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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Os Imbróglios

Quando a Confusão Vira Regra

Você já teve que explicar para três pessoas diferentes o mesmo mal-entendido por WhatsApp, e, no fim, todos entenderam algo diferente? Já tentou resolver uma simples pendência num órgão público e saiu com mais perguntas do que respostas? Ou pior: já entrou numa discussão que nem sabia direito como começou, mas que já virou um nó emocional? Esses são exemplos do que podemos chamar, com certo humor resignado, de imbróglios modernos — enroscos sociais, afetivos e institucionais que, de tão frequentes, parecem ter virado parte do nosso modo de existir.

Vivemos numa sociedade em que a complexidade virou rotina. Quanto mais tentamos organizar, mais nos enrolamos. A vida digital deveria facilitar, mas frequentemente adiciona camadas de ruído. O trabalho, que era só executar, hoje exige que sejamos também comunicadores, gestores de tempo e terapeutas de colegas. Até a amizade, antes simples presença, agora precisa de manutenção online, validação por emojis e leitura de subtextos não ditos. O resultado? Uma sucessão de mal-entendidos, disputas mal explicadas, e sentimentos mal digeridos.

Imbróglio 1: A reunião que não decide

Imagine uma cena comum: uma reunião de trabalho. Todos têm algo a dizer, ninguém ouve de verdade, e o PowerPoint parece mais importante que o conteúdo. A decisão que deveria ser tomada é adiada, ou pior, é tomada por inércia. Sai-se da sala com mais confusão do que quando se entrou. Esse tipo de imbróglio é estrutural, pois está ligado à forma como organizamos as instituições — mais para performar controle do que para resolver de fato.

Imbróglio 2: O grupo de WhatsApp da família

Outro clássico: o grupo da família no WhatsApp. Uma piada mal interpretada, uma figurinha fora de contexto, um silêncio prolongado. Pronto: começa o mal-estar. Ninguém diz o que sente, mas todo mundo sente demais. É o imbróglio afetivo: emoções atravessadas pela linguagem digital, onde a ausência de tom transforma tudo em potencial conflito.

Imbróglio 3: A burocracia que paralisa

Há também o imbróglio burocrático. Tentar resolver algo simples num sistema público ou privado — como corrigir um dado cadastral — pode se tornar uma epopeia. Os sistemas não se conversam, as regras se contradizem, e o usuário se perde. Esse tipo de enrosco gera uma desmobilização do sujeito, que passa a evitar a resolução porque o custo emocional é maior do que o benefício.

O pensador filósofo: Zygmunt Bauman e a modernidade líquida

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, nos ajuda a entender esses imbróglios. Para ele, vivemos numa "modernidade líquida", onde tudo é fluido, instável, passageiro. As relações, as instituições e os vínculos sociais perderam a solidez. Em vez de certezas, temos fluxos. Em vez de estruturas firmes, temos improvisos. Isso gera um mundo onde a insegurança e a ambiguidade se tornam o pano de fundo da existência. Em outras palavras: os imbróglios não são acidentes — são sintomas da nossa época.

Abraçar o nó ou desatá-lo?

A pergunta que fica é: devemos tentar resolver os imbróglios ou aprender a viver com eles? Talvez ambos. Desatar o que puder ser desatado, mas também entender que a vida é feita de nós — alguns apertados demais para soltar, outros simbólicos, que nos conectam aos outros. O importante é não cair na paralisia, nem no cinismo. Reconhecer o imbróglio como parte da vida já é um começo. E, às vezes, conversar com calma (em vez de responder apressado) pode ser o fio que desamarra tudo.

terça-feira, 8 de julho de 2025

Antes do Café

 


Pensamentos antes do café...

 

Antes do café, o mundo é um lugar meio embaçado. As ideias ainda estão no modo soneca, a memória falha em lembrar onde está a chave, e a lógica tropeça nas próprias palavras. Antes do café, os planos são apenas sombras do que poderiam ser, e a vontade de conversar com alguém parece um esforço digno de heróis.

 

Há quem diga que o dia começa com o despertador. Mas, sejamos sinceros: o dia começa quando o café entra em cena. Antes dele, a alma está em modo de espera, como um navegador offline tentando carregar o mapa da existência. É nesse intervalo, entre o levantar do corpo e o despertar da mente, que habitam os pensamentos mais sinceros – os que não foram ainda editados pela razão ou moldados pela conveniência.

 

Antes do café, você se lembra de quem precisa ligar, mas não tem energia para o papo. Você pensa nas contas, mas acha melhor não abrir o aplicativo do banco. Antes do café, até a coragem parece pedir cinco minutinhos a mais.

 

E talvez seja aí que mora uma verdade sutil: esse tempo suspenso, meio turvo, revela um você cru, sem defesas. Um ser honesto na confusão, aberto àquilo que o dia quiser trazer. Como diz o poeta Manoel de Barros, “o mundo não foi feito em alfabeto”, e talvez por isso as primeiras palavras do dia demorem tanto a fazer sentido.

 

Depois do café, claro, tudo muda. A ordem volta, a coragem se ajusta à roupa do dia, e a razão toma a frente. Mas os pensamentos antes do café... esses, ah, esses são os mais humanos.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Quiprocó e Chapuletada

Outro dia, no meio de uma conversa de boteco, alguém soltou: “Fulano causou um quiprocó e levou uma chapuletada daquelas!” Todo mundo caiu na risada, mas fiquei pensando: quantas vezes a gente não é o tal "Fulano"? Vai lá, cheio de confiança, mexe onde não devia, diz o que não precisava, e pronto: instala-se o caos. E como se não bastasse, a vida ainda vem com a famosa chapuletada, aquela resposta meio dura, meio merecida, mas sempre educativa. E aí, será que tem filosofia nesse tropeço do cotidiano? Eu acho que sim. Vamos destrinchar isso!

“Causou quiprocó e levou uma chapuletada" — uma expressão que remete a confusão, consequência e a inevitabilidade de um choque. No Brasil, essa combinação de termos é quase uma filosofia do cotidiano: o caos provocado por ações impensadas e a inevitável resposta, que pode ser tanto literal quanto simbólica. Mas o que está por trás dessa dinâmica de causa e efeito, dessa dialética entre provocar e sofrer as consequências?

O quiprocó como metáfora da ação humana

No cerne de todo quiprocó está a ação. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, afirmava que o ser humano age buscando um bem, mesmo que erroneamente definido. Quando alguém causa um quiprocó, há, geralmente, a intenção de resolver, destacar-se, ou simplesmente mover as águas estagnadas de uma situação. Contudo, o resultado nem sempre corresponde à intenção inicial — uma lição prática daquilo que os estoicos chamavam de apatheia, ou seja, a importância de aceitar que os eventos externos frequentemente escapam ao nosso controle.

O quiprocó, então, torna-se inevitável quando há excesso de confiança na capacidade de controlar o mundo ao nosso redor. Pensemos em situações do cotidiano: aquele colega que, ao tentar ser engraçado na reunião, faz uma piada infeliz e gera constrangimento generalizado. Ou o motorista que fura a fila no trânsito, acreditando que está "se dando bem," mas acaba envolvido em um bate-boca. Provocar desordem é, muitas vezes, o preço de subestimar a complexidade das interações humanas.

A chapuletada como justiça cósmica?

E então vem a chapuletada. Não é apenas a consequência física ou emocional de uma ação imprudente; é quase um ajuste cósmico. Aqui, podemos recorrer à noção de karma, muito presente no pensamento oriental, que sugere que toda ação gera uma reação correspondente. Essa "chapuletada universal" não é apenas punitiva; ela é didática. É o universo dizendo: preste atenção às suas ações, pois elas moldam sua realidade.

No entanto, há algo de profundamente humano em rir da chapuletada alheia. Nietzsche, em seu conceito de ressentimento, poderia observar que muitas vezes projetamos nos outros aquilo que tememos em nós mesmos. O prazer em assistir a um quiprocó seguido de uma chapuletada revela nosso próprio desconforto com os erros que evitamos (ou desejamos cometer).

Lições filosóficas de um tropeço

A dinâmica entre quiprocó e chapuletada nos ensina que as ações humanas não acontecem em um vácuo. Tudo está conectado. Como afirma Edgar Morin em sua teoria da complexidade, nossos gestos mais simples podem desencadear reações imprevisíveis, pois vivemos em sistemas interdependentes. Isso vale tanto para grandes eventos quanto para os pequenos desastres cotidianos.

Quando causamos um quiprocó, temos duas opções: resistir à chapuletada ou aprender com ela. Esta última é a mais sábia, ainda que a mais difícil. Afinal, o aprendizado exige humildade para reconhecer o erro e disposição para transformá-lo em crescimento.

A comédia da vida

Há algo intrinsecamente cômico em toda essa dinâmica. A comédia, como afirmava Henri Bergson, surge quando observamos os deslizes humanos de fora, com distanciamento. O quiprocó e a chapuletada são, em essência, pequenos espetáculos do absurdo da vida cotidiana. Rir deles é uma forma de aceitar nossa condição de seres falíveis.

No final, talvez a maior lição seja esta: todos causamos quiprocós e, cedo ou tarde, levamos nossas chapuletadas. O que define quem somos não é evitá-los, mas como reagimos a eles. E, se possível, rir um pouco de nós mesmos no processo.