas, o barco vazio não é uma ideia para se entender, mas uma
metáfora para se viver. É uma atitude de leveza diante da vida, uma espécie de
dança com o acaso sem o peso de querer controlar tudo. É estar tão presente que
já não há “alguém” ali — apenas consciência.
Como
escreveu Osho: “Torne-se um barco vazio. Então ninguém poderá feri-lo. E
ninguém poderá lhe causar dano. E você poderá navegar serenamente pelo rio da
vida.”
Pergunta:
E você? Está disposto a deixar seu barco à deriva, não por descontrole, mas por
confiança?