Adquiri o livro num sebo, é uma 2ª edição
revisada de 1989. É um dos meus livros favoritos, é uma obra atemporal, uma
história de terror e ficção, ao mesmo tempo permite boa reflexão, merece ser
lido e relido.
O personagem representa a complexidade do
ser humano, a estória nos permite vislumbrar a dicotomia existente em cada um de
nós em suas diferentes intensidades, é claro que as atitudes de Hyde são
deploráveis e devemos rejeitar, mas é necessário ver no extremo a possibilidade
para evidenciar o antagonismo. Psicologicamente a transformação e
transfiguração de duas personalidades num mesmo corpo, é a luta interna da
existência, para que um possa existir o outro precisa ser anulado, mesmo que
seja temporariamente.
A experiência da leitura é obviamente
diferente para cada leitor, a estória é chocante e horrível, as coisas que
causam medo para um não querem dizer que faça para outro, e assim é para cada
um de nós.
A liberdade e permanência de cada
personalidade pode permitir tomar o espaço do outro eu, algo que está dentro de
cada pessoa pode se manifestar, o ser escondido floresce. O verbo “hide” em
inglês quer dizer (esconder), o nome do monstro Hyde não é à toa, ele quer
dizer aquele que está escondido. Os atos pertinentes aos movimentos de Hyde são
apenas a manifestação da dualidade, os atos refletem as vontades obscuras, a
estória aborda a dialética dos valores morais de forma assombrosa, indo além do
bem e do mal, indo além porque a vida nos ensinou que fazemos escolhas o tempo
todo, fazer o bem ou o mal, é uma escolha pessoal de cada um, entendo que fazer
isto ou aquilo não se trata do combate do bem e do mal, mas o reflexo da
dualidade na possibilidade de escolhas, afinal quando foi que não nos
surpreendemos afirmando: como fui capaz
de fazer tal coisa.
Sinopse:
A história se passa
em Londres, no final do século XIX, (Jekyll e Mr. Hyde) de Robert Louis
Stevenson, publicado em 1886.
Estranho caso do Dr. Jekyll e o Sr. Hyde,
mais conhecido no Brasil como O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson.
Já no ano seguinte, foi adaptado para o teatro. Desde então vem sendo objeto de
várias adaptações, para o cinema e outras artes. Esse romance breve –
classificado por alguns como novela – tem um pouco de investigação policial, de
ficção científica e de romance psicológico. A estratégia de utilizar vários
narradores, que só conhecem parte da história, que vai sendo aos poucos
desvelada ao leitor, torna a leitura extremamente envolvente. Esse clássico da
literatura universal é também uma investigação sobre as zonas do Bem e do Mal
que compõem a natureza humana.
Gabriel John Utterson é um advogado que
investiga um caso estranho envolvendo Henry Jekyll e Edward Hyde, repentino
beneficiário do testamento de Henry. O advogado descobre acontecimentos que
resultam na reclusão repentina de Jekyll. O romance que envolve ficção
científica, transtornos psicológicos e terror é um grande clássico do gênero.
O médico e o monstro, seria
possível sintetizar a parcela de maldade que nos compõe e nos livrar dela, nos
tornando seres inteiramente bons? E caso fosse possível, seria desejável? O
médico e o monstro narram a história de um homem respeitado, cujas relações com
um personagem sórdido, de aparência grotesca, faz com que seus amigos
desconfiem de que ele está sendo vítima de chantagem.
Empenhados em ajudá-lo a
libertar-se desse suposto explorador, começam a investigar os vínculos entre os
dois homens. A psicanálise reafirmaria as ideias propostas no livro, mostrando
a presença irrefutável, em cada um de nós, de um Mr. Hyde mau, deformado,
inescrupuloso e vingativo, e de um Dr. Jekyll bom, agradável, virtuoso e humano.
Trechos
do livro:
“Sou
partidário da heresia de Caim”, costumava dizer com um toque de excentricidade,
“deixo que meu irmão vá para o inferno da forma que melhor lhe aprouver.” Por
pensar assim, muitas vezes era o último conhecido respeitável de homens a
caminho da ruína, como também a última boa influência sobre eles. E com relação
a tais homens, caso o procurassem em seu escritório, jamais mudava em nada seu
comportamento.
Muitos
tinham dificuldade de explicar o que esses dois viam um no outro ou que assunto
em comum conseguiam encontrar. Segundo quem os via passeando aos domingos, não
trocavam uma palavra, davam a impressão de estar entediados e cumprimentavam
com patente alívio algum amigo que aparecesse. Apesar disso, ambos emprestavam
grande importância àqueles passeios com os quais coroavam cada semana,
descartando outras oportunidades de lazer e até mesmo resistindo a chamados
profissionais a fim de garantir que nada os interromperia.
Assim,
mesmo quando nos é dito que duas pessoas são uma, o testemunho de Jekyll ainda
os divide ao negar qualquer responsabilidade pelas ações de Hyde. Tais
distinções permitem que Henry Jekyll aja com todo o decoro como membro de sua
classe, condenando o comportamento de Hyde, seu oposto e inferior em termos
sociais e “antropológicos”. Jekyll, assim como seus amigos, veem Hyde, o
monstro criminoso, à luz das teorias sobre o crime e a imoralidade daquela
época.
O velho, porém, não dá sinal de ter
percebido seu perseguidor, contorna-o e continua a andar.
“Esse velho — diz o narrador a si mesmo — é o tipo e o gênio do crime profundo.
Recusa-se a estar só. É o homem da multidão. Não adianta segui-lo que não
conseguirei saber nada a seu respeito. Há certos segredos que não consentem ser
ditos.” O inescrutável, o interior “que não se deixa ler”, o enigma, o puro
dentro. A tese de que há no homem algo de inescrutável, de invisível e de
indizível antecipa, no contexto ficcional, a inescrutabilidade do inconsciente
diante do consciente em Freud. O sr. Hyde era inescrutável para o dr. Jekyll
até o momento em que o médico preparou e ingeriu a poção que provocou a
emergência do seu monstro interior.
Mas
continuava amaldiçoado por minha dualidade; e, à medida que o primeiro impulso
de minha penitência perdia força, a parte mais baixa de mim, por tanto tempo
gratificada e só recentemente acorrentada, começou a rosnar para ser libertada.
Não que eu sonhasse em ressuscitar Hyde, essa simples ideia me deixava furioso.
Não, estava tentado uma vez mais a brincar com minha consciência em meu próprio
corpo; e foi como um pecador secreto comum que por fim cedi aos ataques da
tentação.
O
dr. Jekyll e o sr. Hyde são dois ou um?
Em
seu relato final, o dr. Jekyll escreve que “a natureza exigente de minhas
aspirações, mais do que qualquer degradação peculiar de caráter […] fez de mim
o que sou […] separou dentro mim as províncias do bem e do mal que caracterizam
a condição dual do ser humano”.
O autor Robert
Louis Stevenson, tendo nascido Robert Lewis Balfour Stevenson, foi um influente
novelista, poeta e escritor de roteiros de viagem britânico, nascido na
Escócia. Escreveu clássicos como A Ilha do Tesouro, O Médico e o Monstro e As
Aventuras de David, A Flecha Negra, entre outros.
Stevenson em sua estória conseguiu
abordar com maestria o gênero do terror, consegue fazer o leitor sentir na pele
o terror psicológico gerado a partir da consciência da vulnerabilidade da mente
humana, as descrições do monstro interno causam desconforto pela possibilidade
da manifestação em qualquer pessoa.
O livro ganhou espaço no
teatro e no cinema, e obviamente se tornou a melhor metáfora para os casos de
dupla personalidade e anormalidade.
Além de ser um tema filosófico, psicológico,
o romance também pode servir como pano de fundo e uma forma de crítica social
ao contexto histórico em que foi publicado, é uma oportunidade para a
Sociologia se debruçar e vislumbrar alguns fenômenos sociais, pois nele
passeiam os novos atributos trazidos pela afirmação da industrialização
inglesa do século XIX, tais como a distinção das relações sociais à camada do
capital, a possibilidade de deliberação das mazelas sociais, e a acentuação dos
contrastes entre a disponibilidade de recursos.
Recomendo o livro para qualquer pessoa que
esteja procurando um livro curto, ele consegue de certo modo prender o leitor,
possui ótima escrita, em geral um livro que vale a pena ser lido e cumpre seu
papel de um clássico, afinal como diz Kafka: “Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós.”
Fonte:
STEVENSON. R. L. O médico e o monstro. 2ª edição revista. Tradução José Maria
Machado. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 1989