Há dias em que o mundo parece rodar em uma frequência que não é a nossa. As pessoas sorriem para telas, seguem trajetórias lineares e falam com um entusiasmo quase coreografado sobre coisas que soam vazias. Nessas horas, sentir-se um estranho não é apenas um estado de espírito, mas quase uma declaração de existência: "Eu sou, mas não pertenço."
Ser um estranho no mundo é experimentar a vida como
quem observa uma peça de teatro pela fresta da cortina. Estamos presentes, mas
não inseridos; participamos, mas não pertencemos. Essa sensação não é nova.
Existencialistas como Sartre e Camus exploraram a ideia do absurdo – aquela
lacuna entre o desejo humano por sentido e o silêncio indiferente do universo.
Para Camus, a pergunta essencial da vida era: vale a pena viver quando tudo
parece tão alheio?
O Estranhamento na Vida Cotidiana
No cotidiano, esse sentimento aparece em momentos
banais. Em uma roda de conversa onde você não consegue se conectar ao assunto;
no mercado, enquanto observa as pessoas comprando compulsivamente produtos que
talvez nem precisem; ou no transporte público, cercado por rostos ausentes,
como se todos estivessem presos em suas bolhas. Ser o estranho é não apenas
perceber o mundo, mas questioná-lo.
Certa vez, enquanto caminhava pela rua, percebi um
senhor parado em frente a uma vitrine. Ele olhava os manequins com uma
curiosidade infantil, como se visse algo que ninguém mais conseguia. Por um
momento, senti que ele também era um estranho, tentando decifrar a lógica de um
mundo que nos apresenta respostas prontas, mas raramente as perguntas certas.
Filosofia do Estranhamento
Essa sensação de deslocamento pode ser encarada
como um problema ou como uma oportunidade. Para Martin Heidegger, o
"estranhamento" é uma chave para o "ser autêntico". Ele
argumenta que, quando nos sentimos fora do lugar, somos forçados a confrontar a
verdade de quem realmente somos, em vez de nos perdermos no que ele chama de
das Man – o "se" impessoal que nos leva a agir como os outros
esperam.
Heidegger sugere que o estranhamento é a chance de
um retorno a si mesmo. Não se trata de buscar a conformidade, mas de aceitar
que o desconforto com o mundo pode ser o primeiro passo para uma existência
genuína.
Uma Reflexão Brasileira: Clarice Lispector
No Brasil, Clarice Lispector também explorou o
sentimento de ser um estranho. Em seus textos, há sempre personagens à margem,
lidando com questões profundas que muitas vezes não têm resposta. Em A Hora da
Estrela, a narradora reflete: "Há tanta coisa a dizer que não se sabe por
onde começar." Esse estado de perplexidade é a essência do sentir-se
alheio – um questionamento constante sobre como viver em um mundo que raramente
oferece explicações claras.
Sentir-se estranho neste mundo não é uma falha, mas
um indício de que estamos vivos e atentos. É uma forma de resistir à maré do
conformismo, de buscar sentidos próprios em um universo que insiste em nos
moldar. Talvez o segredo não esteja em tentar se encaixar, mas em aprender a
dançar ao ritmo do que nos faz diferentes. E, no final das contas, talvez ser estranho seja,
de fato, a única forma autêntica de pertencer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário