Falácia do controle ilusório e a fé secreta na coincidência
Outro
dia, enquanto esperava o ônibus sob um céu que prometia tempestade, ouvi um
senhor dizer: “Vai chover. Ontem fiz minha simpatia.” Fiquei olhando
para ele, curioso para saber que tipo de pacto ele havia feito com as nuvens.
Ele não explicou. Apenas sorria, seguro de que sua ação mística — ou simbólica,
ou ritualística — causaria a chuva. E naquele instante me veio à mente a velha
falácia do pau de chuva.
Para
quem não conhece, o “pau de chuva” é um instrumento musical que, ao ser virado,
faz um som que lembra a água caindo. Seu nome virou metáfora para um erro de
pensamento muito comum: achar que uma coisa causou a outra só porque veio
antes dela. Balanço o pau de chuva, começa a chover — logo, foi minha ação
que provocou o efeito. Simples, redondo, sedutor. E totalmente ilusório.
Mas
será mesmo que é só uma falácia?
O
desejo de encantar o mundo
A
falácia do pau de chuva é, sim, um erro lógico clássico — confundimos
correlação com causalidade. Mas, filosoficamente, ela revela algo mais
profundo: nosso desejo de encantar novamente o mundo, de acreditar que
nossas ações têm poder sobre o que está além do nosso controle. É como se
disséssemos: “Se o universo não me obedece, então eu invento um modo de
fingir que obedece.”
Nietzsche,
ao falar sobre os instintos primitivos e o medo do acaso, dizia que preferimos
crer no delírio da ordem a aceitar o peso do caos. O ser humano, desde as
cavernas, faz danças para a chuva, acende velas para o amor e carrega pedras no
bolso para ter sorte. A lógica moderna pode zombar disso, mas a necessidade
simbólica permanece — ainda que disfarçada.
Hoje,
trocamos o pau de chuva por gráficos, dados e algoritmos. Mas a estrutura
emocional é a mesma: queremos controle. Se algo bom acontece depois de uma
atitude nossa, por mais irracional que seja, há uma parte secreta da mente que
sussurra: “Fui eu.”
A
fé na coincidência como modo de viver
O
mais curioso é que até mesmo o pensamento científico, tão distante do mágico,
às vezes se curva a essa lógica enviesada. Quantas pesquisas são feitas apenas
para confirmar algo que já se acredita? Quantas "correlações
estatísticas" disfarçam um desejo antigo de encontrar sentido onde só há
acúmulo de dados?
A
falácia do pau de chuva também vive no coração do marketing, da política, dos
conselhos de autoajuda. É comum alguém dizer: “Depois que comecei a acordar
às 5h da manhã, tudo mudou.” Talvez tenha mudado mesmo — mas será que foi
por isso? Ou será que algo mais estava em movimento?
Essa
fé na coincidência nos move. Não é lógica — é uma tentativa poética de viver
num mundo que muitas vezes parece indiferente.
O
filósofo que comenta do alto da varanda
Bruno
Latour, filósofo francês da ciência, diria que a separação entre o racional e o
irracional talvez seja uma invenção moderna. Em vez de ridicularizar os paus de
chuva contemporâneos, ele nos convida a olhar para eles como traduções
simbólicas de desejos reais. O problema não é acreditar que balançar um
instrumento faz chover. O problema é não perceber o que estamos realmente
tentando provocar: sentido, pertencimento, intervenção no invisível.
Conclusão
com as mãos molhadas
No
fim da tarde, como previsto pelo senhor da parada, choveu. Não sei se foi a
simpatia dele ou apenas o ciclo natural das coisas. Mas, por um instante,
desejei que tivesse sido ele mesmo — o velho, com seus gestos secretos e sua
confiança gentil no mundo.
A
falácia do pau de chuva, afinal, pode ser um erro lógico… mas talvez seja
também um acerto humano: a lembrança de que ainda acreditamos que podemos
conversar com o céu — mesmo que ele não responda.