Outro dia, enquanto esperava o elevador, ouvi uma conversa acalorada entre dois homens no corredor. Um defendia com unhas e dentes um ponto de vista, o outro, o oposto. Não era um debate, era um duelo. O elevador chegou, mas ninguém entrou. As palavras pesavam mais do que o movimento. E pensei: até que ponto a polarização está nos tornando reféns de nós mesmos?
A
polarização não é apenas um fenômeno político ou social, mas um estado
psicológico. Ela nos convida a escolher um lado e, ao fazê-lo, nos obriga a
rejeitar o outro. Trata-se de um processo de identidade tanto quanto de
opinião: ao nos alinharmos com um grupo, reforçamos a sensação de pertencimento
e segurança. Mas, como bem alertou o filósofo francês Jacques Rancière, a
política não deve ser reduzida a uma guerra de identidades onde o diálogo se
torna impossível.
O
problema maior da polarização é que ela nos aprisiona em certezas
inquestionáveis. Perdemos a capacidade de ouvir, de reconsiderar, de duvidar.
Passamos a ver o mundo em dualidades simplistas: certo ou errado, nós ou eles.
Essa lógica binária ignora a complexidade da vida e empobrece nossa visão de
mundo. Afinal, como nos lembra Edgar Morin, o pensamento complexo é aquele que
abraça as contradições e as incertezas, e não as exclui.
Outro
efeito colateral da polarização é a criação de realidades paralelas. Com a
internet e as redes sociais, cada bolha ideológica constrói sua própria versão
dos fatos, filtrando informações que reforçam suas crenças e rejeitando
qualquer dado que as desafie. O resultado é um ambiente no qual o outro não é
apenas diferente, mas inimigo. Hannah Arendt alertava que uma sociedade que
perde a capacidade de compartilhar uma realidade comum está fadada ao
autoritarismo e à desintegração do debate público.
Mas
há um caminho para escapar dessa armadilha? Talvez a resposta esteja em algo
que parece simples, mas se tornou cada vez mais raro: a disposição para o
diálogo genuíno. Um diálogo que não busca converter, mas compreender. Que não
se baseia em vencer um argumento, mas em expandir horizontes. Como propunha
Paulo Freire, a verdadeira comunicação só acontece quando há abertura para o
outro, para sua história, para sua visão de mundo.
A
polarização, quando extrema, nos torna rígidos, inflexíveis e cegos para as
nuances da realidade. O antídoto talvez seja reaprender a ouvir, exercitar a
dúvida e abraçar a complexidade do mundo sem medo. No fim das contas, a vida
não cabe em um elevador, nem em um debate binário. Ela exige movimento, trocas,
e acima de tudo, a coragem de sair da própria bolha.