Pesquisar este blog

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Fascínio das Contradições

Acreditar em coisas contraditórias não é um erro de lógica, mas uma característica humana profundamente enraizada. Vivemos em mundos complexos onde ideias incompatíveis podem coexistir, não como falhas, mas como expressões de nossa própria dualidade. Pense na política e na psicanálise. Uma promete soluções concretas para a sociedade; a outra, introspecção e confronto com nossos próprios abismos. Como podemos abraçar ambas sem nos perdermos em um paradoxo?

Política: A Razão da Ação

Na política, buscamos clareza e decisão. Queremos líderes que apontem caminhos, valores que organizem a sociedade e respostas para dilemas coletivos. A política é, essencialmente, pública e externa. Ela exige posições: esquerda ou direita, progresso ou tradição. O político eficaz precisa parecer resoluto, mesmo diante de incertezas. É por isso que acreditamos em discursos firmes, mesmo quando sabemos, em um canto silencioso da mente, que a realidade é bem mais caótica do que qualquer ideologia pode captar.

Psicanálise: A Razão do Desejo

Por outro lado, a psicanálise nos diz algo que parece oposto. Não somos racionais, mas governados por forças inconscientes, desejos reprimidos e contradições internas. Freud sugeriu que nossos comportamentos mais banais podem ser guiados por fantasias ocultas ou traumas mal resolvidos. Enquanto a política tenta nos ordenar, a psicanálise nos desconstrói. Aceitar a psicanálise é aceitar que a unidade da razão é ilusória, que somos um mosaico de impulsos conflitantes.

Quando o Político Encontra o Psicanalítico

Imagine uma pessoa que acredita na transparência absoluta como um valor político, mas que, em análise, descobre que se protege com máscaras. Ou um ativista que luta por mudanças sociais radicais, mas percebe, ao explorar o próprio inconsciente, que suas ações são impulsionadas por uma necessidade de aprovação paterna. Nesse cruzamento, a contradição deixa de ser apenas um problema; torna-se uma lente para entender o ser humano em sua totalidade.

Isso não significa que devemos escolher entre a política e a psicanálise. Pelo contrário, aceitar ambas é um exercício de convivência com a ambiguidade. Podemos exigir ética e pragmatismo na política, mas sem esquecer que nossas motivações mais íntimas raramente se alinham de forma impecável. Talvez, como Freud escreveu, “somos feitos de desejos insatisfeitos” – e não há nada mais político do que isso.

O Que Fazer com as Contradições?

Convivemos com contradições porque elas são inevitáveis, mas isso não significa que devemos ignorá-las. Podemos explorá-las, aceitá-las e, às vezes, até celebrá-las. Quando uma contradição surge, não é um sinal de fraqueza, mas de que estamos enfrentando algo maior do que nós mesmos. Como o filósofo francês Edgar Morin sugeriu, a complexidade do mundo não pode ser reduzida a um pensamento linear. O que nos resta é abraçar o "pensamento complexo" – aquele que acolhe o paradoxo como parte da vida.

O Humano, Este Contraditório

Acreditar em coisas contraditórias pode parecer desconfortável, mas é profundamente humano. A política e a psicanálise, apesar de suas diferenças, compartilham um objetivo comum: tornar a experiência humana mais compreensível, seja pelo coletivo ou pelo íntimo. No final, talvez não sejamos feitos para resolver todas as contradições. Afinal, como Heráclito já nos lembrou, é na tensão dos opostos que o universo encontra sua harmonia.

Por que, então, esperar algo diferente de nós mesmos? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário