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quinta-feira, 1 de maio de 2025

Ataraxia

 


Então, vamos falar sobre a arte de não se abalar com o mundo em chamas...

Outro dia, estava parado no sinal vermelho, o sol estalando na testa, uma notificação no celular dizendo “urgente” (como quase todas dizem), e uma senhora buzinando atrás de mim como se isso fizesse o semáforo mudar de ideia. Nessa pequena arena cotidiana, percebi que tudo ao meu redor parecia pedir pressa, reação, opinião, posicionamento. E eu, sinceramente, só queria um momento de silêncio. Foi aí que me veio a palavra: ataraxia.

O que é ataraxia e por que ela importa hoje?

Ataraxia é um conceito grego que significa, em sua essência, "ausência de perturbação". Uma serenidade diante do caos, uma paz interior que não depende da calmaria externa. Era buscada por escolas filosóficas como o epicurismo, o ceticismo pirrônico e o estoicismo — embora cada uma a tratasse de maneira distinta.

Mas por que falar disso em 2025, quando o mundo parece pulsar num ritmo histérico? Porque talvez nunca tenhamos precisado tanto dela. Ataraxia não é alienação, não é indiferença fria — é um centro de gravidade interno, que permite atravessar as confusões do mundo sem se dissolver nelas.

O mundo como provocação constante

Hoje vivemos uma espécie de guerra civil emocional. Redes sociais são campos de batalha onde cada frase vira uma granada. A economia, o clima, a política, tudo parece nos chamar para uma trincheira. E não é raro sentir que, se não estivermos em estado de alerta constante, seremos engolidos por tudo.

É nesse cenário que a proposta da ataraxia soa quase como um ato revolucionário. Manter-se impassível não por frieza, mas por lucidez. Não se trata de fechar os olhos, mas de abrir um outro tipo de visão — uma que não se deixa sequestrar pela agitação.

A coragem de não reagir

Viver com ataraxia exige uma forma especial de coragem: a de não reagir automaticamente. É fácil se irritar com um comentário, uma injustiça, um ruído. Difícil é examinar tudo isso sem se tornar refém das próprias reações.

O filósofo pirrônico Sexto Empírico acreditava que a suspensão do juízo — o epoché — levava à ataraxia. Ou seja, quando paramos de tentar determinar se algo é absolutamente bom ou ruim, certo ou errado, abrimos espaço para a tranquilidade. Isso soa radical, mas pense: quantas vezes o sofrimento nasce da nossa ânsia de classificar, julgar, se posicionar?

Ataraxia como gesto de escuta

Em tempos de tanto ruído, a ataraxia também pode ser entendida como uma forma de escuta. Uma escuta do mundo, de si mesmo, do outro — sem o filtro da ansiedade de responder ou vencer. Talvez seja o que faltou em tantas discussões que terminam em gritos: a serenidade de quem sabe que não precisa ganhar o debate para ter paz.

O pensador brasileiro Huberto Rohden dizia que “não há serenidade possível sem autodisciplina interior”. A ataraxia, nesse sentido, não é uma conquista externa, mas um processo de escultura da alma. E talvez ela não nos leve à indiferença, mas sim a uma forma mais sutil e profunda de engajamento com a vida.

A leveza da não urgência

Talvez a pergunta mais urgente de hoje seja: como manter a leveza quando tudo é urgência? A resposta pode estar em cultivar esse centro calmo dentro de nós — esse lugar onde as buzinas, as manchetes e os julgamentos não conseguem entrar.

Ataraxia, afinal, não é se isolar do mundo. É viver no mundo sem deixar que ele tome posse da nossa alma. E isso, no tempo em que vivemos, talvez seja a forma mais autêntica de liberdade.