Acreditar em coisas contraditórias não é um erro de lógica, mas uma característica humana profundamente enraizada. Vivemos em mundos complexos onde ideias incompatíveis podem coexistir, não como falhas, mas como expressões de nossa própria dualidade. Pense na política e na psicanálise. Uma promete soluções concretas para a sociedade; a outra, introspecção e confronto com nossos próprios abismos. Como podemos abraçar ambas sem nos perdermos em um paradoxo?
Política: A Razão da Ação
Na política, buscamos clareza e decisão. Queremos
líderes que apontem caminhos, valores que organizem a sociedade e respostas
para dilemas coletivos. A política é, essencialmente, pública e externa. Ela
exige posições: esquerda ou direita, progresso ou tradição. O político eficaz
precisa parecer resoluto, mesmo diante de incertezas. É por isso que
acreditamos em discursos firmes, mesmo quando sabemos, em um canto silencioso
da mente, que a realidade é bem mais caótica do que qualquer ideologia pode
captar.
Psicanálise: A Razão do Desejo
Por outro lado, a psicanálise nos diz algo que
parece oposto. Não somos racionais, mas governados por forças inconscientes,
desejos reprimidos e contradições internas. Freud sugeriu que nossos
comportamentos mais banais podem ser guiados por fantasias ocultas ou traumas
mal resolvidos. Enquanto a política tenta nos ordenar, a psicanálise nos
desconstrói. Aceitar a psicanálise é aceitar que a unidade da razão é ilusória,
que somos um mosaico de impulsos conflitantes.
Quando o Político Encontra o Psicanalítico
Imagine uma pessoa que acredita na transparência
absoluta como um valor político, mas que, em análise, descobre que se protege
com máscaras. Ou um ativista que luta por mudanças sociais radicais, mas
percebe, ao explorar o próprio inconsciente, que suas ações são impulsionadas
por uma necessidade de aprovação paterna. Nesse cruzamento, a contradição deixa
de ser apenas um problema; torna-se uma lente para entender o ser humano em sua
totalidade.
Isso não significa que devemos escolher entre a
política e a psicanálise. Pelo contrário, aceitar ambas é um exercício de
convivência com a ambiguidade. Podemos exigir ética e pragmatismo na política,
mas sem esquecer que nossas motivações mais íntimas raramente se alinham de
forma impecável. Talvez, como Freud escreveu, “somos feitos de desejos
insatisfeitos” – e não há nada mais político do que isso.
O Que Fazer com as Contradições?
Convivemos com contradições porque elas são
inevitáveis, mas isso não significa que devemos ignorá-las. Podemos
explorá-las, aceitá-las e, às vezes, até celebrá-las. Quando uma contradição
surge, não é um sinal de fraqueza, mas de que estamos enfrentando algo maior do
que nós mesmos. Como o filósofo francês Edgar Morin sugeriu, a complexidade do
mundo não pode ser reduzida a um pensamento linear. O que nos resta é abraçar o
"pensamento complexo" – aquele que acolhe o paradoxo como parte da
vida.
O Humano, Este Contraditório
Acreditar em coisas contraditórias pode parecer
desconfortável, mas é profundamente humano. A política e a psicanálise, apesar
de suas diferenças, compartilham um objetivo comum: tornar a experiência humana
mais compreensível, seja pelo coletivo ou pelo íntimo. No final, talvez não
sejamos feitos para resolver todas as contradições. Afinal, como Heráclito já
nos lembrou, é na tensão dos opostos que o universo encontra sua harmonia.
Por que, então, esperar algo diferente de nós mesmos?
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