Um Paradoxo Necessário
Uma
vez, em uma conversa, um amigo afirmou com convicção: "Toda verdade deve
ser questionada". Houve um momento de silêncio, daqueles que fazem as
pessoas trocarem olhares, e então alguém perguntou: "Mas essa verdade
também?" O que seguiu foi uma discussão filosófica que poderia ter durado
a noite inteira, entre goles de cerveja e tentativas de escapar do labirinto da
lógica.
O
Paradoxo da Verdade Questionável
Se
afirmamos que toda verdade deve ser questionada, também devemos questionar essa
própria afirmação. O problema é que isso pode levar a um ciclo infinito de
dúvida, onde nenhuma certeza é possível. Essa questão lembra o famoso paradoxo
do mentiroso: "Eu sempre minto". Se a frase for verdadeira, então é
falsa; se for falsa, então é verdadeira. Da mesma forma, se devemos questionar
tudo, nunca teremos uma base sólida para acreditar em qualquer coisa.
Mas
será que existe alguma verdade inquestionável? É aqui que entramos em
território filosófico perigoso. Descartes, ao duvidar de tudo, chegou à famosa
conclusão: Cogito, ergo sum ("Penso, logo existo"). O ato de dúvida
já é uma prova da existência de quem duvida. Esse parece ser um ponto de
partida inquestionável, uma rocha no meio do mar da incerteza.
A
Verdade Como Processo, Não Como Ponto Fixo
Karl
Popper oferece uma saída elegante para essa questão: em vez de buscar verdades
absolutas, devemos nos concentrar em eliminar erros. Seu método de falsificação
sugere que não podemos provar uma verdade de forma definitiva, mas podemos
refutar aquilo que se mostra falso. Dessa forma, o conhecimento não é um
conjunto de verdades imutáveis, mas um processo de revisão contínua.
Isso
se reflete no cotidiano: muitas coisas que antes eram consideradas verdades
absolutas foram revistas e reformuladas. A terra já foi o centro do universo,
até que Copérnico e Galileu a colocaram na periferia. Substâncias que eram
remédios no passado (como o mercúrio) hoje são reconhecidas como veneno. Se não
questionássemos, estaríamos presos a equívocos.
O
Limite do Questionamento
Porém,
questionar tudo o tempo todo também pode ser um problema. Wittgenstein apontava
que certos princípios básicos da linguagem e da lógica não podem ser
questionados porque são as bases que tornam qualquer questionamento possível. É
como tentar serrar o galho no qual estamos sentados.
No
dia a dia, também precisamos de algumas certezas operacionais. Se toda vez que
cruzamos uma rua precisássemos questionar a existência do próprio trânsito ou
da lei da gravidade, jamais chegaríamos ao outro lado. Algumas verdades são
simplesmente funcionais, e é mais produtivo aceitá-las do que passar a vida
afundado na incerteza.
Questionar,
mas com propósito
A
frase "toda verdade deve ser questionada" é um belo ponto de partida,
mas não deve ser um dogma absoluto. Questionamos para entender melhor, para
corrigir erros, para encontrar caminhos mais acertados. Mas também precisamos
reconhecer quando é hora de confiar em algumas verdades práticas para seguir em
frente. No fim das contas, talvez a única verdade inquestionável seja a
necessidade de continuar pensando.