Outro dia, numa conversa despretensiosa, percebi como ainda estamos presos à lógica do "ou é isso, ou é aquilo". Certo ou errado, forte ou fraco, amor ou desilusão. Tudo parece encaixado em pares opostos, como se o mundo fosse um jogo de tabuleiro bem definido. Mas se Jacques Derrida estivesse ali na mesa, talvez ele empurrasse o tabuleiro com um leve sorriso e dissesse: "E se as peças não forem tão diferentes assim?"
Já
tratei deste tema outras vezes, mas ele sempre retorna a baila, as noticias e
conversas são provocantes e me obrigo a abordar o tema: polaridades, eita
palavrinha que incomoda.
Desconstruindo
o que parece óbvio
Derrida
não se interessava por verdades rígidas. Ele preferia investigar os bastidores
da linguagem, onde palavras se contradizem, se repetem, se invertem. A sua
proposta, conhecida como desconstrução, não destrói significados — ela
revela que o que parece firme costuma estar cheio de rachaduras. O
"sim" carrega um "não" implícito, toda "verdade"
repousa sobre uma exclusão silenciosa, e os grandes conceitos — justiça, identidade,
amor — tremem sob a luz de uma análise cuidadosa.
Antinomias
no dia a dia
Nas
nossas rotinas, essas antinomias surgem disfarçadas de certezas. Quando alguém
é "muito racional", logo se supõe que é pouco sensível. Um
relacionamento saudável precisa equilibrar liberdade ou compromisso,
dizem — como se não houvesse amor onde há espaço, ou presença onde há escolha.
A desconstrução nos convida a ir além dessas oposições e perceber que elas são
frágeis, móveis, interdependentes.
Na
política: cuidado com os extremos
No
debate político, a desconstrução é um respiro necessário. Em tempos de
polarização, o discurso se reduz a "nós" contra "eles",
"povo" contra "elite", "patriotas" contra
"inimigos". Derrida alertaria que todo "nós" exclui uma
parte de si mesmo, e que os opostos, muitas vezes, compartilham mais do que
querem admitir. Desconstruir o discurso político não é deslegitimar a luta — é
entender que cada palavra usada nela carrega escolhas, silêncios e
consequências.
Redes
sociais e julgamentos instantâneos
Nas
redes sociais, as antinomias ganham velocidade e ruído. Curtir ou cancelar,
silenciar ou militar, lacrar ou omitir. Tudo vira julgamento rápido,
definitivo, sem espaço para ambiguidade. Derrida nos faria parar e perguntar: o
que essa frase afirma, e o que ela oculta? O que está sendo calado no excesso
de certezas? Talvez, se tivesse uma conta no Twitter, ele escrevesse apenas:
“Nem todo sim é sim” — e desaparecesse por semanas.
No
amor, entre o sim e o quase
No
amor, gostamos de fórmulas: “eu te amo”, “para sempre”, “metade da laranja”.
Mas o amor real é cheio de ruídos. Amar não é sempre estar presente, e estar
junto não é sempre compreender. Derrida apontaria que o amor carrega ausência,
dúvidas e mal-entendidos. E que, talvez, o mais belo do amor seja justamente
essa impossibilidade de encaixá-lo num conceito fixo. Quando dizemos “eu te
amo”, dizemos o que sentimos — mas também deixamos escapar tudo aquilo que não
conseguimos nomear. Lembre-se as palavras são “realidades”, não dá para confiar
inteiramente nelas, é preciso olhar o todo.
Pensar
com (e contra) as palavras
O
filósofo brasileiro Bento Prado Jr. disse que o pensamento contemporâneo
“não busca mais a verdade última, mas a multiplicidade dos sentidos”. Derrida
se alinha com esse gesto: não negar o sentido, mas desestabilizá-lo, fazendo-o
dançar, hesitar, mostrar sua estrutura. Afinal, a linguagem não é uma vitrine
limpa — é uma casa com espelhos, portas falsas e corredores que voltam ao mesmo
lugar.
Uma
linha tênue que une o mundo
Desconstruir
não é paralisar. É movimentar-se com consciência. Ao invés de escolher entre um
lado ou outro, Derrida nos convida a caminhar pela linha tênue que separa e une
ao mesmo tempo. A antinomia, no fundo, é um espelho: o outro lado nunca está
tão longe assim.
Se
ele ouvisse alguém dizer “não sei se amo ou se gosto”, talvez respondesse: “Mas
por que essa diferença importa tanto? E o que há entre o amor e o gosto?”
Talvez...
a vida.
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