Vivemos em tempos em que o ressentimento parece estar na moda. Redes sociais, grupos de WhatsApp, conversas no trabalho ou até em uma fila de supermercado — em todos esses lugares, encontramos pessoas que carregam consigo um certo rancor, uma amargura que, de tão presente, já se tornou quase banal. Mas será que essa onda de ressentimento é apenas um reflexo do nosso tempo, ou algo mais profundo está em jogo?
No dia a dia, o ressentimento se manifesta de
formas sutis. Talvez você conheça aquela pessoa que não consegue esconder a
inveja ao comentar sobre a promoção de um colega, ou aquele amigo que, ao ouvir
uma boa notícia, solta um "parabéns" entredentes, acompanhado de um
sorriso forçado. Em outros casos, o ressentimento é mais explícito, com
acusações diretas de injustiça, de não reconhecimento, de falta de mérito.
Esse ressentimento não se limita às relações
interpessoais. Ele invade o espaço público, alimenta debates acalorados, e cria
divisões cada vez mais profundas na sociedade. De certa forma, o ressentimento
se tornou uma lente através da qual muitos veem o mundo — uma lente que
distorce a realidade, criando uma narrativa onde o indivíduo é sempre a vítima
e o outro é sempre o culpado.
Para entender esse fenômeno, o filósofo Friedrich
Nietzsche oferece uma reflexão pertinente. Em seu conceito de
"ressentimento," Nietzsche argumenta que esse sentimento nasce de uma
fraqueza interior, de uma incapacidade de agir e de enfrentar os desafios da
vida de forma direta. Em vez de transformar essa fraqueza em força, o
ressentido projeta sua insatisfação nos outros, buscando culpá-los por suas
frustrações.
No cotidiano, esse ressentimento se manifesta na
forma de uma constante comparação com os outros, numa tentativa desesperada de
encontrar algum consolo na desgraça alheia. Ao ver o sucesso de alguém, o
ressentido não consegue sentir alegria ou admiração; ao contrário, sente-se
diminuído, como se o sucesso do outro fosse um reflexo de seu próprio fracasso.
Esse comportamento tem um custo alto. Viver com
ressentimento é como carregar um peso extra, uma carga emocional que consome
energia e bloqueia qualquer possibilidade de crescimento pessoal. Ao invés de
buscar melhorar a si mesmo, o ressentido prefere se agarrar ao passado,
remoendo ofensas reais ou imaginárias, e se afundando cada vez mais em um ciclo
de negatividade.
O desafio, então, é reconhecer essa tendência e
romper com ela. Talvez seja um processo difícil, mas é essencial para viver de
forma mais leve e autêntica. Como diria Nietzsche, o caminho para a superação
do ressentimento é a afirmação da vida — aceitar as circunstâncias como são,
agir com coragem, e buscar a própria excelência, independentemente do que os
outros fazem ou deixam de fazer.
Byung-Chul
Han, o filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, aborda o tema do
ressentimento em algumas de suas obras, embora não o trate de forma
centralizada como Friedrich Nietzsche, que é uma referência mais direta nesse
campo. Han examina o ressentimento dentro do contexto de sua crítica à
sociedade contemporânea, especialmente em obras como "A Sociedade do
Cansaço" e "A Agonia do Eros".
Han
argumenta que a sociedade moderna, marcada pelo excesso de positividade, pela
pressão para o desempenho constante e pela hipertransparência, cria um ambiente
onde as pessoas acabam internalizando frustrações e ressentimentos. Ele sugere
que esse ressentimento se manifesta em formas como a inveja, o ódio velado e a
agressividade passiva, que resultam da constante comparação com os outros e do
sentimento de inadequação diante de expectativas sociais inatingíveis.
O ressentimento, segundo Han, é também alimentado pela ausência de uma narrativa maior que dê sentido à vida das pessoas. Na falta de uma estrutura simbólica que sustente a existência, o indivíduo moderno se perde em um vazio de significado, onde o ressentimento pode se proliferar. Assim, enquanto Nietzsche via o ressentimento como uma reação dos fracos contra os fortes, Han vê o ressentimento moderno como um sintoma da sociedade do desempenho, onde todos, em algum nível, se tornam vítimas de uma expectativa constante de auto-superação e perfeição.
A era dos ressentidos é um sintoma de uma sociedade que valoriza demais as aparências e se esquece do que realmente importa. Se nos concentrarmos mais em nosso próprio crescimento e menos em comparar nossa vida com a dos outros, talvez possamos transcender essa era e encontrar um sentido maior em nossas jornadas individuais. Afinal, como Nietzsche sugere, o verdadeiro poder está em afirmar a própria vida, não em culpar os outros pelos nossos infortúnios.
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