Outro dia, no meio de uma conversa de boteco, alguém soltou: “Fulano causou um quiprocó e levou uma chapuletada daquelas!” Todo mundo caiu na risada, mas fiquei pensando: quantas vezes a gente não é o tal "Fulano"? Vai lá, cheio de confiança, mexe onde não devia, diz o que não precisava, e pronto: instala-se o caos. E como se não bastasse, a vida ainda vem com a famosa chapuletada, aquela resposta meio dura, meio merecida, mas sempre educativa. E aí, será que tem filosofia nesse tropeço do cotidiano? Eu acho que sim. Vamos destrinchar isso!
“Causou quiprocó e levou uma chapuletada" —
uma expressão que remete a confusão, consequência e a inevitabilidade de um
choque. No Brasil, essa combinação de termos é quase uma filosofia do
cotidiano: o caos provocado por ações impensadas e a inevitável resposta, que
pode ser tanto literal quanto simbólica. Mas o que está por trás dessa dinâmica
de causa e efeito, dessa dialética entre provocar e sofrer as consequências?
O quiprocó como metáfora da ação humana
No cerne de todo quiprocó está a ação. Aristóteles,
em sua Ética a Nicômaco, afirmava que o ser humano age buscando um bem, mesmo
que erroneamente definido. Quando alguém causa um quiprocó, há, geralmente, a
intenção de resolver, destacar-se, ou simplesmente mover as águas estagnadas de
uma situação. Contudo, o resultado nem sempre corresponde à intenção inicial —
uma lição prática daquilo que os estoicos chamavam de apatheia, ou seja, a
importância de aceitar que os eventos externos frequentemente escapam ao nosso
controle.
O quiprocó, então, torna-se inevitável quando há
excesso de confiança na capacidade de controlar o mundo ao nosso redor.
Pensemos em situações do cotidiano: aquele colega que, ao tentar ser engraçado
na reunião, faz uma piada infeliz e gera constrangimento generalizado. Ou o
motorista que fura a fila no trânsito, acreditando que está "se dando
bem," mas acaba envolvido em um bate-boca. Provocar desordem é, muitas
vezes, o preço de subestimar a complexidade das interações humanas.
A chapuletada como justiça cósmica?
E então vem a chapuletada. Não é apenas a
consequência física ou emocional de uma ação imprudente; é quase um ajuste
cósmico. Aqui, podemos recorrer à noção de karma, muito presente no pensamento
oriental, que sugere que toda ação gera uma reação correspondente. Essa
"chapuletada universal" não é apenas punitiva; ela é didática. É o
universo dizendo: preste atenção às suas ações, pois elas moldam sua realidade.
No entanto, há algo de profundamente humano em rir
da chapuletada alheia. Nietzsche, em seu conceito de ressentimento, poderia
observar que muitas vezes projetamos nos outros aquilo que tememos em nós
mesmos. O prazer em assistir a um quiprocó seguido de uma chapuletada revela
nosso próprio desconforto com os erros que evitamos (ou desejamos cometer).
Lições filosóficas de um tropeço
A dinâmica entre quiprocó e chapuletada nos ensina
que as ações humanas não acontecem em um vácuo. Tudo está conectado. Como
afirma Edgar Morin em sua teoria da complexidade, nossos gestos mais simples
podem desencadear reações imprevisíveis, pois vivemos em sistemas
interdependentes. Isso vale tanto para grandes eventos quanto para os pequenos
desastres cotidianos.
Quando causamos um quiprocó, temos duas opções:
resistir à chapuletada ou aprender com ela. Esta última é a mais sábia, ainda
que a mais difícil. Afinal, o aprendizado exige humildade para reconhecer o
erro e disposição para transformá-lo em crescimento.
A comédia da vida
Há algo intrinsecamente cômico em toda essa
dinâmica. A comédia, como afirmava Henri Bergson, surge quando observamos os
deslizes humanos de fora, com distanciamento. O quiprocó e a chapuletada são,
em essência, pequenos espetáculos do absurdo da vida cotidiana. Rir deles é uma
forma de aceitar nossa condição de seres falíveis.
No final, talvez a maior lição seja esta: todos
causamos quiprocós e, cedo ou tarde, levamos nossas chapuletadas. O que define
quem somos não é evitá-los, mas como reagimos a eles. E, se possível, rir um
pouco de nós mesmos no processo.
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