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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O Demiurgo

Um Artesão do Cosmos

Imagine uma sala de aula onde um professor distribui argila para os alunos e pede que moldem o que quiserem. Uns fazem figuras geométricas, outros esculpem animais ou rostos humanos. Cada forma criada é limitada pelas mãos que a moldaram, pelo material disponível e pela imaginação de quem o manipulou. Nesse cenário, encontramos uma metáfora para o papel do Demiurgo, o criador-artesão que Platão apresenta em Timeu.

O Demiurgo, diferentemente de um deus onipotente e transcendente, não cria ex nihilo (do nada). Ele não é a origem absoluta, mas um mediador entre o mundo das ideias perfeitas e o mundo material, imperfeito e sujeito a mudanças. Seu trabalho é como o de um oleiro cósmico: ele modela o mundo visível com base em uma matriz ideal, tentando imprimir ordem no caos.

A Arte de Modelar o Mundo

Pense no cozinheiro que tenta fazer um prato perfeito, mas tem de lidar com ingredientes que nem sempre são ideais. Ele segue uma receita (o mundo das ideias), mas depende do que tem em mãos (o mundo material). O resultado final é sempre uma aproximação. O Demiurgo está nesse mesmo dilema. Seu objetivo é criar um cosmos harmonioso, mas ele opera num campo de imperfeições inerentes à matéria.

O filósofo brasileiro Vilém Flusser dizia que o ato de criar é sempre acompanhado por uma negociação com as limitações. Ele via a criação como um diálogo com o caos. Nesse sentido, o Demiurgo é mais próximo de um humano criativo, que tenta alcançar algo sublime mesmo sabendo que nunca será perfeito.

O Cotidiano e o Demiurgo Interior

O conceito de Demiurgo não precisa ficar confinado à cosmologia platônica. No dia a dia, cada um de nós se torna um pequeno Demiurgo. Quando reorganizamos nossa casa, planejamos um projeto de trabalho ou tentamos harmonizar relações pessoais, estamos moldando um mundo com os recursos disponíveis.

Por exemplo, ao lidar com conflitos, buscamos um ideal de convivência (o mundo das ideias), mas esbarramos nas limitações das emoções, dos traumas e da falta de comunicação (o mundo material). O esforço para alinhar esses dois mundos é essencialmente demiúrgico: uma tentativa de impor ordem ao caos da vida.

O Paradoxo do Criador Imperfeito

Por mais que o Demiurgo seja um idealizador, ele nunca consegue atingir a perfeição absoluta. Isso nos leva a uma reflexão sobre a própria ideia de criação: a busca pela perfeição é válida mesmo sabendo que ela é inalcançável? Para o pensador francês Gilles Deleuze, o processo criativo é mais importante que o produto final. Ele defende que é no ato de criar, no esforço de modelar, que encontramos sentido e vitalidade. O Demiurgo, então, é o arquétipo desse criador que não desiste, mesmo diante das imperfeições inevitáveis.

Um Mundo em Construção

No final das contas, o Demiurgo é uma figura que nos ensina sobre a condição humana: estamos todos presos entre o ideal e o real, moldando nossas vidas com ferramentas imperfeitas. Se a perfeição é inalcançável, talvez o importante seja o esforço em aproximar-nos dela, celebrando o processo, assim como o artesão que, apesar das imperfeições de sua obra, encontra beleza em cada detalhe esculpido.

O Demiurgo nos lembra que criar é um ato de coragem, pois exige enfrentar o caos com determinação, reconhecendo nossas limitações, mas nunca deixando de moldar o mundo ao nosso redor. Afinal, como diria Flusser, "a criação é a resposta humana ao abismo do nada."


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Forma Evocativa

A "forma evocativa" é como a arte de provocar uma reação profunda, algo que vai além do que se vê à primeira vista. No sentido filosófico, isso nos leva a pensar não apenas na superfície das coisas, mas nas camadas mais profundas que despertam sentimentos, reflexões e conexões.

No nosso cotidiano agitado, estamos cercados por exemplos dessa forma evocativa. Pense naquela música que toca na rádio e imediatamente te transporta para um momento especial da sua vida, evocando sentimentos de nostalgia ou alegria intensa. A música é mais do que uma sucessão de notas; ela é capaz de nos conectar com memórias e emoções de forma poderosa.

Da mesma forma, um filme pode não ser apenas uma sequência de imagens em movimento, mas uma história que nos faz refletir sobre questões universais da condição humana. O diretor usa a forma cinematográfica não apenas para entreter, mas para provocar uma profunda introspecção sobre temas como amor, perda, esperança e redenção.

A literatura também é mestra na forma evocativa. Um simples livro pode nos transportar para mundos imaginários, nos fazer sentir como se estivéssemos na pele de personagens fictícios, e nos fazer questionar nossas próprias convicções e ideias sobre a vida.

No entanto, a forma evocativa não se limita apenas às artes. No nosso dia a dia, encontramos momentos que nos surpreendem e nos tocam profundamente. Pode ser um gesto de bondade inesperado de um estranho, que nos lembra da compaixão humana em meio às dificuldades da vida. Ou um pôr do sol que nos faz parar por um momento e contemplar a beleza efêmera da natureza.

Filosoficamente falando, a forma evocativa nos lembra da capacidade do ser humano de transcender o ordinário e buscar significado em nossas experiências. Ela nos desafia a não nos contentarmos com o superficial, mas a explorar as camadas mais profundas das nossas interações, das nossas criações e do nosso próprio entendimento sobre o mundo. 

Portanto, que possamos todos cultivar uma apreciação maior pela forma evocativa ao nosso redor. Que possamos estar abertos não apenas ao que vemos e ouvimos, mas também ao que sentimos e compreendemos de forma intuitiva e emocional. Pois é nesses momentos de conexão genuína que encontramos verdadeiro significado e enriquecemos nossa jornada humana. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Copiar Formas Mentais

Você já percebeu como, ultimamente, parece que todo mundo tem uma opinião extrema sobre tudo? Seja na mesa do bar, no almoço de família ou nas redes sociais, as conversas que antes eram leves e descontraídas agora se transformam em verdadeiras batalhas ideológicas. Mas por que isso está acontecendo? Será que nossa sociedade está emocionalmente doente por causa dessas polarizações que dividem e disseminam ideias tóxicas? Nunca tivemos como agora tantos problemas emocionais e mentais, são muitos com depressão, ansiedade, tristezas, falsas alegrias e felicidade plena ditada no instagram e redes sociais, a busca por auto ajuda em terapias alternativas explodem com a quantidade de pessoas buscando o alivio do estresse da sociedade artificializada.

Imagine a cena: você está num churrasco com amigos de longa data, pessoas com quem você sempre teve afinidade e compartilhava momentos agradáveis. De repente, alguém toca em um assunto político ou social mais delicado, e pronto! O clima esquenta, surgem acusações, ofensas veladas e, quando você percebe, aquele encontro descontraído virou um campo minado. Situações como essa têm se tornado cada vez mais comuns e mostram como estamos deixando que diferenças de opinião nos separem de quem amamos.

O filósofo polonês Zygmunt Bauman já alertava sobre a "modernidade líquida", onde tudo é volátil e as relações são frágeis. Nesse contexto, as redes sociais potencializam essa liquidez, criando bolhas onde somos expostos apenas ao que reforça nossas crenças e preconceitos. Assim, qualquer ideia contrária é vista como uma ameaça, e a reação natural passa a ser o ataque ou o isolamento.

Outro pensador, o psicólogo social Jonathan Haidt, em seu livro "A Mente Moralista", discute como nossas crenças são influenciadas por intuições e emoções mais do que pela razão. Isso significa que, muitas vezes, defendemos uma posição não porque ela é logicamente correta, mas porque ela ressoa com nossos sentimentos mais profundos. Quando alguém desafia essa posição, sentimos como se estivessem nos atacando pessoalmente, o que explica a intensidade das reações em debates aparentemente simples.

No dia a dia, essas polarizações afetam desde decisões cotidianas até políticas públicas importantes. Pense na pandemia de COVID-19, por exemplo. O uso de máscaras, que deveria ser uma questão de saúde pública baseada em evidências científicas, tornou-se um símbolo político, dividindo pessoas entre "pró" e "contra", muitas vezes sem uma compreensão real dos fatos envolvidos. Inclusive surgiram imbecis que afirmaram se tratar uma “gripezinha”, como será que isto soou nos ouvidos dos familiares e amigos que perderam entes queridos para a tal “gripezinha”?, foram milhares de vidas perdidas mundo afora. Essa divisão custou vidas e aprofundou desconfianças entre grupos sociais.

E o que dizer da educação? Professores enfrentam desafios enormes ao tentar abordar temas contemporâneos em sala de aula sem esbarrar em sensibilidades exacerbadas. Alunos e pais, influenciados por discursos polarizados, questionam conteúdos e metodologias, muitas vezes sem embasamento, apenas repetindo narrativas que ouviram em seus círculos sociais ou mídias de preferência.

Sigmund Freud já dizia que a civilização impõe restrições aos nossos instintos primários em prol da convivência social. Contudo, parece que estamos regredindo nesse aspecto, permitindo que instintos como agressividade e tribalismo ganhem espaço, em detrimento da empatia e do diálogo construtivo.

Mas nem tudo está perdido. Há movimentos e iniciativas que buscam reconstruir pontes e promover conversas mais saudáveis. Práticas como a Comunicação Não-Violenta, desenvolvida por Marshall Rosenberg, oferecem ferramentas para expressarmos nossos sentimentos e necessidades de forma clara e respeitosa, ouvindo e valorizando o outro, mesmo em meio a divergências.

Além disso, é fundamental cultivarmos a autocrítica e a abertura ao novo. Reconhecer que ninguém detém a verdade absoluta e que podemos aprender com perspectivas diferentes é um passo importante para sanar as feridas emocionais que essas polarizações têm causado.

Nossa sociedade enfrenta um desafio complexo: equilibrar a diversidade de opiniões e crenças sem cair na armadilha das divisões tóxicas. Isso exige esforço coletivo, empatia e a disposição de ouvir e compreender o outro. Talvez, assim, possamos transformar esses conflitos em oportunidades de crescimento e construir uma convivência mais harmoniosa e saudável para todos. Então, que tal no próximo encontro com amigos ou familiares, ao invés de entrar em debates acalorados, tentar ouvir mais e falar menos? Quem sabe essa pequena mudança não seja o início de uma grande transformação?