Quando o aprender encontra o belo...
Dizem
que estudar é chato, que escola é lugar de prova, e que aprender dói. Mas será
mesmo que a educação precisa ser tão árida, tão sem cor? Às vezes me pego
pensando: e se houvesse mais beleza no processo de aprender? Não falo de
enfeites, cartazes coloridos ou apresentações de PowerPoint com transições
dramáticas. Falo de estética no sentido mais profundo — como forma sensível de
perceber, viver e significar o mundo. Será que o que falta à educação não é
conteúdo, mas encanto?
No
fundo, todo conhecimento começa com um gesto estético: o olhar curioso da
criança que se encanta com uma folha caída, o silêncio atento diante de uma
história bem contada, ou o arrepio ao ouvir uma música que traduz algo que
sentíamos sem saber nomear. Antes de sabermos, sentimos. E talvez o erro da
educação moderna tenha sido inverter essa ordem.
O
erro da abstração prematura
Na
ânsia de preparar para o mercado, muitas escolas encurtam o tempo da
contemplação. Tudo precisa ter um objetivo prático, uma utilidade mensurável. A
estética, nesse modelo, é vista como distração. Mas como dizia Friedrich
Schiller em suas Cartas sobre a Educação Estética do Homem, sem beleza,
o ser humano não se desenvolve integralmente. Ele acreditava que a estética não
é mero adorno, mas uma ponte entre a razão e o sentimento — um caminho para a
liberdade interior.
Quando
uma criança aprende geometria desenhando mandalas, ou história lendo romances,
ou ciências observando nuvens, algo se transforma. O conteúdo não é apenas
assimilado — é experienciado. Ele toca, ressoa, envolve. A educação deixa de
ser uma corrida por notas e se torna um processo de formação da sensibilidade.
Como
ensinar o bom e o belo
É
aqui que entra uma pergunta antiga e sempre urgente: como ensinar o bom e o
belo ao mesmo tempo? A ética e a estética não são caminhos separados. Quando
ensinamos com beleza, educamos também o olhar para o que é justo, harmonioso,
verdadeiro. E vice-versa: ensinar o que é bom — com respeito, diálogo e empatia
— é um gesto profundamente estético.
Um
exemplo simples: ensinar uma criança a cuidar de uma planta. Há ali o gesto do
cultivo (o bom), mas também a percepção da forma, da cor, do ritmo da natureza
(o belo). Ou ainda: quando promovemos rodas de conversa em que cada um escuta e
fala com tempo e cuidado, estamos ensinando ética através de uma estética da
convivência.
A
professora que entra em sala com ternura no olhar, o professor que constrói as
aulas com ritmo e pausa, como se fossem cenas de um teatro sensível — ambos
estão ensinando mais do que o conteúdo. Estão mostrando que o bom e o belo são
formas de estar no mundo.
A
estética como forma de ver o outro
Há
ainda uma dimensão ética na estética. O filósofo brasileiro Jorge Larrosa
sugere que o ato de ensinar deveria ser, antes de tudo, um convite à escuta, à
presença, à hospitalidade. E esses gestos são estéticos: envolvem ritmo, tom,
pausa, gesto, espaço. Um professor pode repetir o mesmo conteúdo todos os anos,
mas a forma como ele olha para a turma, como organiza as palavras, como
responde às perguntas — isso é arte viva.
Educar
esteticamente é ensinar o olhar. É fazer com que o aluno perceba nuances,
reconheça formas, e aprenda a habitar o mundo com mais atenção. Um exercício de
leitura pode ser uma coreografia entre olhos e mente; uma discussão pode ter o
ritmo de uma partitura. Quando tudo se reduz a certo ou errado, perde-se a
chance de formar sujeitos sensíveis à ambiguidade, à complexidade, ao inacabado
— ou seja, à própria vida.
O
mundo como sala de aula
A
educação estética rompe os muros da escola. Um passeio por uma praça pode
ensinar mais sobre proporção, ecologia e política do que uma aula expositiva.
Observar a arquitetura de um bairro, os silêncios de uma conversa, os traços de
um grafite, são formas de estudar o mundo como quem contempla uma obra aberta,
cheia de camadas.
O
filósofo francês Gaston Bachelard dizia que precisamos sonhar o mundo
para compreendê-lo. E o sonho é um território estético. Uma educação sem sonho
é uma educação que forma para o funcionamento, não para a criação.
O
que Paulo Freire teria a dizer
Na
Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire nos convida a pensar a educação não
apenas como um ato técnico, mas como um gesto profundamente ético e estético.
Para ele, ensinar exige respeito à autonomia do outro, o que implica um
compromisso ético com a dignidade humana. A ética em Freire está ligada à
responsabilidade do educador em não manipular, em não doutrinar, mas em criar
condições para que o educando se torne sujeito de sua própria história. Ao
mesmo tempo, há uma dimensão estética presente quando ele fala da alegria de
ensinar, do cuidado com a linguagem e da sensibilidade para perceber a beleza
no processo de aprendizagem. A ética e a estética se entrelaçam quando educar é
também um ato de amor, generosidade e criatividade.
Freire
compreende que a prática educativa deve ser bela no sentido de ser coerente com
a esperança e a possibilidade de transformação. Ele recusa uma educação feia,
autoritária, bancária, que apenas deposita informações. A estética, portanto,
não está separada do conteúdo, mas atravessa o modo como o conhecimento é
construído com o outro. Quando o educador respeita o tempo do aluno, escuta sua
vivência e compartilha saberes, realiza um ato estético, porque cultiva a
harmonia do diálogo e da construção conjunta. A ética garante o compromisso com
a justiça e a liberdade; a estética revela-se no modo como essa relação é
tecida com sensibilidade, beleza e presença. Em Freire, educar é um ato
artístico e ético, profundamente humanizador.
Para
encerrar (ou começar)
Talvez
o grande desafio seja esse: transformar a educação de um mecanismo em uma
experiência estética. Isso não significa abandonar o rigor, mas reencantar o
processo. Fazer com que o saber vibre, emocione, seduza. Um bom professor é
também um artista — alguém que conhece o valor do silêncio, do tempo certo, do
gesto inesperado.
Se
a estética é o campo do sensível, então educar esteticamente é lembrar que
aprender é, antes de tudo, sentir. E sentir é o primeiro passo para pensar
diferente. Ensinar o bom e o belo não é impor padrões, mas cultivar olhares. E
onde há beleza, há possibilidade de transformação.
No
fim, talvez devêssemos reaprender com as crianças: o mundo é mais bonito quando
olhado com olhos curiosos — e toda educação que vale a pena começa com esse
olhar.