Pesquisar este blog

sexta-feira, 16 de junho de 2023

A Natureza Ama se Esconder – Heráclito Espiritualizado!


Sou do tempo que levávamos a máquina fotográfica a tiracolo ainda com rolo de filme, revelávamos as fotos em papel fotográfico e ficávamos na expectativa pelo resultado das fotos reveladas, gosto até hoje de pegar as fotos impressas e manuseá-las sem a necessidade de abrir arquivos que sabe-se lá onde estão, sabe-se lá onde está “aquela” fotografia, por isto tenho uma mala de lembranças.

Revirando fotografias na minha velha mala de lembranças me deparei com algumas fotos tiradas em pescarias, sempre gostei de pescar, ao ver as fotos sinto até hoje conexão com a natureza, tenho presente em minha memória o poder revigorante e por me proporcionar uma sensação de paz e tranquilidade, o ato de lançar a linha e esperar calmamente por uma captura sempre me ajudou a aliviar o estresse e a tensão acumulados, é um momento para desacelerar, se desconectar das preocupações do dia a dia e encontrar um equilíbrio com a natureza, melhor ainda com a captura de um peixe é um momento de grande emoção e satisfação. A sensação de conquista ao pegar um peixe desejado, especialmente aqueles considerados difíceis de serem capturados, é muito gratificante, estas emoções relembradas foram aflorando e aos poucos fui resgatando lembranças em meu arquivo de memórias.

 

Minha infância foi vivida próximo e em contato quase diário com o mar, sou riograndino papareia, sempre senti uma conexão profunda com o mar e naturalmente desenvolvi uma paixão pela pesca. Sempre que tinha um tempinho livre me dirigia ao ponto mais próximo e aproveitava para arremessar a linha, como é natural nem sempre fisgava algum peixe, esperava pescar algo, mas esperava pelo inesperado, esperava fisgar aquele peixe ideal, nenhum dia era igual ao outro, nenhuma pescaria era igual a outra, quem é pescador sabe disso.

Observador que sou aprendi a encontrar os melhores lugares para pescar, tinha lugares especiais e não gostava de compartilhar a descoberta, conhecia os recifes escondidos e as correntes favoráveis, nenhum dia era igual ao outro, havia sempre algo de inesperado, minha curiosidade e desejo por uma captura inesquecível me impulsionavam a descobrir outros lugares interessantes, sempre esperava pacientemente por um sinal de que minha busca por outro lugar especial havia valido a pena, por tudo isto estava implícito muita aprendizagem. A curiosidade não é suficiente para desvendar os lugares especiais, pois nossa curiosidade é limitada por nossa miopia e muitas vezes queremos ver mais do que podemos é porque precisamos desenvolver confiança na beleza do inesperado.

Aprendi que pescar não é depredar, esgotar o local especial ou não, Deus me livre, desde muito tempo aprendi sobre a importância da pesca sustentável e da preservação dos ecossistemas marinhos, aprendi a respeitar o mar, o respeito me é retribuído com o carinho das ondas mansas, com a brisa com sabor de mar, com sua beleza e encanto, o mar é um presente da natureza e lá em suas profundezas esconde muitos segredos.

Estas pescarias tinham algo a mais, para mim tinham um significado mais profundo, não sabia e hoje sei que sou do tipo de pescador heraclitiano, sou do tipo que gosta de sentar na beira do mar, contemplando as águas que se estendem diante de mim, e me descobri um pensador profundo em busca de sabedoria nas marés e nas ondas, na verdade não é para pegar peixe que me leva ao mar, a pescaria é como um portal que me permite vislumbrar tanto os fenômenos naturais como nosso mundo interior, quem me conhece ou leu alguns de meus artigos sabe que também curto aquele cafezinho e chimarrão na companhia de Deus, enquanto alguns buscam meditar em cerimônias de chá, surfando, caminhando, andando de bicicleta, eu também tenho minhas peculiaridades.

Enquanto observo o vai e vem das águas, posso refletir sobre as palavras do antigo filósofo, Heráclito, que afirmava que tudo está em constante mudança, ele percebeu a verdade nessas palavras ao olhar para as ondas quebrando na praia, assim como ele percebi que nenhum dia de pescaria, assim como cada pescaria não eram e não são iguais.

Cada onda é única, nunca igual à anterior. Elas surgem do mar profundo e, por um breve momento, tomam forma antes de retornarem ao oceano. Este pescador não cansa em contemplar a transitoriedade de cada onda, assim como a efemeridade da própria vida.

Percebi um paralelo entre as ondas e os momentos da existência humana. Assim como as ondas, os momentos passam, dando lugar a outros. Percebi que a vida é uma sucessão de momentos fugazes, cada um diferente do anterior, mas todos destinados a se fundir no fluxo contínuo do tempo, assim como as ondas que vem e retornam ao mar.

Enquanto observava as marés, este pescador heraclitiano entendeu que não se pode segurar as ondas nem deter o tempo, com o passar do tempo compreendi a importância de viver plenamente no momento presente, sabendo que tudo está em constante mudança e que a impermanência é uma característica fundamental da existência.

Percebi que a beleza da vida está na apreciação dos momentos efêmeros, na aceitação da impermanência e na compreensão de que cada instante é valioso e único, assim como cada onda quebrando na praia.

Sempre apreciei passear a beira mar com tempo nublado ou sob o sol, melhor sob sol que cria uma atmosfera cálida e agradável, com sua luz refletida nas águas proporcionando uma paisagem deslumbrante, com brilhos dourados proporcionando cenários perfeitos para minhas caminhadas ou simplesmente apreciar sua beleza natural, as gaivotas com sua presença graciosa e elegante, com seus voos suaves e chamados característicos. Suas asas brancas contrastando com o azul do céu e do mar, adicionando uma atmosfera pitoresca ao cenário com seu som ao fundo criando uma sensação de tranquilidade.

Até hoje este pescador heraclitiano continua a contemplar as águas e, com o coração cheio de serenidade, sigo meu caminho como um observador atento das mudanças do mundo. Hoje sei que, assim como as ondas, também faço parte desse fluxo eterno, navegando pelas águas da existência, sempre em busca de sabedoria e compreensão.

E ali, na beira do mar, este pescador heraclitiano encontrou um lugar de quietude e reflexão, conectando-se profundamente com a natureza e as verdades universais que ela revela, percebi que Deus é um filósofo natural, que Ele sempre esteve e está em todos lugares especiais ou não, fisgando peixes ou não, Deus está na natureza e Ele como a natureza amam se esconder, logo vou explicar o que penso a partir do pensamento heraclitiano.

A frase "a natureza ama se esconder" é uma citação atribuída ao filósofo pré-socrático Heráclito nascido em Éfeso na Turquia. Essa citação é uma parte da filosofia heraclitiana que aborda a ideia de que a natureza opera de maneiras sutis e ocultas, assim como Deus, assim é Deus.

Heráclito acreditava que o mundo era um eterno devir, ele acreditava que a natureza é caracterizada por uma constante mudança e transformação, onde tudo está em fluxo. Ele via a realidade como um processo dinâmico, onde opostos se encontram e se transformam mutuamente. Nesse contexto, a frase "a natureza ama se esconder" pode ser interpretada como a ideia de que a natureza não se revela completamente, mas sim se oculta em seu constante movimento e transformação.

Para Heráclito, a compreensão da natureza exige uma observação atenta e uma percepção das mudanças sutis e ocultas que ocorrem ao nosso redor. Ele acreditava que a verdadeira sabedoria consistia em compreender a natureza mutável do mundo e se adaptar a ela.

Essa citação de Heráclito reflete sua visão filosófica sobre a natureza como um fenômeno em constante movimento e transformação, que exige uma atenção cuidadosa para ser compreendido em sua totalidade, para mim este filósofo pré-socrático é um dos mais brilhantes por perceber o mundo e a vida em seus movimentos esperados ou inesperados, tal como um pescador que diante do poderoso mar está atento a sua movimentação.

Estamos longe de perceber o que realmente ocorre a nossa volta, sei que vemos pouco do que ocorre seja do micro, seja do macro, quando conseguimos perceber é porque já houveram mudanças, é quando nossa percepção foi arrebatada pelo estranhamento causado pela dinâmica da constante transformação, a passagem do tempo é percebida pela transformação da natureza que nos cerca, muitas vezes damo-nos conta tardiamente, há complexidade em torno de nós, a dimensão da natureza é esmagadora, a resposta para tanta beleza na criação é de haver um Criador.

Acredito na corrente de pensamento que Deus é o criador do universo e, portanto, possui um conhecimento profundo e perfeito de todas as leis naturais e fenômenos que ocorrem nele. Nessa visão, Deus é um filósofo natural supremo, que possui uma compreensão completa e abrangente da natureza e de como ela funciona.

Na minha perspectiva, Deus é a fonte de toda sabedoria e conhecimento, incluindo aqueles relacionados à filosofia natural. Acredito que Deus tenha estabelecido as leis naturais que regem o universo e que sua sabedoria transcende a compreensão humana.

As pescarias seja onde forem no mar ou rio são ambientes propícios para a conexão espiritual. Durante as pescarias aproveito o tempo em meio à tranquilidade da natureza para refletir, meditar e até mesmo conversar com Deus, buscando uma conexão mais profunda com o divino, tentando em minha humildade descortinar os segredos que a natureza procura esconder.

As pescarias me oferecem um espaço de silêncio e serenidade, onde é possível me sentir mais próximo da presença divina, diante da imensidão do mar, a beleza dos rios ou a calma dos lagos evocam em mim um senso de reverência e admiração, me proporcionando um ambiente propício para a espiritualidade, nesta vibração percebo que o véu que cobre os segredos da natureza é tirado aos poucos me revelando uma face divina.

Aproveito para agradecer pelas bênçãos recebidas, faço minhas orações, busco orientação, as vezes procuro encontrar conforto ou simplesmente vou para compartilhar meus pensamentos e emoções com Deus. Essa comunicação com o divino me traz uma sensação de paz interior, propósito e conexão com algo maior.


 

Acredito que cada pessoa tenha sua própria forma de vivenciar e expressar sua espiritualidade, as pescarias são místicas e podem ser um momento especial para esse encontro com o divino. É uma oportunidade para unir a paixão pela pesca à busca por uma conexão espiritual mais profunda, permitindo que a natureza seja o cenário para essa conversa com Deus, lembrando que a “natureza ama se esconder”, as descobertas são como presentes e brindes, aprendi a apreciar minhas conquistas, as pescarias tem sua própria dinâmica de autodescobrimentos, o devir é incerto e os acontecimentos inesperados são aguardados por simples beleza e confiança, aprendi a presentear-me com um pouco do meu tempo, neste tempo de presente me foi possível desvendar segredos e conquistar um pouco mais de mim, como disse não é para pegar peixe que me leva ao mar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário