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domingo, 4 de setembro de 2011

Saber Envelhecer


Neste belo domingo de setembro, com o sol brilhando, um céu azul maravilhoso, nos dirigimos a Eldorado do Sul, com destino a casa do meu sogro. Ele tem 82 anos de idade, viúvo, mora sozinho, cuida das coisas da casa, das plantações que são sua ocupação, e vive apenas na companhia de seus dois cães, que parecem mais parentes que os próprios parentes de pouca visita. Sabemos que nesta idade o corpo já começa a falhar e dar sinais de que precisa de mais alguém por perto, mesmo assim ele é firme em seu propósito, defende sua individualidade e sua autonomia, de fato lá há mais espaço para seus afazeres que lhe ocupam e tomam o tempo, é lá que se sente produtivo, a cabeça funciona, faz suas contas de cabeça, sabe de cor quando deve plantar mandioca, couve, milho, feijão, sabe o tempo e a lua para poda, toda esta sabedoria que não se importa em compartilhar, faz gosto quando alguém se interessa por estes assuntos. Conversa bastante quando estamos por lá, fazemos uma visita a cada quinze dias e nos falamos por telefone durante a semana para saber como as coisas estão, quando estamos juntos lhe pergunto como esta de saúde e se não se incomoda de morar sozinho, se a dona solidão não lhe perturba e aquela melancolia não esta lhe exigindo muito, a resposta é de pronto, claro que a solidão as vezes fala alto, mas enquanto puder viver como vive, produzindo e sabedor de que o trabalho lhe é companheiro a solidão se torna aceitável. Como gosta de trabalhar na terra, par o agricultor a terra sempre responde aos bons tratos e as mãos que se dedicam a ela, para quem é produtivo nada mais prazeroso do que colher os frutos de sua dedicação. Dá para entender sua escolha, demonstra maturidade e lucidez, sabedoria que não encontramos nos livros, basta olharmos e enxergarmos o exemplo, pelo exemplo que aprendemos. Esta sempre muito bem informado, ouve radio e não assiste televisão, tem televisão com parabólica mas não demonstra interesse em ficar parado na frente de uma tela, sempre que conversamos sabe tudo de futebol, de política então dá um nó. Isto demonstra estar atento as coisas do mundo externo, tem opinião própria e seus conceitos e valores consolidados, ainda hoje falamos de algumas tradições e mitos que estão se perdendo com  saída de cena dos mais velhos, como a semana santa, a sexta-feira santa, Páscoa, sete de setembro com o desfile das escolas, o ensaio e aprendizado do Hino Nacional, coisa que sabíamos na ponta da língua, enfim falamos de outras datas que modificavam o cotidiano das famílias, atualmente existe muita preocupação no adquirir, estamos perdendo a felicidade pela simplicidade, as coisas parecem ter um sabor muito passageiro sem tradição.
O que vejo por ai e ouço de tantas bocas, é maior expectativa de vida para nossos idosos, de fato, concordo, mas só acontecera se nossos idosos estiverem ocupados, com suas cabeças funcionando, produzindo, não falo só de trabalho, falo de outras coisas que podem ocupar e dar objetivo, sem o compromisso do trabalho alienante. A pouco li pela segunda vez o livro de Cícero, “Saber Envelhecer”, ali encontramos diálogos travados com bastante lucidez, recomendo mesmo para os jovens, dali podemos extrair idéias que vão de encontro a impressão que os jovens tem sobre os idosos, encontrar prazer na convivência que independente da idade a própria convivência por si só tem como diz Cícero, todas as idades tem suas próprias virtudes, e é na convivência que aprendemos a lidar com as diferenças.
Deixo algumas palavras do sábio Cícero, acerca da vontade dos homens em querer viver muito tempo: “Quando esse fim chega, o passado desapareceu. Dele vos resta apenas o que vos puderam trazer a prática das virtudes e as ações bem conduzidas. Quanto ás horas, elas se evadem, assim como os dias, os meses, os anos. O tempo perdido jamais retorna e ninguém conhece o futuro. Contentemo-nos com o tempo que nos é dado a viver, seja qual for!”.

sábado, 3 de setembro de 2011

Política e Ética


Diariamente somos surpreendidos com absurdos, dentre tantos, trago a baila um assunto que chamou atenção de todos os gaúchos, noticia de ZH Política, pasmem:
ZH 30/08/2011 Politica
TCE suspende aumento de salário dos vereadores de Porto Alegre
Reajuste elevaria os subsídios de R$ 10.335,00 para R$ 14.837,00
Em decisão tomada na tarde desta terça-feira, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), em atenção à representação 003/2011 do Ministério Público de Contas, emitiu decisão cautelar suspendendo o aumento concedido pela Câmara Municipal de Porto Alegre aos subsídios dos vereadores.
A cautelar, expedida pelo relator do processo, conselheiro Iradir Pietrosky, determina que o Legislativo Municipal da Capital abstenha-se de efetuar qualquer pagamento com base no reajuste concedido na Lei Municipal nº 10.560, de 20 de outubro de 2008, na Resolução nº 433/2010, bem como qualquer outro Ato Legislativo que eleve o subsídio dos vereadores de Porto Alegre nos termos das normativas supra citadas.

A mesa diretora da Câmara de Porto Alegre havia decidido 
reajustar os salários dos vereadores dos atuais R$ 10.335,00 para 14.837,00. O valor é o equivalente a 74% sobre os subsídio dos deputados estaduais. O PSol foi a única bancada que votou contra o aumento.
ZERO HORA

Fico me perguntando se existem políticos sérios, homens virtuosos, homens cidadão, enfim, noticia como esta alimenta nossa indignação, abre pelo menos discussão do que podemos esperar de nossos políticos. Fiz a seguinte pergunta mentalmente para Aristóteles, busquei em seus ensinamentos respostas, eis a pergunta que me surgiu: Do que depende ser um politico? Para Aristóteles depende da posse da virtude em grau máximo. É um homem cujas qualidades são as melhores, excelentes, como se diz é tudo de bom. Todo governante na opinião de Aristóteles deveria ser necessariamente um homem bom, era inadmissível para ele que aqueles que exercem o poder Maximo no estado não fossem também as pessoas mais virtuosas. Aristóteles tinha plena consciência de que na comunidade política era impossível que todos os cidadãos fossem igualmente bons.
O governante porem deveria possuir necessariamente as qualidades éticas que o distinguiam acima de todos os demais. Onde somente os homens virtuosos podem aspirar o comando sobre a coletividade. Os medíocres, os falsos, os mentirosos, os desonestos jamais poderiam ser admitidos a vida coletiva. Diante disto, o que podemos dizer de nossos políticos?, uma noticia como a que nos deparamos abre espaço para muita discussão. Se pensarmos que os escritos de Aristóteles foram feitos no século III antes de Cristo, os estudos de Aristóteles, principalmente em sua obra a Política, é como um manual, diferente de Platão, Aristóteles foi um homem cientifico, bem próximo de nosso pensamento. Um principio importantíssimo é o conceito que nosso brilhante pensador dá acerca do que um cidadão, afirmando que o homem realiza sua essência participando da comunidade política, cidadão é aquele que participa dos poderes do Estado, o povo governa, legisla e julga diretamente e quem apenas obedece não é cidadão, o principio do cidadão esta em obedecer e mandar, e não apenas como atualmente procedemos apenas obedecendo, o que fazemos em nossa democracia é delegar todos os poderes nas mãos de quem controla o Estado.
Atualmente o único poder que o cidadão exerce efetivamente é o da escolha de seus representantes, e mesmo assim no Brasil as pessoas dirigem-se as urnas contrariadas e votando de maneira negligente, sem saber em quem votam, e na maioria votam em políticos com ficha suja e envolvidos nos maiores escândalos. Se pensarmos que os eleitos exercerão funções juntamente com outros grupos, como funções judiciárias, que sequer são eleitos pelo povo, então o problema tende a se acentuar.
O que a ética nos ensina é que todos querem ser felizes, porem para alcançar o bem maior que é a felicidade ela precisa ser merecida, e para que isto seja alcançado, implica na obrigação do cidadão dizer livremente sua opinião, de exigir seus direitos garantidos por lei, óbvio cumprir com seus deveres, de inserir-se ativamente nas diferentes formas de organização da sociedade, ou seja, participar ativamente da vida da comunidade. Os políticos de hoje são homens tecnocratas, com sua visão especifica, destituído da múltipla visão do povo, o político é um profissional que realiza projetos de grupos que se diz representante.
Dizia Aristóteles que a política não era uma arte como a medicina, é sim uma arte como a arquitetura e a culinária, nas quais prevalece o ponto de vista do usuário, pois é o usuário, diga-se o cidadão quem decide o que é melhor. Fazer política, se tornou em nossos dias uma função para os ditos especialistas denominados políticos, é profissão, é desta função que recebem salários, a ponto de receberem aposentadoria vitalícia após um certo numero de mandatos.
Os homens que procuram a política, são homens com interesses diferentes daqueles da origem do termo na antiguidade, são interesses financeiros, fazer carreira, benefícios que o cidadão comum não tem. Políticos que elegemos não são homens bons, desprovidos de virtude, quando vereadores como os que foram noticia na ZH do dia 30/08, legislam em causa própria concedendo a si mesmos aumento de salário absurdo, e não estou a falar de propinas e outros favores que recebem, estão legislando em favor do próprio grupo que deveria primar pela ética e assim serem exemplos de virtude a população local e mundial, pois encontramo-nos num planeta redondo mas planificado pela informação. Todos tem direito a aumento de salário, mas para tudo há limite, e no aumento de salários proposto por “nossos políticos vereadores” merecem ganhar o maior prêmio que deve ser dado um político deste calibre que é a expulsão do convívio da comunidade.
Aqui cabe bem o pensamento de Thomas Hobbes, “O Homem é Lobo do Homem”, em seu pensamento nos traz uma mensagem alerta para nossa sociedade, que diante de tanta irregularidade, denuncias, CPIs faz de conta, o pensamento de Hobbes é claro porque entende que o pior mal é insegurança que decorre da fraqueza do poder exercido pelo Estado, a fraqueza esta, estampada na virtude negativa dos políticos tecnicistas.

domingo, 28 de agosto de 2011

Freud e a Filosofia

              Ontem, sábado, 27 de agosto, eu e minha linda (Márcia para quem não conhece é minha esposa que chamo carinhosamente de linda) passamos uma tarde memorável, aceitamos o convite do Claiton Pinzo, do Café Filosófico promovido pelos alunos de Filosofia do IPA e Livraria Roma, ouvimos a palestra do ilustre Professor Dr. Julio Bernardes acerca do tema “Linguagem em Freud”. É claro não posso deixar de registrar a presença do ilustríssimo e querido professor Dr. José Luiz Novaes. De nossa parte (Linda e eu) ficamos bastante satisfeitos com a preleção competente do Professor Julio, sabem quando há satisfação? É quando saímos com gosto de quero mais, e a discussão acerca do tema permanece, seguimos pensando e falando. Lá foram citados filósofos como Platão, Aristóteles, Sto Agostinho, Hegel, Hobbes, Kant, Heidegger, Wittgenstein, e Lacan como um pé na Filosofia e outro na Psicanálise. Enfim, foi uma bela oportunidade para circular dentre os pensamentos de tantas personalidades, isto com foco no tema proposto sobre a linguagem em Freud.
             Filosofia, Psicologia e Psicanálise cruzam-se, todos os homens possuem uma filosofia, embora ignorem e se perguntados são incapazes de dizer acerca dos problemas da vida, é mais ou menos quando perguntamos a alguém o que é o tempo, entretanto sempre há um fundo filosófico na maneira de viver de cada um, pois as pessoas estabelecem relações com outras pessoas, a maneira como tratam dos problemas, e como resolvem de acordo com seus interesses e valores. Sabemos que a filosofia discute também e principalmente busca sempre investigar a verdade, a origem de tudo, problemas por exemplo como educação, com prazeres diários, são problemas reais de todos nós, e desempenham enorme importância, pois exerce muita influência tudo quanto o homem faz.
            Quando não é dada a devida importância a tais problemas, educação ineficiente e prazeres por prazeres, os problemas vão avolumando-se no consciente e subconsciente, é quando o filósofo não pode deixar de ser psicólogo e o psicólogo não pode deixar de ser filósofo, porque dentro da psicologia, surgem constantemente inúmeras questões que são definitivamente filosóficas, não pode a psicologia fugir a filosofia, pois ao fugir a negação per si já é filosofia, e muitas vezes implica uma metafísica mais ousada do que qualquer outra inventada por muitos filósofos desprezados. Freud sabemos não tinha nenhuma simpatia pela filosofia e nunca tentou apresentar a sua filosofia, mas é evidente que alguma professava.
            A Psicanálise que é outra escola também, entendo que seja mais uma tentativa para construir uma ciência do espírito e da vida do homem, é claro não esta isenta e permeada por princípios filosóficos, com sua utilidade no processo de cura de doenças mentais, como um processo para evitar transtornos da personalidade e da conduta social sem aparente lesão física do sistema nervoso, para dirigir a educação e para explorar as leis que governam o comportamento humano, trabalha com muitos conceitos oriundos de pensadores filósofos ocidentais e orientais.

sábado, 27 de agosto de 2011

Sábado

O sábado é muito aguardado por boa parte das pessoas, por razões religiosas, por que é simplesmente o inicio do fim de semana, estranho falar inicio do fim, mas enfim saímos da rotina do acordar e ir fazer quase sempre as mesmas coisas, no sábado acordamos relaxados, descompromissados.  Conheço um camarada que não esta nem ai para o sábado, para ele é um dia como outro, até como a segunda-feira mesmo, não tem nada a ver com religião, nem por isto é niilista, mas pensa só em trabalho, há isto sim é legal para ele. Conversando com outros amigos, numa rodinha, ao ouvir este nosso amigo, ficaram surpresos, alguns até o criticaram, e ele com sua convicção, apresentou seus argumentos, o qual declino em dizer aqui, não há problema em dizer, mas o que penso é em falar sobre a reação dos colegas, em sua maneira própria de cada um, apresentaram seus argumentos, nisto após ouvi-los lembrei de uma estória que havia lido num livro de Rubem Alves chamado “Entre a Ciência e a Sapiência”, corri para o livro e resolvi então compartilhar com todos e assim a boa e velha similaridade entrou mais uma vez em ação, vou contar a estória porque quanto mais se explica mais confuso fica, então La vai...
"Era uma vez uma aldeia às margens de um rio, rio imenso cujo lado de lá não se via, as águas passavam sem parar, ora mansas, ora furiosas, rio que fascinava e dava medo, muitos haviam morrido em suas águas misteriosas, e por medo e fascínio os aldeões haviam construído altares a suas margens, neles o fogo estava sempre aceso, e ao redor deles se ouviam as canções e os poemas que artistas haviam composto sob o encan­tamento do rio sem fim.
O rio era morada de muitos seres misteriosos. Al­guns repentinamente saltavam de suas águas, para logo depois mergulhar e desaparecer. Outros, deles só se viam os dorsos que se mostravam na superfície das águas. E havia as sombras que podiam ser vistas deslizando das profundezas, sem nunca subir à superfície. Contava-se, nas conversas à roda do fogo, que havia monstros, dra­gões, sereias e iaras naquelas águas, sendo que alguns suspeitavam mesmo que o rio fosse morada de deuses. E todos se perguntavam sobre os outros seres, nunca vistos, de número indefinido, de formas impensadas, de movimentos desconhecidos, que morariam nas profun­dezas escuras do rio.
Mas tudo eram suposições. Os moradores da aldeia viam de longe e suspeitavam — mas nunca haviam conseguido capturar uma única criatura das que habita­vam o rio: todas as suas magias, encantações, filosofias e religiões haviam sido inúteis: haviam produzido mui­tos livros mas não haviam conseguido capturar nenhu­ma das criaturas do rio.
Assim foi, por gerações sem conta. Até que um dos aldeões pensou um objeto jamais pensado. (O pensa­mento é uma coisa existindo na imaginação antes de ela se tornar real. A mente é útero. A imaginação a fecunda. Forma-se um feto: pensamento. Aí ele nasce...) Ele imaginou um objeto para pegar as criaturas do rio. Pensou e fez. Objeto estranho: uma porção de buracos amarrados por barbantes. Os buracos eram para deixar passar o que não se desejava pegar: a água. Os barban­tes eram necessários para se pegar o que se deseja pegar: os peixes. Ele teceu uma rede.
Todos se riram quando ele caminhou na direção do rio com a rede que tecera. Riram-se dos buracos dela. Ele nem ligou. Armou a rede como pôde e foi dormir. No dia seguinte, ao puxar a rede, viu que nela se encontrava, presa, enrascada, uma criatura do rio: um peixe dourado.
Foi aquele alvoroço. Uns ficaram com raiva. Tinham estado tentando pegar as criaturas do rio com fórmulas sagradas, sem sucesso. Disseram que a rede era objeto de feitiçaria. Quando o homem lhes mostrou o peixe dourado que sua rede apanhara, eles fecharam os olhos e o ameaçaram com a fogueira.
Outros ficaram alegres e trataram de aprender a arte de fazer redes. Os tipos mais variados de redes foram inventados. Redondas, compridas, de malhas grandes, de malhas pequenas, umas para ser lançadas, outras para ficar à espera, outras para ser arrastadas. Cada rede pe­gava um tipo diferente de peixe.
Os pescadores-fabricantes de redes ficaram muito importantes. Porque os peixes que eles pescavam tinham poderes maravilhosos para diminuir o sofrimento e au­mentar o prazer. Havia peixes que se prestavam para ser comidos, para curar doenças, para tirar a dor, para fazer voar, para fertilizar os campos e até mesmo para matar. Sua arte de pescar lhes deu grande poder e prestígio, e eles passaram a ser muito respeitados e invejados.
Os pescadores-fabricantes de redes se organizaram numa confraria. Para pertencer à confraria, era necessá­rio que o postulante soubesse tecer redes e que apresen­tasse, como prova de sua competência, um peixe pesca­do com as redes que ele mesmo tecera.
Mas uma coisa estranha aconteceu. De tanto tecer redes, pescar peixes e falar sobre redes e peixes, os mem­bros da confraria acabaram por esquecer a linguagem que os habitantes da aldeia haviam falado sempre e ain­da falavam. Puseram, em seu lugar, uma linguagem apro­priada a suas redes e a seus peixes, que tinha de ser falada por todos os seus membros, sob pena de expulsão. A nova linguagem recebeu o nome de ictiolalês (do grego ichthys = "peixe" + lalia = "fala"). Mas, como bem disse Wittgenstein alguns séculos depois, "os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo". Meu mundo é aquilo sobre o que posso falar. A linguagem estabelece uma ontologia. Os membros da confraria, por força de seus hábitos de linguagem, passaram a pensar que só era real aquilo sobre que eles sabiam falar, isto é, aquilo que era pescado com redes e falado em ictiolalês. Qualquer coisa que não fosse peixe, que não fosse apanhado com suas redes, que não pudesse ser falado em ictiolalês, eles recusavam e diziam: "Não é real".
Quando as pessoas lhes falavam de nuvens, eles diziam: "Com que rede esse peixe foi pescado?" A pes­soa respondia: "Não foi pescado, não é peixe". Eles punham logo fim à conversa: "Não é real". O mesmo acontecia se as pessoas lhes falavam de cores, cheiros, sentimentos, música, poesia, amor, felicidade. Essas coisas, não há redes de barbante que as peguem. A fala era rejeitada com o julgamento final: "Se não foi pesca­do no rio com rede aprovada não é real".
As redes usadas pelos membros da confraria eram boas? Muito boas.
Os peixes pescados pelos membros da confraria eram bons? Muito bons.
As redes usadas pelos membros da confraria se pres­tavam para pescar tudo o que existia no mundo? Não. Há muita coisa no mundo, muita coisa mesmo, que as redes dos membros da confraria não conseguem pegar. São criaturas mais leves, que exigem redes de outro tipo, mais sutis, mais delicadas. E, no entanto, são absoluta­mente reais. Só que não nadam no rio.

Penso que cada um tem seu ponto, de vista, sua verdade, sua realidade, quando conversamos percebemos como somos diferentes, e quanto precisamos ser compreensivos com os outros, e agradecer quando e sempre que são conosco. As diferenças aproximam e ao mesmo tempo afastam se a compreensão não fizer a liga, mais ou menos quando fazemos um bolo e precisamos colocar ovos. Os amigos de quem falo são pessoas que gostam de ler, não pela quantidade de livros lidos, mas pelo prazer obtido na infância, tiveram sorte de terem, assim como eu uma contadora de estórias infantis. Acredito que uma boa estória, se tiver de preferência alguma similaridade com nossas realidades, tenhamos sempre o prazer de ruminar a maneira dos bovinos a arte de ler, a arte de compreender, não é preciso entender as razões do outro apenas compreender que há muitas verdades, muitas realidades, muitas diferenças.
Ótimo Sábado a todos.


domingo, 21 de agosto de 2011

Arte de Habitar

              Hoje, 21 de agosto é comemorado o dia da habitação, neste dia as pessoas que possuem habitação comemoram. Habitação quer dizer o lugar onde moramos, porém, nem todos possuem um lugar para morar, são as pessoas chamadas sem-teto. Muitos improvisam lugares em vias públicas, ou até mesmo em construções, barracas, trailers e carroças, para terem ao menos um lugar para dormir. Heidegger em seu ensaio Construir, Habitar, Pensar, publicado em 1954, inicia o ensaio com duas perguntas: “Que é Habitar”; “Em que medida o construir pertence ao habitar?” (M. Heidegger, E, p. 127). Inicialmente afirma que, a primeira vista, só chegamos ao habitar pelo meio de construir, já que o habitar é a meta do construir.    Contudo nem todas as construções são moradas, existem rodovias, pontes, usinas, aeroportos, viadutos. Porem todas elas pertencem ao habitar, por exemplo: um caminhoneiro mora na estrada, um operário na fabrica, na construção, no escritório. E essas construções abrigam o homem e, embora o home não more nelas, esses abrigos servem ao habitar; a maioria dos caminhoneiros sentem-se em casa na estrada; o operários sentem-se em casa na industria, na obra, no escritório. Essas construções oferecem abrigo ao homem, e nelas de certo modo o homem habita e não habita, pois se por habitar entende-se que por habitar simplesmente possuir uma residência. Considerando-se a atual crise habitacional, possuir uma habitação é sem duvida tranqüilizador, a tranqüilidade é maior quando quem financiou conseguiu quitar. Aqueles que não possuem renda suficiente para financiar, ou moram de aluguel, ou moram sob condições sub-humanas, aqui há uma diferença radical, que não é pela citação que existe a similaridade, existe sim, a  radicalidade (há quem prefira um carro zero na garagem do que uma parcela da casa própria, isto é, para alguns, mas há muitos, tudo uma questão de valores).
            Tenho em casa alguns cactos, dentre eles o vulgarmente chamado fantasmagórico, que plantei há mais ou menos 3 anos, e lá sucessivamente, entre ele, há dois anos um pequeno pássaro constrói um ninho de boca para baixo (entrada) onde cria seus filhotes em numero de três, após a cria os filhotes vão ao mundo, seu habitat e sua morada, independente de qualquer de nossas convenções, constrói e ali habitam até o limite de sua vida útil, depois descartam sem receio aos desprendimento, vivem felizes.
           Há harmonia naquilo que mais precisam, necessitam, não há comprometimento alem do necessário conforme a sua natureza, podemos a partir destas premissas ajuizar o que para nós o que pode ser mais importante, sem tanta esnobação, perdemo-nos na falta de noção, pois é nos extremos que nos perdemos.
            Falamos bastante em conforto e nisto comprometemos valores, valores que são outros, alienígenas a nossa verdadeira mas contemporaneamente irreal maneira de viver e ver a vida. Não é preciso falar, escrever, desenhar para entender que estamos longe das origens, e óbviamente distantes do caminho acertado da melhor maneira de viver, tudo isto derivado de nossa angustia e insatisfação, vale o acentuado e continuo consumo como forma de compensar o vazio que nos assola, esta necessidade de correr  a moda do adolescente que corre sem destino a procura de razão de experimentar emoções sabem o quê, mesmo e principalmente os de classe média pensam encontrar na adrenalina a razão da existência, pois a satisfação pelo consumo são combustíveis para o corpo funcionar, corpo e só corpo, e encontram a morte física prematuramente.
           Morada, habitat, romântico para alguns ou não é o local onde estou vivendo com harmonia, plenitude, completude, com ou sem luxo, o fim e o meio compactos em toda extensão, do principio ao fim, coesos, unidos, próximos dos valores que importam, o que importa para nós humanos nesse tempo rápido de viver, a maioria infelizes, alienados, precisam aqui retornar muitas vezes até perder o torpor das ilusões terrenas.
           Morada terrana passageira como nós, a moda de Platão que entendo em sua sabedoria foi assistido por amigos no mundo ideal e real, disse e sou plenamente aliado, estamos vivendo na cópia do melhor, aqui mundo terra em sua concretude, é apenas uma cópia do mundo real e ideal, estamos morando e habitando temporariamente, precisamos aproveitar o aprendizado no aqui e agora para prepararmos para o depois, na linha do tempo, que não é uma linha reta, há uma circularidade divina, carregando nosso fardo ao longo da eternidade.
           Viver seja onde for, que seja vivido com consciência, a consciência é a sabedoria do que se passa imediatamente dentro e fora do sujeito, onde a filosofia mais sofre na busca da certeza do que se passa dentro ou fora do sujeito, do que é real e irreal.