O que significa viver bem? Mais ainda, como podemos determinar se estamos, de fato, vivendo ou apenas passando pela vida? A ideia de um "critério da vida" nos leva a questionar quais parâmetros utilizamos, consciente ou inconscientemente, para avaliar a qualidade e a autenticidade de nossa existência.
O Critério da Vida como Prática
Aristóteles, em sua busca pela eudaimonia
(felicidade ou realização plena), propôs que a vida boa está enraizada na
atividade conforme a virtude. Para ele, a prática de virtudes como coragem,
temperança e justiça seria o norte para uma vida significativa. No entanto,
essa visão exige um esforço constante: viver bem é um projeto diário, uma
prática contínua, e não uma conquista estática.
Por outro lado, Friedrich Nietzsche desafiou as
noções tradicionais de virtude ao propor o conceito do Übermensch
(além-do-homem), um ideal de existência que transcende os valores herdados e
estabelece seus próprios critérios de significado. Nietzsche nos pergunta:
somos capazes de criar valores que ressoem profundamente com a nossa
individualidade, ou estamos apenas imitando normas externas?
Vida ou Sobrevivência?
Uma inovação no debate sobre o critério da vida
surge quando contrastamos viver com sobreviver. Simone de Beauvoir, em O
Segundo Sexo, nos alerta para as armadilhas de uma vida que se reduz à
repetição de papéis e rotinas, muitas vezes impostos pela sociedade. A
sobrevivência, nesse contexto, é apenas um estar no mundo, enquanto a vida
autêntica exige escolhas conscientes que rompam com a passividade.
Nesse sentido, viver é um ato de resistência. A
filósofa brasileira Marilena Chaui destaca como o cotidiano pode ser colonizado
por ideologias que nos alienam de nossas próprias potências criativas. Para
Chaui, libertar-se dessas amarras é um critério indispensável para uma
existência genuína.
O Tempo como Critério
Outra dimensão inovadora ao pensar o critério da
vida é considerar o papel do tempo. O filósofo contemporâneo Byung-Chul Han
aponta, em Asfixia do Tempo, que vivemos em uma era marcada pela aceleração e
pela produtividade incessante. O critério moderno da vida muitas vezes se
resume a "fazer mais", enquanto a verdadeira vida poderia ser medida
pela profundidade de nossas experiências.
Retomando essa ideia, podemos dizer que o critério
da vida não é apenas o quantum de ações realizadas, mas a qualidade do tempo
vivido. Isso nos remete a Henri Bergson, que distinguiu o tempo mensurável do
relógio (temps) da duração vivida (durée), sugerindo que a intensidade das
experiências pode valer mais do que sua quantidade.
O Critério da Vida é Mutável
Um ponto crucial é entender que o critério da vida
não é universal nem fixo. Ele varia entre culturas, épocas e, acima de tudo,
indivíduos. Para N. Sri Ram, em suas reflexões teosóficas, a vida verdadeira é
aquela que reflete o alinhamento entre o ser interno e o externo. Quando
vivemos em harmonia com o que ele chama de "impulso essencial da
alma", encontramos um critério que não é imposto, mas descoberto.
Por outro lado, Zygmunt Bauman, em sua teoria da
modernidade líquida, nos alerta sobre o perigo de uma vida sem âncoras, onde os
critérios se dissolvem na constante mudança de expectativas e valores. Talvez a
vida autêntica exija, paradoxalmente, um equilíbrio entre fluidez e
permanência.
Um Critério Vivo
O critério da vida, portanto, não é um conceito
fixo, mas um organismo vivo, sujeito a mudanças e reinterpretações. Ele pode
incluir virtude, criação de valores, resistência ao conformismo, profundidade
do tempo vivido e alinhamento com o eu interior. Mais importante, ele deve ser
pessoal e flexível, permitindo que cada indivíduo responda à sua própria
pergunta: o que significa viver bem, para mim, neste momento?
Ao buscar responder essa pergunta, não apenas
vivemos — criamos a vida.