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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Infinitas Antinomias

Outro dia, numa conversa despretensiosa, percebi como ainda estamos presos à lógica do "ou é isso, ou é aquilo". Certo ou errado, forte ou fraco, amor ou desilusão. Tudo parece encaixado em pares opostos, como se o mundo fosse um jogo de tabuleiro bem definido. Mas se Jacques Derrida estivesse ali na mesa, talvez ele empurrasse o tabuleiro com um leve sorriso e dissesse: "E se as peças não forem tão diferentes assim?"

Já tratei deste tema outras vezes, mas ele sempre retorna a baila, as noticias e conversas são provocantes e me obrigo a abordar o tema: polaridades, eita palavrinha que incomoda.

Desconstruindo o que parece óbvio

Derrida não se interessava por verdades rígidas. Ele preferia investigar os bastidores da linguagem, onde palavras se contradizem, se repetem, se invertem. A sua proposta, conhecida como desconstrução, não destrói significados — ela revela que o que parece firme costuma estar cheio de rachaduras. O "sim" carrega um "não" implícito, toda "verdade" repousa sobre uma exclusão silenciosa, e os grandes conceitos — justiça, identidade, amor — tremem sob a luz de uma análise cuidadosa.

Antinomias no dia a dia

Nas nossas rotinas, essas antinomias surgem disfarçadas de certezas. Quando alguém é "muito racional", logo se supõe que é pouco sensível. Um relacionamento saudável precisa equilibrar liberdade ou compromisso, dizem — como se não houvesse amor onde há espaço, ou presença onde há escolha. A desconstrução nos convida a ir além dessas oposições e perceber que elas são frágeis, móveis, interdependentes.

Na política: cuidado com os extremos

No debate político, a desconstrução é um respiro necessário. Em tempos de polarização, o discurso se reduz a "nós" contra "eles", "povo" contra "elite", "patriotas" contra "inimigos". Derrida alertaria que todo "nós" exclui uma parte de si mesmo, e que os opostos, muitas vezes, compartilham mais do que querem admitir. Desconstruir o discurso político não é deslegitimar a luta — é entender que cada palavra usada nela carrega escolhas, silêncios e consequências.

Redes sociais e julgamentos instantâneos

Nas redes sociais, as antinomias ganham velocidade e ruído. Curtir ou cancelar, silenciar ou militar, lacrar ou omitir. Tudo vira julgamento rápido, definitivo, sem espaço para ambiguidade. Derrida nos faria parar e perguntar: o que essa frase afirma, e o que ela oculta? O que está sendo calado no excesso de certezas? Talvez, se tivesse uma conta no Twitter, ele escrevesse apenas: “Nem todo sim é sim” — e desaparecesse por semanas.

No amor, entre o sim e o quase

No amor, gostamos de fórmulas: “eu te amo”, “para sempre”, “metade da laranja”. Mas o amor real é cheio de ruídos. Amar não é sempre estar presente, e estar junto não é sempre compreender. Derrida apontaria que o amor carrega ausência, dúvidas e mal-entendidos. E que, talvez, o mais belo do amor seja justamente essa impossibilidade de encaixá-lo num conceito fixo. Quando dizemos “eu te amo”, dizemos o que sentimos — mas também deixamos escapar tudo aquilo que não conseguimos nomear. Lembre-se as palavras são “realidades”, não dá para confiar inteiramente nelas, é preciso olhar o todo.

Pensar com (e contra) as palavras

O filósofo brasileiro Bento Prado Jr. disse que o pensamento contemporâneo “não busca mais a verdade última, mas a multiplicidade dos sentidos”. Derrida se alinha com esse gesto: não negar o sentido, mas desestabilizá-lo, fazendo-o dançar, hesitar, mostrar sua estrutura. Afinal, a linguagem não é uma vitrine limpa — é uma casa com espelhos, portas falsas e corredores que voltam ao mesmo lugar.

Uma linha tênue que une o mundo

Desconstruir não é paralisar. É movimentar-se com consciência. Ao invés de escolher entre um lado ou outro, Derrida nos convida a caminhar pela linha tênue que separa e une ao mesmo tempo. A antinomia, no fundo, é um espelho: o outro lado nunca está tão longe assim.

Se ele ouvisse alguém dizer “não sei se amo ou se gosto”, talvez respondesse: “Mas por que essa diferença importa tanto? E o que há entre o amor e o gosto?”

Talvez... a vida.

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