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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Era dos Ressentidos

Vivemos em tempos em que o ressentimento parece estar na moda. Redes sociais, grupos de WhatsApp, conversas no trabalho ou até em uma fila de supermercado — em todos esses lugares, encontramos pessoas que carregam consigo um certo rancor, uma amargura que, de tão presente, já se tornou quase banal. Mas será que essa onda de ressentimento é apenas um reflexo do nosso tempo, ou algo mais profundo está em jogo?

No dia a dia, o ressentimento se manifesta de formas sutis. Talvez você conheça aquela pessoa que não consegue esconder a inveja ao comentar sobre a promoção de um colega, ou aquele amigo que, ao ouvir uma boa notícia, solta um "parabéns" entredentes, acompanhado de um sorriso forçado. Em outros casos, o ressentimento é mais explícito, com acusações diretas de injustiça, de não reconhecimento, de falta de mérito.

Esse ressentimento não se limita às relações interpessoais. Ele invade o espaço público, alimenta debates acalorados, e cria divisões cada vez mais profundas na sociedade. De certa forma, o ressentimento se tornou uma lente através da qual muitos veem o mundo — uma lente que distorce a realidade, criando uma narrativa onde o indivíduo é sempre a vítima e o outro é sempre o culpado.

Para entender esse fenômeno, o filósofo Friedrich Nietzsche oferece uma reflexão pertinente. Em seu conceito de "ressentimento," Nietzsche argumenta que esse sentimento nasce de uma fraqueza interior, de uma incapacidade de agir e de enfrentar os desafios da vida de forma direta. Em vez de transformar essa fraqueza em força, o ressentido projeta sua insatisfação nos outros, buscando culpá-los por suas frustrações.

No cotidiano, esse ressentimento se manifesta na forma de uma constante comparação com os outros, numa tentativa desesperada de encontrar algum consolo na desgraça alheia. Ao ver o sucesso de alguém, o ressentido não consegue sentir alegria ou admiração; ao contrário, sente-se diminuído, como se o sucesso do outro fosse um reflexo de seu próprio fracasso.

Esse comportamento tem um custo alto. Viver com ressentimento é como carregar um peso extra, uma carga emocional que consome energia e bloqueia qualquer possibilidade de crescimento pessoal. Ao invés de buscar melhorar a si mesmo, o ressentido prefere se agarrar ao passado, remoendo ofensas reais ou imaginárias, e se afundando cada vez mais em um ciclo de negatividade.

O desafio, então, é reconhecer essa tendência e romper com ela. Talvez seja um processo difícil, mas é essencial para viver de forma mais leve e autêntica. Como diria Nietzsche, o caminho para a superação do ressentimento é a afirmação da vida — aceitar as circunstâncias como são, agir com coragem, e buscar a própria excelência, independentemente do que os outros fazem ou deixam de fazer.

Byung-Chul Han, o filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, aborda o tema do ressentimento em algumas de suas obras, embora não o trate de forma centralizada como Friedrich Nietzsche, que é uma referência mais direta nesse campo. Han examina o ressentimento dentro do contexto de sua crítica à sociedade contemporânea, especialmente em obras como "A Sociedade do Cansaço" e "A Agonia do Eros".

Han argumenta que a sociedade moderna, marcada pelo excesso de positividade, pela pressão para o desempenho constante e pela hipertransparência, cria um ambiente onde as pessoas acabam internalizando frustrações e ressentimentos. Ele sugere que esse ressentimento se manifesta em formas como a inveja, o ódio velado e a agressividade passiva, que resultam da constante comparação com os outros e do sentimento de inadequação diante de expectativas sociais inatingíveis.

O ressentimento, segundo Han, é também alimentado pela ausência de uma narrativa maior que dê sentido à vida das pessoas. Na falta de uma estrutura simbólica que sustente a existência, o indivíduo moderno se perde em um vazio de significado, onde o ressentimento pode se proliferar. Assim, enquanto Nietzsche via o ressentimento como uma reação dos fracos contra os fortes, Han vê o ressentimento moderno como um sintoma da sociedade do desempenho, onde todos, em algum nível, se tornam vítimas de uma expectativa constante de auto-superação e perfeição.

A era dos ressentidos é um sintoma de uma sociedade que valoriza demais as aparências e se esquece do que realmente importa. Se nos concentrarmos mais em nosso próprio crescimento e menos em comparar nossa vida com a dos outros, talvez possamos transcender essa era e encontrar um sentido maior em nossas jornadas individuais. Afinal, como Nietzsche sugere, o verdadeiro poder está em afirmar a própria vida, não em culpar os outros pelos nossos infortúnios. 

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