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domingo, 16 de maio de 2021

O Médico e o Monstro, um livro curto, porem rico por temas da filosofia, psicologia e sociologia

 

Adquiri o livro num sebo, é uma 2ª edição revisada de 1989. É um dos meus livros favoritos, é uma obra atemporal, uma história de terror e ficção, ao mesmo tempo permite boa reflexão, merece ser lido e relido.

O personagem representa a complexidade do ser humano, a estória nos permite vislumbrar a dicotomia existente em cada um de nós em suas diferentes intensidades, é claro que as atitudes de Hyde são deploráveis e devemos rejeitar, mas é necessário ver no extremo a possibilidade para evidenciar o antagonismo. Psicologicamente a transformação e transfiguração de duas personalidades num mesmo corpo, é a luta interna da existência, para que um possa existir o outro precisa ser anulado, mesmo que seja temporariamente.

A experiência da leitura é obviamente diferente para cada leitor, a estória é chocante e horrível, as coisas que causam medo para um não querem dizer que faça para outro, e assim é para cada um de nós.

A liberdade e permanência de cada personalidade pode permitir tomar o espaço do outro eu, algo que está dentro de cada pessoa pode se manifestar, o ser escondido floresce. O verbo “hide” em inglês quer dizer (esconder), o nome do monstro Hyde não é à toa, ele quer dizer aquele que está escondido. Os atos pertinentes aos movimentos de Hyde são apenas a manifestação da dualidade, os atos refletem as vontades obscuras, a estória aborda a dialética dos valores morais de forma assombrosa, indo além do bem e do mal, indo além porque a vida nos ensinou que fazemos escolhas o tempo todo, fazer o bem ou o mal, é uma escolha pessoal de cada um, entendo que fazer isto ou aquilo não se trata do combate do bem e do mal, mas o reflexo da dualidade na possibilidade de escolhas, afinal quando foi que não nos surpreendemos afirmando: como fui capaz de fazer tal coisa.

Sinopse:

A história se passa em Londres, no final do século XIX, (Jekyll e Mr. Hyde) de Robert Louis Stevenson, publicado em 1886.

Estranho caso do Dr. Jekyll e o Sr. Hyde, mais conhecido no Brasil como O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson. Já no ano seguinte, foi adaptado para o teatro. Desde então vem sendo objeto de várias adaptações, para o cinema e outras artes. Esse romance breve – classificado por alguns como novela – tem um pouco de investigação policial, de ficção científica e de romance psicológico. A estratégia de utilizar vários narradores, que só conhecem parte da história, que vai sendo aos poucos desvelada ao leitor, torna a leitura extremamente envolvente. Esse clássico da literatura universal é também uma investigação sobre as zonas do Bem e do Mal que compõem a natureza humana.

Gabriel John Utterson é um advogado que investiga um caso estranho envolvendo Henry Jekyll e Edward Hyde, repentino beneficiário do testamento de Henry. O advogado descobre acontecimentos que resultam na reclusão repentina de Jekyll. O romance que envolve ficção científica, transtornos psicológicos e terror é um grande clássico do gênero.

O médico e o monstro, seria possível sintetizar a parcela de maldade que nos compõe e nos livrar dela, nos tornando seres inteiramente bons? E caso fosse possível, seria desejável? O médico e o monstro narram a história de um homem respeitado, cujas relações com um personagem sórdido, de aparência grotesca, faz com que seus amigos desconfiem de que ele está sendo vítima de chantagem.

Empenhados em ajudá-lo a libertar-se desse suposto explorador, começam a investigar os vínculos entre os dois homens. A psicanálise reafirmaria as ideias propostas no livro, mostrando a presença irrefutável, em cada um de nós, de um Mr. Hyde mau, deformado, inescrupuloso e vingativo, e de um Dr. Jekyll bom, agradável, virtuoso e humano.

Trechos do livro:

“Sou partidário da heresia de Caim”, costumava dizer com um toque de excentricidade, “deixo que meu irmão vá para o inferno da forma que melhor lhe aprouver.” Por pensar assim, muitas vezes era o último conhecido respeitável de homens a caminho da ruína, como também a última boa influência sobre eles. E com relação a tais homens, caso o procurassem em seu escritório, jamais mudava em nada seu comportamento.

 

Muitos tinham dificuldade de explicar o que esses dois viam um no outro ou que assunto em comum conseguiam encontrar. Segundo quem os via passeando aos domingos, não trocavam uma palavra, davam a impressão de estar entediados e cumprimentavam com patente alívio algum amigo que aparecesse. Apesar disso, ambos emprestavam grande importância àqueles passeios com os quais coroavam cada semana, descartando outras oportunidades de lazer e até mesmo resistindo a chamados profissionais a fim de garantir que nada os interromperia.

 

Assim, mesmo quando nos é dito que duas pessoas são uma, o testemunho de Jekyll ainda os divide ao negar qualquer responsabilidade pelas ações de Hyde. Tais distinções permitem que Henry Jekyll aja com todo o decoro como membro de sua classe, condenando o comportamento de Hyde, seu oposto e inferior em termos sociais e “antropológicos”. Jekyll, assim como seus amigos, veem Hyde, o monstro criminoso, à luz das teorias sobre o crime e a imoralidade daquela época.

 

O velho, porém, não dá sinal de ter percebido seu perseguidor, contorna-o e continua a andar. “Esse velho — diz o narrador a si mesmo — é o tipo e o gênio do crime profundo. Recusa-se a estar só. É o homem da multidão. Não adianta segui-lo que não conseguirei saber nada a seu respeito. Há certos segredos que não consentem ser ditos.” O inescrutável, o interior “que não se deixa ler”, o enigma, o puro dentro. A tese de que há no homem algo de inescrutável, de invisível e de indizível antecipa, no contexto ficcional, a inescrutabilidade do inconsciente diante do consciente em Freud. O sr. Hyde era inescrutável para o dr. Jekyll até o momento em que o médico preparou e ingeriu a poção que provocou a emergência do seu monstro interior.

 

Mas continuava amaldiçoado por minha dualidade; e, à medida que o primeiro impulso de minha penitência perdia força, a parte mais baixa de mim, por tanto tempo gratificada e só recentemente acorrentada, começou a rosnar para ser libertada. Não que eu sonhasse em ressuscitar Hyde, essa simples ideia me deixava furioso. Não, estava tentado uma vez mais a brincar com minha consciência em meu próprio corpo; e foi como um pecador secreto comum que por fim cedi aos ataques da tentação.

 

O dr. Jekyll e o sr. Hyde são dois ou um?

Em seu relato final, o dr. Jekyll escreve que “a natureza exigente de minhas aspirações, mais do que qualquer degradação peculiar de caráter […] fez de mim o que sou […] separou dentro mim as províncias do bem e do mal que caracterizam a condição dual do ser humano”.

O autor Robert Louis Stevenson, tendo nascido Robert Lewis Balfour Stevenson, foi um influente novelista, poeta e escritor de roteiros de viagem britânico, nascido na Escócia. Escreveu clássicos como A Ilha do Tesouro, O Médico e o Monstro e As Aventuras de David, A Flecha Negra, entre outros.

Stevenson em sua estória conseguiu abordar com maestria o gênero do terror, consegue fazer o leitor sentir na pele o terror psicológico gerado a partir da consciência da vulnerabilidade da mente humana, as descrições do monstro interno causam desconforto pela possibilidade da manifestação em qualquer pessoa.

O livro ganhou espaço no teatro e no cinema, e obviamente se tornou a melhor metáfora para os casos de dupla personalidade e anormalidade.

Além de ser um tema filosófico, psicológico, o romance também pode servir como pano de fundo e uma forma de crítica social ao contexto histórico em que foi publicado, é uma oportunidade para a Sociologia se debruçar e vislumbrar alguns fenômenos sociais, pois nele passeiam os novos atributos trazidos pela afirmação da industrialização inglesa do século XIX, tais como a distinção das relações sociais à camada do capital, a possibilidade de deliberação das mazelas sociais, e a acentuação dos contrastes entre a disponibilidade de recursos.

Recomendo o livro para qualquer pessoa que esteja procurando um livro curto, ele consegue de certo modo prender o leitor, possui ótima escrita, em geral um livro que vale a pena ser lido e cumpre seu papel de um clássico, afinal como diz Kafka: “Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós.”

Fonte:

STEVENSON. R. L. O médico e o monstro. 2ª edição revista. Tradução José Maria Machado. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 1989

 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Zorba o Grego, romance do autor grego Nikos Kazantzakis

 


Sinopse

Este livro cria uma vigorosa personalidade, a de Alexis Zorba, um herói dentro da mais pura tradição clássica da terra natal de seu autor, Nikos Kazantzakis, a Grécia.

Num trecho perdido do litoral da ilha de Creta, entre um jovem que busca a si mesmo, uma velha cantora de cabaré que vive em função de pretensas glórias passadas e uma aldeia, cuja população é retrógrada e mesquinha, o leitor encontrará em Zorba o homem perfeito — consciente de suas fraquezas, vícios e pecados, mas que não curva sua vida diante das limitações impostas pela própria condição de homem.

Como contraste a essa extraordinária natureza, o autor coloca, ao lado de Zorba, um homem perplexo e hesitante que, apesar dos livros que leu, ainda não conseguiu se libertar dos freios impostos pela civilização, nem aprendeu que nenhuma contingência real ou ideal impede o homem de atingir o mais alto grau de liberdade — que é a capacidade de entender e amar o mundo como ele é, e não como deveria ser.

Zorba é um personagem que nasceu clássico. Tem a delícia pungente de uma figura pitoresca. É um Quixote sem grandeza — e um grego sem túnica. A seu lado, as figuras hieráticas da aldeia, a viúva misteriosa e essa preciosa, ridícula e patética — a Bubulina.

É um livro longo, se não tiver paciência veja o filme, um filme em preto e branco de 1964, estrelado por nada menos que Anthony Quinn, uma lenda do cinema, um livro e um filme bom para este momento da vida, é uma história emocionante, vale a pena ler o livro e assistir ao filme.

Zorba em grego quer dizer: “aquele que amava a vida”

Alguns consideram o livro como um manual de como aproveitar a vida, contem lições de um sábio inculto, um homem do povo que amava a liberdade e descomplicava a vida.

Nikos Kazantzakis

O autor lutou na segunda guerra contra a tirania turca, ele fez parte da resistência grega contra invasão grega, foi autor de outros livros tais como Os Jardins dos Penhascos e a Odisseia.

O autor contratou Zorba para trabalhar com ele num empreendimento novo, numa mina para explorar uma pedra para combustível, ele fala da personalidade de Zorba, uma personalidade autentica.

Muitos dizem que o livro é muito machista, de fato para a época era pior do que é hoje, é preciso fazer a relação da época em que a história é narrada e deixar de lado preconceitos para evitar o brilho da obra.

A obra fala da exploração do homem pelo homem, aqui aparece a personalidade do autor que era socialista militante e que tinha imensa admiração por Lenin, inclusive era por assim se dizer discípulo de Nietzsche.

Morreu na Alemanha em 1957. E sua maior consagração talvez esteja na frase do grande humanista Albert Schweitzer: “Escritor algum me impressionou tão profundamente.”

 

Fonte:

Kazantzakis Nikos. Zorba, O Grego. Coleção Grandes Romances 4ª EDIÇÃO Editora Nova Fronteira, 1975

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Zen e a arte de manutenção de motocicletas – Uma investigação sobre valores

 

 

O nome do livro é meio estranho, o subtítulo já o torna mais interessante, o livro foi escrito em 1974, um best-seller, porem em principio o livro foi rejeitado por muitas editoras até que uma editora publicou e ele explodiu surpreendendo a todos, pior para quem negou a edição, se arrependimento matasse...

Para grata surpresa demonstrou ser uma joia da literatura, e principalmente para ser lido neste momento que vivemos, nele podemos nos imaginar com a mochila nas costas viajando estrada afora, ao mesmo tempo que a leitura é leve, ela nos permite ter contato com diálogos muito interessantes entre pai e filho.

O autor é Robert M. Pirsig, filósofo e escritor estadunidense, ele nasceu em 1928, por ser uma criança superdotada com um QI em 170, aos 9 anos foi adiantado em vários graus na escola. Lutou na guerra da Coreia quando aproveitou e viajou ao Japão onde conheceu o Zen budismo, ele passou por muitas situações difíceis inclusive problemas causados pela guerra. Ele retornou para Minnesota e completou o curso de filosofia em 1950. Ele então foi para Banaras Hindu University, na Índia, para aprender sobre a filosofia oriental. Ele também fez filosofia na Universidade de Chicago. Faleceu a pouco tempo, foi em abril de 2017.

Este livro baixei em pdf no site “doceiro”, é lá que tenho baixado livro para ler, embora eu prefira o livro impresso, que leva muitas vantagens, pelo prazer de senti-lo com as mãos, com olhos e se livro novo pelo cheiro de “livro novo”, parece até uma relação muito intima, também penso seja melhor porque nos permite maior concentração, menor cansaço visual e se for antes de dormir melhor ainda, levo para a cama pois facilita o sono.

O livro Zen e a arte de manutenção de motocicletas – Uma investigação sobre valores descreve de forma agradável e leve, como foi a longa viagem de 17 dias de motocicleta que ele fez com o filho, viajando de ponta a ponta dos Estados Unidos. Nessa viagem vão falando da vida e de problemas do cotidiano, há muitos diálogos muito interessantes, diálogos com caráter existencialista, nos faz pensar a respeito das facetas da vida numa visão humanista, onde o humor se mistura com as contingências vivenciais do dia a dia.

Ele conta que durante a viagem houveram necessidades de manutenção e reparação mecânicas da motocicleta, tais necessidades serviram de referências metafóricas que foram narradas de forma simples permitindo vislumbrar que a beleza existe na maneira como vemos o presente e as coisas que acontecem, tudo vale a pena ser intensamente “vividos”, este estado de presença nos reconcilia a nossa natureza e condições pelas quais vivemos. Como por exemplo neste trecho:

 

A esta altura, a ampliação mu é a única coisa que quero lem­brar sobre as ciladas factuais. É hora de falar sobre as ciladas psicomotoras. Este é o universo intelectual mais diretamente rela­cionado ao que acontece com a máquina.

Aqui, a cilada mais frustrante é o problema das ferramen­tas inadequadas. Nada é tão desmoralizante quanto suspender um conserto por falta de ferramentas. Compre boas ferramentas, na medida do possível, que você nunca vai se arrepender. Se qui­ser economizar, consulte sempre os anúncios de jornal. As boas ferramentas geralmente não se desgastam, e as boas ferramentas usadas costumam ser muito melhores do que ferramentas novas, mas medíocres. Examine os catálogos de ferramentas. Você pode aprender muito com eles.

Além das ferramentas ruins, outra grande cilada para o brio são os problemas ambientais. Procure trabalhar sob iluminação adequada. O número de erros que uma boa iluminação pode evitar é impressionante. (pg.322)

Ele faz uma relação e fala da diferença entre viajar de carro e de motocicleta, de motocicleta se vê e sente as “coisas” de maneira completamente diferente se viajasse de carro; de motocicleta a gente sente que faz parte das cenas, estamos não só olhando, estamos presentes, se quiser podemos colocar o pé no chão, ele associa o mundo real ao mundo da motocicleta, o carro ele diz que é o isolamento por trás da janela, e de certa forma estamos isolados do mundo, não temos a mesma percepção e sensação.

Para mim que já tive motocicletas e viajei um pouco, realmente é uma experiência diferenciada, é muito prazeroso, de fato há um contato maior com o mundo, as sensações e emoções permeiam até o espírito da gente, porem todo motociclista sabe faz parte de uma população de grande risco. Justamente este contato direto com o mundo exige do motociclista toda atenção e cuidados tais como fazer varias paradas, aumentar o tempo de cada parada e um conselho que todo motociclista dá e recebe é fazer uma checagem da motocicleta antes de cada viagem, e em cada parada fazer um breve relaxamento de alguns minutos ficando quieto e com os olhos fechados.

Trechos do livro:

Quando a gente passa as férias viajando de moto, vê as coi­sas de um jeito completamente diferente. De carro a gente está sempre confinada, e como já estamos acostumados, nem notamos que tudo que vemos pela janela não passa de mais um programa de televisão. Sentimo-nos como um espectador, a paisagem fica passando monotonamente na tela, fora do nosso alcance.

 

Já na motocicleta, não há limites. Fica-se inteiramente em contato com a paisagem. A gente faz parte da cena, não fica mais só assistindo, e a sensação de estar presente é esmagadora. Aque­le concreto zunindo a uns quinze centímetros da sola dos pés é real, é o chão onde se pisa, está bem ali, tão indistinto devido à velocidade que nem se pode fixar a vista nele; e, no entanto, para tocá-lo basta esticar o pé. A gente nunca se desliga daquilo que está acontecendo.

 

Sua experiência de vida e formação em filosofia oriental foram importantes na reconciliação da construção da forma de ser e estar, onde se conjugam valores ocidentais e valores orientais, o que para a época foi uma obra inovadora que fundia ambas formas de pensar, então percebe-se que o título do livro não é sem sentido. A obra permanece atual e interessante, pois consegue confrontar o ideário ocidental e oriental, inspirar e nos colocar em contato com valores existenciais a todos que lerem.

Fonte:

Pirsig. Robert M. A Arte de Manutenção de Motocicletas – Uma investigação sobre valores. Traduzido por Celina Cardim Cavalcanti; Editora Paz e Terra, Ano 1984