Então, vamos falar sobre a arte de não se abalar com o mundo em chamas...
Outro
dia, estava parado no sinal vermelho, o sol estalando na testa, uma notificação
no celular dizendo “urgente” (como quase todas dizem), e uma senhora buzinando
atrás de mim como se isso fizesse o semáforo mudar de ideia. Nessa pequena
arena cotidiana, percebi que tudo ao meu redor parecia pedir pressa, reação,
opinião, posicionamento. E eu, sinceramente, só queria um momento de silêncio.
Foi aí que me veio a palavra: ataraxia.
O
que é ataraxia e por que ela importa hoje?
Ataraxia
é um conceito grego que significa, em sua essência, "ausência de
perturbação". Uma serenidade diante do caos, uma paz interior que não
depende da calmaria externa. Era buscada por escolas filosóficas como o
epicurismo, o ceticismo pirrônico e o estoicismo — embora cada uma a tratasse
de maneira distinta.
Mas
por que falar disso em 2025, quando o mundo parece pulsar num ritmo histérico?
Porque talvez nunca tenhamos precisado tanto dela. Ataraxia não é alienação,
não é indiferença fria — é um centro de gravidade interno, que permite
atravessar as confusões do mundo sem se dissolver nelas.
O
mundo como provocação constante
Hoje
vivemos uma espécie de guerra civil emocional. Redes sociais são campos de
batalha onde cada frase vira uma granada. A economia, o clima, a política, tudo
parece nos chamar para uma trincheira. E não é raro sentir que, se não
estivermos em estado de alerta constante, seremos engolidos por tudo.
É
nesse cenário que a proposta da ataraxia soa quase como um ato revolucionário.
Manter-se impassível não por frieza, mas por lucidez. Não se trata de fechar os
olhos, mas de abrir um outro tipo de visão — uma que não se deixa sequestrar
pela agitação.
A
coragem de não reagir
Viver
com ataraxia exige uma forma especial de coragem: a de não reagir
automaticamente. É fácil se irritar com um comentário, uma injustiça, um ruído.
Difícil é examinar tudo isso sem se tornar refém das próprias reações.
O
filósofo pirrônico Sexto Empírico acreditava que a suspensão do juízo — o epoché
— levava à ataraxia. Ou seja, quando paramos de tentar determinar se algo é
absolutamente bom ou ruim, certo ou errado, abrimos espaço para a
tranquilidade. Isso soa radical, mas pense: quantas vezes o sofrimento nasce da
nossa ânsia de classificar, julgar, se posicionar?
Ataraxia
como gesto de escuta
Em
tempos de tanto ruído, a ataraxia também pode ser entendida como uma forma de
escuta. Uma escuta do mundo, de si mesmo, do outro — sem o filtro da ansiedade
de responder ou vencer. Talvez seja o que faltou em tantas discussões que
terminam em gritos: a serenidade de quem sabe que não precisa ganhar o debate
para ter paz.
O
pensador brasileiro Huberto Rohden dizia que “não há serenidade possível sem
autodisciplina interior”. A ataraxia, nesse sentido, não é uma conquista
externa, mas um processo de escultura da alma. E talvez ela não nos leve à
indiferença, mas sim a uma forma mais sutil e profunda de engajamento com a
vida.
A
leveza da não urgência
Talvez
a pergunta mais urgente de hoje seja: como manter a leveza quando tudo é
urgência? A resposta pode estar em cultivar esse centro calmo dentro de nós —
esse lugar onde as buzinas, as manchetes e os julgamentos não conseguem entrar.
Ataraxia,
afinal, não é se isolar do mundo. É viver no mundo sem deixar que ele tome
posse da nossa alma. E isso, no tempo em que vivemos, talvez seja a forma mais
autêntica de liberdade.